Dois anos depois, guerra na Ucrânia ainda pesa na economia europeia

Principais efeitos da guerra já se estão a dissipar, com a inflação a abrandar, mas há ainda impactos na economia europeia. Incerteza e gastos com Defesa pesam no desempenho.

Foi há dois anos que o mundo acordou com a notícia da invasão russa da Ucrânia, depois de várias semanas de escalada de tensões entre os países. Além da dimensão humana e social, começaram também a surgir os custos económicos deste conflito: os preços dispararam, os Governos europeus tiveram de avançar com pacotes de apoio e também diversificar as fontes de energia, já que a Rússia era um dos grandes fornecedores.

Os economistas ouvidos pelo ECO apontam que os principais impactos da guerra na Ucrânia já se fizeram sentir, mas este conflito deverá ainda produzir efeitos nos próximos tempos, quer pela política monetária do Banco Central Europeu como pela incerteza que ainda rodeia esta situação, que por sua vez leva também a gastos mais elevados com a Defesa.

Mesmo passados dois anos, este conflito “continua a pesar” na economia europeia, aponta ao ECO Gonçalo Pina, professor associado de economia internacional na ESCP Business School, em Berlim. “A guerra está a levar a um aumento das despesas militares em muitos países europeus, que não são particularmente produtivas”, além de que “a guerra levou também à reorganização do comércio externo por questões geopolíticas”.

As exportações para a Rússia, por exemplo, diminuíram, “apesar de se notar um aumento das exportações para países muito próximos da Rússia, uma forma de escapar às sanções que apesar disso não compensou a redução das exportações”, nota.

Um dos impactos mais imediatos da guerra foi na inflação, que já se começava a sentir na saída da pandemia, com os desconfinamentos e a reabertura das economias. A invasão da Ucrânia fez subir os preços da energia e de produtos como os cereais e fertilizantes, tendo tido um grande impacto na evolução da inflação.

Os preços do gás natural da Europa bateram vários recordes, nomeadamente depois da decisão da Rússia de suspender o fornecimento de gás a alguns Estados-Membros da UE. Sendo a Ucrânia um dos grandes exportadores de cereais, conhecida como o “celeiro” da Europa, pelo que este foi outro produto a sofrer um aumento devido às tensões geopolíticas.

Como aponta Gonçalo Pina, atualmente “os preços baixaram para níveis próximos de antes da Guerra, e até antes da pandemia, por isso o efeito direto já estará a passar”. “No entanto, ainda há efeitos indiretos através da subida dos salários e de outros custos que ainda se podem fazer sentir na inflação“, ressalva.

Tiago Tavares, economista no Instituto Tecnológico Autónomo do México e Centro de Investigação Económica, corrobora a visão de que, “neste momento, o impacto da invasão russa nos preços da energia/cereais/alimentos parece estar bastante dissipado”. “Por exemplo, depois de uma subida de mais de 10 vezes no preço dos futuros do gás natural na Europa, com um pico em Agosto de 2022, verificamos uma normalização dos mesmos para níveis pré-guerra”, exemplifica, em declarações ao ECO. “Dinâmicas semelhantes, com oscilações menos intensas, observam-se também para o preço do petróleo, cereais, e alimentação em geral (usando os índices da FAO)”, acrescenta.

Para o economista, o principal risco agora encontra-se na “instabilidade geopolítica do Médio Oriente/canal de Suez e problemas logísticos no canal do Panamá (aparentemente relacionados com alterações climáticas)”, que “estão já a aumentar os custos de transporte para níveis anormais”.

É de notar, ainda que existem vários fatores que contribuíram para o aumento da inflação. Apesar da trajetória de desaceleração, “parece que o crescimento dos preços na área do Euro ainda não está dominado, já que a inflação subjacente mantém-se nos 3%”. “Precisaremos de algum tempo para atingir de novo o nível dos 2% devido a um crescimento desfasado dos salários (que apenas agora estão a recuperar a perda de compra perdido em 2022/23)”, admite o economista.

Para controlar esta inflação, o Banco Central Europeu decidiu subir as taxas de juro em julho de 2022, num ciclo que apenas terminou em setembro de 2023. No espaço de 15 meses, o BCE subiu as taxas de referência por 10 vezes, num total de 450 pontos base (4,5 pontos percentuais), naquele que foi o agravamento de política monetária mais agressivo na história do banco central. Agora, o BCE está “em pausa”, sendo que vários responsáveis já têm vindo a discutir o momento de corte de juros, ainda sem uma data definida à vista.

Este parece ser um dos fatores que pode penalizar a economia europeia, já que esta política demora algum tempo a produzir efeitos. “O abrandamento do crescimento económico observado na área do Euro para 2023 estará mais relacionado com o efeito da política contracionista do BCE“, nota Tiago Tavares.

Para o economista, a maior fatia do “custo” da guerra já foi paga e, “com a exceção de alguns riscos, encontra-se bastante mitigado”. “Grande parte do necessário ajustamento, resultado do corte do fluxo de mercadorias russas (por exemplo gás natural), foi incorrido no final de 2022″, nota, sendo que “esses custos, que causaram um abrandamento ligeiro da atividade económica na Europa, derivam essencialmente de uma substituição das cadeias de abastecimento por parte de produtores, e redução da procura por parte de consumidores”.

“Hoje podemos esperar maior resiliência das economias da União Europeia face a uma prolongação da guerra”, prevê o economista. Apesar disso, “continuam a existir fatores importantes de risco”, admite, que se prendem nomeadamente com no risco da Rússia invadir outro país Europeu. “Nesse caso, vários países Europeus teriam de recalibrar as despesas dos seus orçamentos num maior esforço em políticas de defesa. Este seria um novo choque orçamental a ser adicionado a choques anteriores (covid 2020/21, e energia 2022)”, salienta.

E, num cenário “mais catastrofista, esse esforço orçamental adicional poderia mesmo gerar uma crise da dívida semelhante à observada na zona Euro em 2010/2014”, alerta o economista. As recentes declarações de Trump sobre a não ativação da rede de proteção da NATO em caso de uma nova invasão aumentam este risco, recorda Tiago Tavares. A incerteza gerada por estes riscos “gera efeitos económicos imediatos através de um menor investimento privado“, conclui o economista.

Um estudo do Banco Nacional Suíço, publicado em setembro do ano passado, indicava também que a guerra na Ucrânia reduziu o crescimento económico europeu e elevou “consideravelmente” a inflação, sendo que ainda se poderiam vir a sentir efeitos piores. “As consequências negativas da guerra serão provavelmente muito maiores a médio e longo prazo, especialmente no que diz respeito à economia real”, afirma o estudo.

Nestes cálculos foram tidos em conta impactos nos preços, mas também efeitos provenientes da entrada de refugiados e o aumento da despesa militar. Entre as principais economias europeias, a Alemanha foi a mais afetada, segundo o estudo do banco central suíço. O PIB alemão teria sido 0,7% superior e a inflação teria sido 0,4% inferior no quarto trimestre de 2022 se a Rússia não tivesse atacado nem ameaçado a Ucrânia, calculam.

Já Portugal não exportava muito para a Rússia, além de ser dos países menos expostos à quebra do fornecimento de gás natural russo. Ainda assim, é possível verificar que, tal como aconteceu após a anexação da Crimeia (o que também motivou sanções da UE), as importações se reduziram nos meses seguintes à invasão.

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