“Empresas têm de ser maiores para poderem pagar melhores salários. Não há volta a dar”

Falta de visão estratégica, de formação executiva e de olhar mais focado no internacional. São estas as razões que estão a impedir empresas de ganharem escala, segundo José Ramalho Fontes.

Afinal, como podem as empresas pagar salários mais competitivos? Para o presidente emérito da escola de negócios AESE, a chave está na escala das empresas. É preciso que cresçam, sublinha em entrevista ao ECO. E isso depende de líderes com visão estratégica, formação executiva e um olhar internacional.

José Ramalho Fontes dedicou mais de 40 anos à formação executiva e assegura que muito mudou nessa décadas: há mais pessoas a fazerem formação e uma oferta mais rica. Ainda assim, há setores que continuam a acusar carências, admite, contrariando, contudo, a ideia de que isso resulta da falta de incentivos. “Tenho de fazer formação porque é bom para mim, para a minha empresa, para os meus clientes, quer tenha incentivos ou não“, assevera.

Ao Governo que se prepara para chegar ao poder, o presidente emérito da AESE deixa ainda um recado. É preciso tirar o máximo partido das agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), afirma. E quiçá essa experiência de trabalho em conjunto sirva de rampa para “novas aventuras” com “objetivos mais ambiciosos”, atira.

Dedicou mais de 40 anos à formação de executivos. O que mudou nessas quatro décadas na maneira como se formam os líderes portugueses?

Mudou, por um lado, a qualificação generalizada. Nos anos 80, era reservada a poucas pessoas. O nosso programa PADE [programa de alta direção de empresas] fazia-se só em Lisboa. Depois, passou a fazer-se também no Porto. Atualmente, temos muito mais participantes, não só do nível PADE, mas também de outros níveis.

Além disso, à parte da AESE, muitas outras escolas já fazem formação de executivos, como a Universidade Nova e a Universidade Católica, multiplicando o que existia nos anos 80. Isso corresponde a um enriquecimento muito significativo da sociedade portuguesa.

Ainda assim, não faltam vozes a apontar para o défice de qualificações dos líderes portugueses.

De facto, há líderes pouco qualificados. Por exemplo, no setor do vinho, ao qual me dediquei com mais atenção nos últimos dois ou três anos, só há bom vinho. Mas os donos e gerentes carecem de uma perspetiva global da empresa. Portanto, produzem bem, mas depois não atingem a visão global da empresa. Por isso é que se costuma dizer que no setor do vinho há muita paixão e pouca razão. A formação dos executivos aperfeiçoa a razão, permite que a paixão encontre um enquadramento mais lógico.

Falou no setor do vinho, mas sente que essa falta de visão é um problema de todo o tecido empresarial português?

Não é verdade para todo o tecido empresarial. Varia muito. Por exemplo, o setor das frutas, legumes e flores, nos últimos dez anos, multiplicou por três a sua exportação. Atualmente exporta 2,2 mil milhões de euros.

E a que razão atribui especificamente essa evolução?

O setor de frutas e legumes encontrou uma organização de produtores, com um presidente, que deu lógica ao trabalho dos milhares de produtores. Neste caso, deu lógica na área da exportação.

A formação não é um plus. Não é uma coisa que se faz porque há subsídios, mas é uma coisa necessária intrinsecamente ao negócio.

José Ramalho Fontes

Presidente emérito da AESE

 

Nessa linha, essa lacuna a que ainda existe na formação dos líderes portugueses – a tal falta de visão –, de modo tem afetado o potencial de crescimento das empresas e da economia?

Retira escala e prejudica a estratégia. As empresas pequenas têm o seu papel, mas não podem estruturar os setores.

Portanto, as políticas públicas deveriam ser mais ativas no incentivo à formação dos líderes?

Tudo que for incentivo é útil, mas acho que os incentivos porventura podem ter estragado os setores nalguns aspectos.

Quer concretizar?

Criaram a ideia que a formação de executivos passa pelos incentivos. Isto é, tenho incentivos, portanto, faço formação. Quando o Governo passa a focar-se mais noutra coisa, deixo de fazer formação. Tenho de fazer formação porque é bom para mim, para a minha empresa, para os meus clientes, quer tenha incentivos ou não. A formação é uma necessidade intrínseca da própria pessoa. A formação não é um plus. Não é uma coisa que se faz porque há subsídios, mas é uma coisa necessária intrinsecamente ao meu negócio.

José Ramalho Fontes, presidente emérito da AESE, em entrevista ao ECO - 27FEV24
José Ramalho Fontes, presidente emérito da AESE, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Mas como se cria nos empresários portugueses essa vontade e consciência de que a formação é algo necessário?

dois caminhos muito bons. O primeiro é a concorrência. Se quero crescer, se quero ter lógica, tenho de melhorar. Se não, sou comprado. Em segundo lugar, é fazer com que as pessoas parem. Na AESE, em todos os programas isso acontecia. Uma pessoa esplêndida, um ótimo gestor, um ótimo dirigente, um ótimo técnico por parar para pensar, para falar com os colegas, conseguiu resolver problemas, desfazer nós, encontrar novas formas de crescer. As pessoas correm demais. Parando, as pessoas vão vendo que atualmente a oferta de formação executiva é muito variada e rica.

O tecido empresarial é composto por empresas mais pequenas. Acha que o facto de estas empresas não terem recursos muito abundantes pode impedir o investimento na formação?

Sim. Nos setores maiores da economia portuguesa, muitas dessas empresas fazem a formação. O turismo é outro setor com um volume de negócios enorme, mas onde a formação deveria ser mais bem-vinda para que as empresas funcionassem ainda melhor e pudéssemos ter mais grupos, como o Vila Galé e o Pestana.

Disse que a formação seria importante para as empresas funcionarem melhor. Neste momento, fala-se muito de escassez de talento. Executivos com mais formação seriam a chave para reter os profissionais em Portugal?

As pessoas vão para fora porque não encontram um ambiente para desenvolver os seus talentos. Mas não é só o ambiente, é preciso também o nível económico. Não basta ter boa gestão, é preciso ter possibilidade de pagar e isso tem que ver com competitividade, e com dimensão. As empresas têm de ser maiores para poderem pagar melhores salários. Não há volta a dar. Isso vai obrigar as empresas a concentrarem-se, a aquisições e fusões.

Muitas vezes, têm um bom negócio, mas não veem os outros ao lado e não veem que o seu bom negócio poderia ser um melhor negócio.

José Ramalho Fontes

Presidente emérito da AESE

O que é que está a impedir as empresas portuguesas de se concentrarem para ganharem, como diz, escala?

Três coisas. A falta de visão de gestão estratégica dos donos ou dos diretores-gerais é a causa principal. Segunda coisa, não fazerem formação executiva e não conhecerem os concorrentes. Terem uma visão demasiado fechada do seu negócio. Muitas vezes, têm um bom negócio, mas não veem os outros ao lado e não veem que o seu bom negócio poderia ser um melhor negócio.

Os nossos gestores precisam, portanto, de melhorar de modo a que as empresas ganhem escala.

Nós, portugueses, temos uma visão mais de engenheiros, nem sempre de gestores. Os líderes fixam-se às vezes na técnica, e não tanto na empresa e no cliente. Precisamos de ter uma visão mais de marketing, uma visão mais internacional. Um setor com extraordinário crescimento tem sido o setor do calçado, porque tem uma visão internacional sistemática em que se concretiza a ideia de que eu coopero em coisas que são comuns com os meus concorrentes e, depois, cada um compete.

José Ramalho Fontes, presidente emérito da AESE, em entrevista ao ECO - 27FEV24
José Ramalho Fontes, presidente emérito da AESE, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Disse que o défice de formação não se resolve pelos incentivos. Mas que mensagem deixaria ao novo Governo, que sair das eleições, em relação à necessidade de formar os executivos portugueses?

O PRR inventou as agendas mobilizadoras, que são um instrumento extraordinário de visão da atividade de uma maneira ecossistémica. [O Governo devia] obrigar essas agendas mobilizadores a irem até ao fim, a tirarem todo o sumo do investimento feito.

Teme que isso não aconteça?

Todas as organizações humanas estão sujeitas ao atrito. Essas legendas moralizadoras, pela sua complexidade, têm tendência a ter atritos e dificuldades. Não é fácil. Não é um caminho triunfal. Há umas largas dezenas de mobilizadoras, que mobilizaram umas largas centenas de instituições, negócios, empresas, associações, universidades, instituições de investigação. A experiência de trabalhar em conjunto pode ser um magnífico incentivo, se apoiado, para novas aventuras porventura maiores e com objetivos mais ambiciosos.

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