Democracia Portuguesa Suave

Qualquer que seja o resultado das eleições, o governo que se formar terá a responsabilidade não apenas durante a sua legislatura, mas também para o futuro da nossa democracia.

Cinquenta anos de democracia e este domingo vamos às primeiras eleições do ano. A seguir ainda vêm as eleições europeias, e não é de excluir que cheguemos ao hat-trick com outras eleições legislativas mais para o final do ano. Estas eleições acontecem num momento crítico. Não tanto pelo aniversário redondo do 25 de Abril, mas porque tudo indica que um partido antidemocrático, o Chega, será a terceira força política em Portugal. Poderá até participar na governação do país. Os próximos anos são decisivos para democracia portuguesa.

Uma parte significativa do crescimento do Chega é nos jovens. Por um lado, isto não é surpreendente. Muitos destes jovens cresceram num Portugal democrático que não correspondeu às suas expectativas, com fraco crescimento económico e oportunidades limitadas, uma experiência que poderá ter reduzido o apoio à democracia. Este não é apenas um problema português. Como Acemoglu, Ajzenman, Aksoy, Fiszbein e Molina mostram no seu artigo “(Successful) Democracies Breed Their Own Support”, que será publicado este ano na Review of Economic Studies, a democracia está em crise em todo o mundo. Segundo a medida dos autores, o apoio à democracia caiu de 60% em meados dos anos 90 para apenas 50% hoje.

Uma das razões apontadas para o declínio no apoio à democracia é possivelmente relevante para Portugal. Os autores mostram quantitativamente que a experiência das pessoas com democracias aumenta o apoio à democracia, mas só se as democracias conseguirem entregar crescimento económico, controlo da corrupção, paz, estabilidade e serviços públicos de qualidade.

Para perceber melhor o resultado dos autores, o apoio à democracia é medido através da resposta a várias perguntas, começando com a afirmação de que a democracia, apesar dos seus problemas, é melhor do que qualquer outra forma de governo. As outras quatro questões baseiam-se na avaliação do indivíduo sobre quão bem funcionam diferentes tipos de sistemas políticos, nomeadamente ter um sistema político democrático, um líder forte que não tenha de se preocupar com o parlamento e as eleições, o exército no poder, ou especialistas, em vez do governo, a tomar decisões de acordo com o que eles pensam ser o melhor para o país. Valores mais altos neste índice indicam um apoio maior à democracia em comparação com outras formas de governo, como líderes fortes, governo militar ou tecnocracias. A inclusão da tecnocracia nesta lista pode parecer surpreendente, mas é importante notar que a tecnocracia foi muitas vezes usada por ditadores para oprimir a democracia.

Depois de construir este índice, a estratégia dos autores para identificar o efeito da exposição à democracia no apoio à democracia é baseada numa série de comparações, controlando sempre outros fatores observáveis:

  • Pessoas dentro de um país mas com exposições diferentes à democracia (por exemplo, alguém em Portugal em 2024 com 20 anos comparado com alguém com 50 anos).
  • Pessoas dentro de um país com a mesma idade mas em anos diferentes (por exemplo, alguém em Portugal com 20 anos em 1984, ou seja com 10 anos de democracia, com alguém em Portugal com 20 anos em 2024, com 20 anos de democracia).
  • Pessoas entre países diferentes mas com a mesma idade.

Os resultados são iguais para estas comparações e mostram que mais anos de vida em democracia estão correlacionados com maior apoio à democracia. Os autores obtêm o mesmo resultado com um argumento causal. Crucialmente, mostram ainda que a exposição a uma democracia bem sucedida é determinante para este resultado. Democracias que não estão a funcionar bem não levam ao aumento do apoio para a democracia.

Nunca vi dados sobre como os votantes do Chega responderiam a estas perguntas, mas entre a “querido-lideralização” do André Ventura, a comunicação política que vai saindo daquele partido, e a incompetência geral que o partido vai mostrando, parece claro que o líder e os votantes do Chega apoiam menos a democracia do que a média. Por isso, o Chega pode ser visto como um partido antidemocrático no sentido destes autores.

Os resultados deste estudo são preocupantes para Portugal porque o apoio à democracia não é um luxo, mas sim uma necessidade para a sua sobrevivência. Democracias com alto apoio público saem-se melhor em tempos difíceis e são menos propensas a retrocessos autoritários. Quando o apoio à democracia é baixo, se as coisas correm mal, o apoio à democracia desce ainda mais. Ou seja, um partido como o Chega que cresce com uma redução do apoio à democracia, tem todo o interesse em que as coisas corram mal para a democracia portuguesa.

Qualquer que seja o resultado das eleições, o governo que se formar terá a responsabilidade não apenas durante a sua legislatura, mas também para o futuro da nossa democracia. Por isso, é ainda mais crucial que votemos não apenas tendo em conta o país que tivemos, mas também no país que queremos ter.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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