Pobreza energética: não é normal morrer de frio dentro de casa
No quadro da transição energética e de uma maior democratização de todo o sistema, quem é afetado pela pobreza energética deve participar nos ganhos da descarbonização.
Quando falamos em “pobreza energética”, falamos de um conceito que a maioria das pessoas não entende como um problema porque “foi sempre assim”. Em Portugal, é “normal” habitar em casas frias, com problemas de isolamento térmico, e passar os meses frios a tremer o queixo. Mas está na hora de mudar isso. Temos de dizer às pessoas que passar frio em casa ou mesmo – como muitas vezes acontece – ter mais frio em casa do que na rua não é normal.
Os dados mais recentes sobre a pobreza energética indicam que, em 2022, cerca de 40 milhões de europeus em todos os Estados-Membros da União Europeia (UE) não conseguiram manter a habitação aquecida. Ou seja, 9,3 por cento da população da UE, um aumento face aos 6,9 por cento registados em 2021. Para a Comissão Europeia (CE), que já emitiu novas recomendações sobre a pobreza energética, os números demonstram a gravidade da situação. O assunto é sério e é urgente tomarmos medidas e enfrentarmos as causas profundas desta realidade, no quadro de uma transição energética justa e equitativa. Não haverá transição energética enquanto houver pobreza energética.
A CE defende que devem ser prestadas informações claras sobre as faturas de energia e as práticas de poupança de energia, de forma alargada e coordenada. Mas vai mais além, apontando caminhos, como a criação de incentivos aos cidadãos para aderirem às Comunidades de Energia Renovável (CER) ou mudarem para soluções de energias renováveis – caminhos esses que, ainda assim, continuam a esbarrar em processos lentos de licenciamento, como é o caso de Portugal. As recomendações também vão no sentido de se definirem boas práticas para as melhorias que os Estados-Membros podem adotar para combater a pobreza energética na sua raiz. São igualmente salientados os investimentos em medidas estruturais para combater o baixo desempenho energético das habitações e dos aparelhos.
A pobreza energética é um fenómeno multidimensional e, em muitos casos, resulta da elevada despesa com a energia, em percentagem do orçamento doméstico, dos baixos níveis de rendimentos e do baixo desempenho energético dos edifícios e dos eletrodomésticos. Este problema afeta, especialmente, agregados familiares com necessidades energéticas elevadas, que incluem famílias com crianças, pessoas com deficiência e idosos, que são mais vulneráveis aos efeitos da pobreza energética. Fatores geográficos e climáticos entram igualmente na equação.
Se a transição energética tem sido uma bandeira da UE, a pobreza energética não pode ter diferente abordagem. Assim, a CE quer – e bem – a consagração de uma definição de pobreza energética no direito nacional de cada Estado-Membro para que se constitua um primeiro passo para reconhecer e identificar o problema. Só desta forma será possível elaborar as respostas adequadas para combatê-la a nível local, regional, nacional e da UE.
No quadro da transição energética e de uma maior democratização de todo o sistema, quem é afetado pela pobreza energética deve participar nos ganhos da descarbonização. Como? Tendo igual acesso à utilização de energias renováveis e de tecnologias inovadoras, assim como a regimes de partilha de energia. Para isso, é preciso eliminar obstáculos financeiros e, paralelamente, incentivar os municípios a participar.
Em Portugal, já há interesse mas as autarquias estão num impasse: falta enquadramento na contratação pública para a constituição de CER. O código dos contratos públicos está pensado para a despesa pública (custa X e tem de responder às necessidades Y), mas no caso das CER as necessidades não são facilmente quantificáveis. Por outro lado, os contratos de gestão de eficiência energética por Empresas de Serviços Energéticos (ESE) também não funcionam neste âmbito porque o fotovoltaico não pode ultrapassar mais de 50% do valor do projeto, mas na maioria dos casos é superior a isso e não se limita apenas a um edifício específico (uma exigência atual). De volta às últimas recomendações europeias, lê-se que os municípios “têm um papel importante a desempenhar no que toca a tornar os regimes coletivos de autoconsumo abertos e acessíveis aos agregados familiares afetados pela pobreza energética”. Mas se os próprios têm dificuldades em avançar, espera-nos (mais um) longo inverno.
As CER são a resposta às perguntas do futuro. Permitem simplificar, amplificar e acelerar a transição energética para as comunidades locais, abordando o trilema mais urgente do nosso tempo: descarbonizar, reforçar a segurança energética e reduzir os elevados custos da energia. É preciso normalizar a energia verde, mais barata e produzida localmente, em comunidade.
Estou certa de que as Comunidades de Energia Renovável são a resposta mais inteligente e eficaz para o combate à pobreza energética e para os desafios do nosso tempo. Mas primeiro é preciso dizer às pessoas que não é normal morrer de frio dentro de casa. Não é mesmo nada normal.
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