“Aprendizagem ao longo da vida tem de ser acelerada para acompanhar transformação tecnológica”

Vânia Neto, da Microsoft, realça que a IA não vai substituir os professores, mas pode ajudar a mitigar a escassez desses profissionais. Requalificação deve ser uma aposta.

Os próximos anos serão de mudanças significativas no mercado de trabalho, em resultado da transformação tecnológica. Mas o futuro não precisa de ser necessariamente negro, desde que os trabalhadores se preparem de forma adequada. O retrato é pintado por Vânia Neto, da Microsoft, que, em entrevista ao ECO, destaca a importância crescente de programas de qualificação e requalificação ao longo da vida.

Vânia Neto é responsável pelo braço da Europa Central do programa da Microsoft dedicado às competências do futuro. Falou ao ECO no âmbito da Building the Future, conferência realizada em Lisboa em torno da transformação digital, durante a qual a Microsoft desafiou os participantes a usarem um programa que permitiu avaliar o seu nível de conhecimento sobre inteligência artificial (IA) e obter sugestões de formações personalizadas.

Ao ECO, a responsável sublinha que, de modo global, o conhecimento da população em relação a esta tecnologia ainda é reduzido e alerta que é preciso melhorá-lo, cabendo aos empregadores e às universidades um papel relevante nesse quadro.

Vânia Neto assinalou ainda que a escassez de profissionais que tem afetado as empresas (incluindo portuguesas) nos últimos anos veio para ficar, pelo que “dar novas vidas” e competências aos quadros já integrados nas equipas será cada vez mais importante.

Um dos principais desafios será o das competências. A única forma de nos prepararmos é mesmo garantir que todos podem ter formação e aprender mais sobre a IA.

Vânia Neto

Future skills initiative program manager da Microsoft para a Europa Ocidental

Parece certo que a IA irá transformar o modo como trabalhamos e naquilo que trabalhamos. Como nos devemos preparar, enquanto sociedade, para que essa tecnologia não crie desemprego grave e haja, então, uma transição mais suave?

Todas as revoluções tecnológicas ao longo da história causaram disrupções. Esta não será diferente. A adoção de IA generativa tem um enorme potencial para transformar a forma como trabalhamos. Olhando, por exemplo, para o “Future of Jobs Report 2023”, do Fórum Económico Mundial, nos próximos cinco anos, a adoção de tecnologia continuará a acelerar, e os empregadores estimam que 44% das competências dos trabalhadores serão profundamente alteradas.

Um dos principais desafios será o das competências, o upskilling e reskilling da população ativa e a preparação dos jovens para esse futuro. A única forma de nos prepararmos é mesmo garantir que todos podem ter formação e aprender mais sobre a IA. Esta é uma das razões pelas quais a Microsoft disponibiliza um portal de formação online gratuita, o Microsoft Learn.

A propósito, na conferência Building the Future, a Microsoft disponibilizou uma ferramenta que permite avaliar os conhecimentos em IA. Que grau de conhecimento tem a população ativa portuguesa sobre este tema?

O conhecimento da população em geral é ainda reduzido. Estudantes, professores, profissionais da indústria tecnológica ou curiosos pelo tema, todos podem beneficiar desta plataforma gratuita que avalia o nível de proficiência em IA, ensina como funciona, quais as questões éticas e sociais e explica como utilizar as ferramentas da Microsoft para criar soluções de IA.

O objetivo é democratizar o acesso a competências tecnológicas de qualidade, que permitam apoiar os esforços de upskilling e reskilling, para que cada um possa aprender ao seu próprio ritmo, de forma adaptada às suas necessidades.

Falou na necessidade de requalificação. É um esforço que está a ser feito na medida devida ou é algo que exige um foco maior, nomeadamente ao nível das políticas públicas?

Há ainda muito a fazer. A formação em contexto de trabalho, ou no âmbito da aprendizagem ao longo da vida, tem de ser acelerada para conseguirmos acompanhar a transformação que está a acontecer. De acordo com o referido relatório do Fórum Económico Mundial, a maioria dos trabalhos que mais vão crescer em termos de procura estão ligados à tecnologia, com a IA e machine learning no topo da lista.

As empresas e as instituições terão de adaptar também a formação que dão aos seus trabalhadores. O papel das políticas públicas também será crucial.

A tecnologia não pode substituir um bom professor, mas pode sem dúvida ajudar a mitigar por exemplo a escassez de professores.

Vânia Neto

Future skills initiative program manager da Microsoft para a Europa Ocidental

E que papel devem ter as universidades neste processo?

O papel das universidades é determinante. É importante que consigam acompanhar a transformação acelerada, nomeadamente na área da Tecnologia. Também por isso, disponibilizamos um programa especialmente para professores e instituições de ensino superior, que queiram incluir a nossa tecnologia nos seus currículos e ajudar os seus alunos a sair melhor preparados para o mercado de trabalho atual.

Em breve, disponibilizaremos também em Portugal AI Bootcamps para professores do ensino superior, isto é, sessões imersivas para apoiar aqueles que querem acelerar a sua formação em IA e incluir a IA nos seus programas.

Mas os currículos já estão a ser bem ajustados, na sua visão, ou há ainda muito caminho a percorrer?

Algumas instituições estão a acompanhar, a adaptar currículos e a criar novos cursos, inclusivamente a utilizar a IA generativa. A maioria, porém, está a iniciar ainda, ou apenas a pensar nisso, sem saber bem por onde começar.

Além das universidades, olhemos para as escolas primárias, básicas e secundárias. Há mudanças que devem ser feitas a esses níveis? Em que sentido?

Temos ainda um grande caminho a percorrer. O potencial pode ir desde uma aprendizagem mais personalizada, que utiliza a IA para adaptar métodos e materiais de ensino às necessidades de cada aluno, até notas automatizadas que libertam os professores do trabalho mais administrativo, como avaliar testes, ou preencher informações.

Sabemos também que a IA está a mudar a forma como os alunos encontram e interagem com a informação, e é muito importante garantir que têm a formação e as ferramentas necessárias para tirarem o melhor partido desta tecnologia de uma forma correta. A tecnologia não pode substituir um bom professor, mas pode sem dúvida ajudar a mitigar por exemplo a escassez de professores, libertando-os com a utilização de IA para tarefas mais importantes e deixando a parte repetitiva e administrativa para a tecnologia para aumentar a eficiência.

Lusa

Em Portugal, fala-se muito em dificuldades no financiamento da educação. Isso pode afetar a capacidade das escolas e universidades se adaptarem aos desafios tecnológicos e darem as competências certas aos alunos?

O problema da educação não parece ser de financiamento, mas de escolhas e prioridades. Se queremos dar a melhor formação possível nas escolas e universidades, a aposta para o futuro deverá ser garantir o acesso à tecnologia mais avançada possível e a igualdade de oportunidades nesse acesso. Esta revolução vai impactar a forma como produzimos conhecimento. Por isso, as competências a desenvolver nas escolas e universidades terão de ser diferentes, se queremos preparar os alunos para o futuro.

Todas as tarefas repetitivas vão eventualmente ser substituídas por alguma forma de IA, por isso, a criatividade e o pensamento crítico e analítico vão continuar a ser fundamentais, a par de outras competências inerentemente humanas, como a empatia, a interação social e a capacidade de liderança.

E que papel têm os empregadores na promoção de uma integração mais suave da IA? Isto é, em Portugal, a taxa de formação contínua é baixa. É um mau sinal perante os desafios que se avizinham e a necessidade grande de formação?

O paradigma vai ter de mudar. A formação profissional e a aprendizagem ao longo da vida terão de ser encarados de forma mais séria por empregadores e trabalhadores. A escassez de talento e de competências continuará a ser um dos grandes problemas do mercado de trabalho, por isso o upskilling e reskilling será uma necessidade ainda maior no futuro.

A cultura de formação em contexto de trabalho tem mesmo de evoluir e adaptar-se, para garantir as competências certas e o aumento de produtividade tão necessário ao desenvolvimento económico.

Regra geral, são mais os homens nos cursos tecnológicos. Sei que o tema da desigualdade de género lhe é caro. Reconhece o risco da IA agravar esse fosso, especialmente no mundo do trabalho?

O risco existe, especialmente no mundo do trabalho e a escassez de mulheres em cursos tecnológicos é um problema que pode contribuir para essa desigualdade. É importante que as empresas reconheçam esse risco e tomem medidas para o mitigar, promovendo a diversidade, por exemplo, tornando a igualdade de género um objetivo estratégico.

Além disso, a diversidade na indústria de tecnologia é fundamental para garantir que a própria IA não é criada com preconceitos de base. Em simultâneo, é determinante atrair mais jovens mulheres para esta área e isso tem de começar nas escolas e nas famílias, sem preconceitos de género nas escolhas e com incentivo à participação de mulheres.

Garantir o desenvolvimento justo e inclusivo da IA e a sua utilização para o bem será uma das principais missões para as empresas tecnológicas e para os Governos nos próximos tempos.

Vânia Neto

Future skills initiative program manager da Microsoft para a Europa Ocidental

Em concreto, o que deve ser feito para garantir que a IA não torna mais grave o fosso entre trabalhadoras e trabalhadores?

É fundamental que, na indústria de tecnologia, a diversidade seja garantida, para que a IA seja desenvolvida de forma justa e inclusiva. É importante também investir em programas de formação e requalificação para ajudar os trabalhadores a adaptar-se às mudanças no mercado de trabalho.

Como é que vê o futuro do trabalho? Que papel terá a IA nesse futuro? E o humano?

Já utilizo IA diariamente, online e nas ferramentas de produtividade que a Microsoft disponibiliza. No futuro próximo, acredito que essa será a realidade da maioria dos trabalhadores. A IA servirá para aumentar a nossa capacidade humana e libertar-nos do trabalho mais básico e repetitivo, bem como dar-nos mais tempo para pensar e concentrar-nos nas nossas competências humanas.

Garantir o desenvolvimento justo e inclusivo da IA e a sua utilização para o bem será uma das principais missões para as empresas tecnológicas e para os Governos nos próximos tempos.

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