Ser mulher: o copo meio cheio ou meio vazio?
Alcançar a igualdade de género exige uma mudança de paradigma, que começa em criança, e que passa pela divisão do trabalho doméstico, pela promoção de uma dinâmica equilibrada entre os géneros.
Tive a sorte de nascer mulher num Portugal democrático. Aqui, o direito à igualdade, independentemente do género, da ascendência, raça, origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, condição socioeconómica, é um princípio consagrado na Constituição. Mas, 50 anos de democracia em Portugal, não constitui ainda uma garantia total de que ser mulher é ter acesso às mesmas condições laborais, salariais e ver respeitado o direito à integridade e autonomia do seu corpo.
Os números não mentem. As mulheres apostam mais na formação – em cada 100 pessoas com o ensino superior completo, 61 são mulheres -, mas auferem salários mais baixos do que os homens e ascendem menos na carreira. Aliás, segundo dados de uma das principais organizações sindicais a vida das mulheres portuguesas que trabalham piorou: 70% recebia uma remuneração base mensal bruta até 1.000 euros, sendo que o salário médio líquido era 175 euros menor do que o dos homens. Se é verdade que nas últimas décadas se tem registado melhorias nas mais diversas áreas, é igualmente verdade que muito há ainda por fazer.
Podemos ver esta questão como a do copo meio cheio ou meio vazio – ainda que nenhuma das formas de encarar o tema possa agradar, nem servir como tentativa de consolação.
Para operarmos uma mudança efetiva – e tendo em conta que ainda faltam 132 anos para existir igualdade de género – há conceitos que importa distinguir: igualdade e equidade. Do que falamos afinal? Enquanto a igualdade se esforça por ser igual, a equidade reconhece e aborda as diversas necessidades e circunstâncias dos indivíduos. É a garantia ao acesso de oportunidades, independentemente das diferentes características de cada pessoa, reconhecendo que existem barreiras que algumas pessoas enfrentam e outras não, havendo necessidade de um maior esforço para diminuir esses desafios.
Numa sociedade democrática, e considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, parte-se do princípio de que todos os membros da sociedade nascem iguais em dignidade e direitos, tendo igualdade de acesso a oportunidades. No entanto, a realidade da sociedade traz, inevitavelmente, diferenças económicas, sociais e políticas que fazem com que esse acesso seja desigual.
A equidade refere-se, portanto, a um tratamento justo para todas as pessoas, de modo a que as normas, práticas e políticas em vigor garantam que a identidade não é um fator preditivo de oportunidade. Isto significa que, enquanto a igualdade indica que todos os indivíduos ou grupo de pessoas têm os mesmos recursos ou oportunidades, a equidade reconhece a diferença de circunstâncias de cada pessoa, pressupondo que se deve atribuir a cada indivíduo os recursos e oportunidades concretos de que precisa para alcançar um resultado igual. No fundo, a equidade tem em consideração as circunstâncias únicas de cada pessoa, ajustando o tratamento em conformidade para que o resultado final seja igual.
Já a igualdade significa que todos os seres humanos são livres de desenvolver as suas capacidades pessoais e fazer opções independentemente dos papéis atribuídos a homens e mulheres. Sucede, porém, que na nossa sociedade ainda prevalecem importantes entraves, como são exemplo os estereótipos de género. Ou seja, representações generalizadas e socialmente valorizadas acerca do que os homens e as mulheres devem ser e fazer.
Desde cedo que somos condicionados voluntária e involuntariamente por esses estereótipos e expectativas associadas ao nascer-se menino ou menina. São diversas as normas sociais que moldam as perceções das crianças sobre os papéis de género, desde logo nas cores das roupas que se vestem ou aos brinquedos com que são ‘convidados’ a brincar. Quantas vezes vimos uma boneca a ser oferecida a um menino nos anos? Esta pode ser uma ação inocente, mas não há dúvida que os brinquedos constituem uma ferramenta de simulação da vida adulta, perpetuando desta forma estereótipos e limitando o leque de possibilidades para rapazes e raparigas.
Alcançar a igualdade de género exige uma mudança de paradigma, que começa em criança, e que passa pela divisão do trabalho doméstico, pela promoção de uma dinâmica equilibrada entre os géneros, tanto em casa como no local de trabalho.
Para melhor nos posicionarmos rumo à igualdade de género, ou, melhor dizendo, equidade, temos de aproveitar o poder da educação e das iniciativas de impacto social para desconstruir os estereótipos ao mesmo tempo que se promove a inclusão. Ao integrar e implementar os princípios da igualdade de género nos currículos educativos, podemos cultivar uma geração de agentes de mudança equipados para desafiar as injustiças sistémicas e promover mudanças sociais positivas, trabalhando na mudança e na desconstrução de estereótipos. Porque a promoção da igualdade de género não é apenas um imperativo moral, mas também um imperativo estratégico para a promoção de sociedades inclusivas e prósperas que necessita da consciencialização e intervenção de todas as pessoas, mulheres e homens.
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