Da pirueta ao tabu: PS e AD batalham sobre viabilização de governo minoritário
Pedro Nuno Santos já avançou e recuou, mas mantém a promessa de viabilização de um governo minoritário da AD. Já Montenegro tem evitado a questão.
Foi no frente a frente entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos que surgiu uma das declarações com mais peso nestas eleições: o PS admitiu viabilizar um governo minoritário da AD. Mas desde aí, num espaço de dias, o secretário-geral socialista já avançou e recuou nesta intenção, invocando argumentos como a reciprocidade para se comprometer com alguma decisão. E o líder social-democrata tem evitado responder sobre o que faria numa situação semelhante, ainda que sem deixar cair o tema.
“O PS, se não ganhar não apresentará moção de rejeição nem viabilizará nenhuma moção de rejeição se houver uma vitória da AD, que esperamos que não aconteça”, reiterou Pedro Nuno Santos, no debate desta segunda-feira. Já Montenegro não clarificou o que faria perante um governo minoritário do PS.
Perante a falta de resposta da AD, Pedro Nuno Santos recuou na palavra esta quarta-feira, dizendo que se sentia “desobrigado” perante a falta de reciprocidade de Luís Montenegro. “Ninguém pode impor ao PS aquilo para o qual não está disponível”, reiterou o secretário-geral do PS.
Após estas declarações, Montenegro veio dizer que este volte-face foi uma “demonstração de imaturidade política, de incapacidade de ter convicções, de manter um rumo e um caminho”. Para o líder social-democrata, o que foi dito no debate por Pedro Nuno Santos “não era uma convicção, era uma conveniência”, “uma tentativa de mostrar moderação”.
Mas Pedro Nuno Santos ainda mudou de direção outra vez e corrigiu as declarações para manter a garantia avançada no debate de segunda-feira. O líder do PS falou aos jornalistas para, segundo a Lusa, clarificar que “o fundamental é exigir reciprocidade”, frisando que mantém a promessa feita no frente-a-frente com Luís Montenegro de viabilizar um executivo minoritário da AD.
Montenegro voltou a não esclarecer a questão mas comentou novamente o tema, esta quinta-feira, apontando que “aqueles que não saem desse assunto são aqueles que não têm nada para dizer ao país e enrolam-se e atropelam-se neles próprios”. “Como é que é possível em dois dias ter quatro versões diferentes sobre o mesmo assunto”, questionou o líder social-democrata, apontando que tal “revela impreparação e incapacidade para liderar um governo, o que não é de estranhar porque foi um ministro incompetente e imponderado quanto esteve nas infraestruturas”.
Afinal, o que está a motivar estes compromissos e desvios? Relativamente a Pedro Nuno Santos, a professora de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Paula Espírito Santo, aponta ao ECO que apesar da aparente contradição, o líder do PS escolheu as palavras com algum cuidado. “O que disse é que não iria apresentar ou apoiar uma moção de rejeição, mas que, em relação ao Orçamento do Estado, não se podia pronunciar”, e depois sinalizou que, “sem reciprocidade, se sentia desobrigado de viabilizar a governabilidade da proposta da AD”.
“Por um lado, Pedro Nuno Santos está pressionado porque tem parceiros à esquerda e não pode defraudá-los”, sendo que, por exemplo, a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, já disse que não tem interesse em viabilizar um governo da AD. Por outro, “tem de fazer a quadratura do círculo e os parceiros à esquerda podem não gostar”.
Montenegro, por sua vez, tem que ter “alguma capacidade de equilíbrio junto das expectativas do eleitorado da AD, que pode não ver com bons olhos o apoio a um governo minoritário do PS, mas também junto de toda a estrutura interna do partido, que pode não se identificar com tomada de posição”. “É muito difícil para Montenegro comprometer-se”, vinca ainda a politóloga, já que “ficaria a perder se disser que sim, mas também não pode hostilizar abertamente o PS, porque aí Pedro Nuno Santos tem força para poder recuar ainda mais, como está a tentar”.
Susana Rogeiro Nina, professora no departamento de Ciência Política, Relações Internacionais e Estudos Europeus da Universidade Lusófona, considera que “Pedro Nuno Santos ao afirmar que viabiliza um governo minoritário da AD conseguiu descolar do que se passou nos Açores e colocou o ónus sobre a AD, o PSD”.
Mas Luís Montenegro “não terá vantagem em dizer que viabiliza um governo do PS, porque depois os partidos mais à direita, como o Chega, vão acusá-lo de manter, de perpetuar o PS no poder”. “E o eleitorado à direita pode deixar de olhar para a AD como uma verdadeira alternativa ao PS”, completa.
Ricardo Jorge Pinto também salienta que Montenegro não desfaz o tabu “por uma questão tática”, num comentário na RTP3. “Montenegro tem dois problemas”, argumenta, sendo o primeiro com o Chega: “No momento em que disser que viabiliza um governo PS, o líder do Chega começa a dizer que há bloco central, entendimento entre principais partidos” e isso não é o que o eleitorado quer.
“Mas há outra dificuldade: sabe que se perder as eleições, num cenário em que o PS pode ter maioria de esquerda e formar governo, pode já não ser Montenegro o líder do PSD“, salienta o comentador. Montenegro está assim a tentar “jogar até ao extremo a não clarificação desta matéria que vai ser central neste início de campanha”.
O presidente do PSD está em silêncio e assim se manterá sobre um futuro em que perca as eleições, porque o passo seguinte é abandonar o partido que o obriga a ganhar, sabe o ECO. Nesse cenário, será outro líder social-democrata a decidir se deixa passar um Governo minoritário, chefiado por Pedro Nuno Santos, caso seja esse o desenlace das eleições.
Já André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, reitera ao ECO que “é uma fragilidade” para Luís Montenegro “não responder se viabiliza ou não um governo minoritário do PS, enquanto Pedro Nuno Santos teve a ‘humildade democrática’ – como disse no debate – de assumir que viabiliza um governo minoritário da AD”.
“Essa questão vai continuar a aparecer e a ensombrar Montenegro, enquanto ele não clarificar o que fará se o PS ganhar com maioria relativa. Será pressionado à direita, nomeadamente pelo Chega, e à esquerda pelo PS”, argumenta. Mesmo assim, o politólogo assume que tal é “um enorme trunfo para André Ventura”, já que “se Montenegro disser que vai viabilizar um governo minoritário do PS, o Chega vai dizer que votar AD é o mesmo que votar PS”. “Se não viabilizar, o PS vai acusar a AD de querer ir para os braços do Chega. Será um enorme desconforto para Montenegro”, conclui.
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