Do novo aeroporto à remuneração da polícia, os dossiês mais difíceis para os primeiros 100 dias de Governo

Luís Montenegro sinalizou, ao longo da campanha eleitoral, alguns dos temas que iria dar prioridade se formasse Governo, comprometendo-se por exemplo a um plano de emergência na saúde.

Apesar de ainda faltarem os resultados do estrangeiro, tudo aponta que Luís Montenegro será indigitado como primeiro-ministro, num Governo que terá de fazer vários entendimentos para conseguir fazer passar as suas medidas. O líder da Aliança Democrática foi dando pistas sobre os assuntos a que dará prioridade quando formar Governo, nem que seja ao iniciar negociações em vários setores.

Existia ainda a dúvida se iria avançar um Orçamento retificativo, necessário para acomodar eventuais medidas do futuro Executivo com impacto orçamental que não estava previsto. No entanto, tendo em conta a composição do futuro Parlamento – onde a AD terá apenas uma maioria relativa, mesmo com a Iniciativa Liberal – parece improvável um retificativo nos primeiros meses.

Veja os principais dossiês que o futuro Governo terá em mãos assim que tomar posse e sobre os quais deverá assumir uma posição.

Novo aeroporto de Lisboa

A localização do novo aeroporto de Lisboa é um tema que se arrasta há décadas, mas o acordo entre PS e PSD para os critérios de escolha parece ter dado um novo impulso ao processo. O relatório final da Comissão Técnica Independente (CTI) sobre o reforço da capacidade aeroportuária foi entregue esta segunda-feira à tarde ao Governo.

Em dezembro, Luís Montenegro garantiu que, se for eleito primeiro-ministro, a localização do novo aeroporto será uma das primeiras decisões que vai tomar, anunciando a criação de um grupo de trabalho no partido para acompanhar grandes projetos de infraestruturas como este.

No programa da AD inclui-se a intenção de “tomar uma decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa”, ainda que não seja indicada uma escolha preferencial, nem Montenegro indicou preferência por uma solução.

A versão preliminar do relatório foi apresentada publicamente a 5 de dezembro, recomendando uma solução dual para o reforço da capacidade aeroportuária na região de Lisboa, apontando a construção de um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete e a manutenção do Humberto Delgado (AHD), pelo menos até poder ser substituído pela nova infraestrutura, como a solução com “mais vantagens”.

Recuperação do tempo de serviço dos professores

A recuperação do tempo de serviço dos professores faz parte do programa da coligação, sendo que Montenegro prometeu fechar esta polémica nos primeiros 60 dias de Governo da AD, “nos mesmos termos que anunciámos em setembro”. Ou seja, o líder do PSD retoma a medida que o partido apresentou no Parlamento, chumbada pelo PS, de repor de forma faseada o tempo de serviço dos docentes, num período de cinco anos, à razão de 20% ao ano.

O horizonte temporal da medida é de 2025 a 2028, pelo que não começa já este ano. Mesmo assim, as negociações com os docentes – ou pelo menos a definição de um calendário para tal – devem ter de arrancar ainda em 2024 para ser possível avançar com a implementação. Esta medida terá um impacto orçamental, ao longo da legislatura, de 240 milhões de euros, segundo o programa económico da AD.

Para além disso, o líder do PSD propõe criar uma “dedução em sede de IRS com despesas de alojamento dos professores deslocados a mais de 70 quilómetros da sua residência”.

Pedido do quinto cheque do PRR

Apesar da AD já não conseguir alterar o Plano de Recuperação e Resiliência, cujas metas e marcos foram acordadas com a Comissão Europeia pelo anterior Governo, terá de assegurar que se consegue executar por forma a não perder as verbas europeias. Segundo a Estrutura de Missão Recuperar Portugal, o Governo estava a planear pedir à Comissão Europeia o pagamento do quinto cheque do Plano de Recuperação e Resiliência no segundo trimestre deste ano.

Este representa já uma derrapagem face ao prazo inicial de março, mas que pode ser explicada pela realização de eleições antecipadas a 10 de março. “A Estrutura de Missão está em processo de validação informal com a Comissão Europeia sobre os resultados alcançados nos marcos e metas incluídos no quinto pedido de pagamento, encontrando-se igualmente em curso o processo de confirmação, controle, verificações no local e auditoria, associado aos marcos e metas referidos”, explicou fonte oficial da instituição liderada por Fernando Alfaiate.

É de salientar, no entanto, que a entrada em vigor do pacote legislativo que reorganiza a Administração Pública é outra das reformas inscritas no quinto pagamento, mas como o Governo estava em gestão não fez avanços neste sentido. Esta reforma poderá assim atrasar o pedido do quinto cheque para mais tarde este ano.

Privatização da TAP

A AD inscreveu no programa a intenção de “lançar o processo de privatização do capital social da TAP”, sendo que Luís Montenegro já sinalizou que prefere a privatização a 100%. Mas este processo depende também de negociações e das ofertas que existirem, pelo que poderá não avançar logo nos primeiros 100 dias.

O líder da AD admitiu também que a privatização “terá de integrar cláusulas que obriguem à manutenção do ‘hub’ em Lisboa, dentro daquilo que são os critérios estratégicos para o nosso país”.

Valorização das carreiras dos polícias

O descontentamento das forças de segurança tornou-se audível numa altura em que decorreram os frente-a-frente entre partidos, em fevereiro. No debate entre o PS e a Aliança Democrática, a 19 de fevereiro, cerca de 3.000 polícias chegaram mesmo a cercar o Capitólio num protesto não foi autorizado.

Na base da contestação da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR) está o pagamento à Polícia Judiciária (PJ) de um suplemento de missão, aprovado a 29 de novembro, e que foi considerada pelas forças de segurança em causa como um “tratamento desigual e discriminatório”. No caso dos inspetores, trata-se de um aumento de 518,86 euros e na carreira de especialista da polícia científica o bónus é de 663,96 euros. Por seu turno, os seguranças da PJ têm um acréscimo de 186,55 euros.

Na altura de forte contestação, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, destacou um caminho de valorização salarial que foi percorrido desde 2015 e que se traduz num aumento de 32,6%. Mas tal não parece ser suficiente, tendo levado ao Presidente da República a instar o próximo Governo a corresponder à “justa insatisfação” das outras forças policiais, alertando para um “alegado tratamento desigual das referidas forças de segurança”.

Findas as eleições, a expectativa das forças de segurança será de retomar as manifestações e de agendar uma “audiência imediata” com o futuro líder do Governo tendo em vista “a resolução imediata desta desigualdade”, encontro do qual o próprio Luís Montenegro já se mostrou disponível para concretizar. Nessa altura, espera-se que a plataforma que junta sindicatos da PSP e associações da GNR retomem os protestos.

Reforço do SNS

A saúde é uma das principais preocupações dos portugueses, numa altura em que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) mostra-se incapaz de dar resposta às necessidades da população, obrigando ao encerramento, rotativo, de vários serviços especializados e urgências. O tema foi um dos que teve maior destaque durante a campanha eleitoral, tendo os grupos parlamentares, transversalmente, defendido serem necessários mais profissionais, melhores condições de trabalho e mais investimento.

Do lado da Aliança Democrática, a ambição será pôr em prática uma estratégia para o SNS a ser executada nos primeiros 60 dias de Governo. Chama-se “Plano de Emergência” e vai desde a garantia de um médico de família para todos os cidadãos residentes no país até 2025, passando pela criação da especialidade de medicina de emergência, até à aposta na procriação medicamente assistida como um dos pilares para resolver o problema da natalidade.

Além do plano de emergência, a coligação que junta o PSD, CDS-PP e PPM elaborou um “Plano de Motivação dos Profissionais de Saúde”, no qual se incluem incentivos laborais, desenvolvimento de carreiras, flexibilidade de horários de trabalho, diferenciação profissional e “novos perfis de competências”, bem como “construir, progressivamente, equipas multidisciplinares mais alargadas no SNS, nomeadamente, ao nível dos cuidados de saúde primários”. Neste plano, não estão previstos aumentos salariais para os profissionais de saúde.

O novo Governo tomará posse numa altura em que quase 2.900 médicos (quase 25% de um universo de 12 mil especialistas do SNS) aderiram voluntariamente à dedicação plena, regime inscrito na Lei de Bases da Saúde e que impede que os médicos do SNS trabalhem ao mesmo tempo no privado. Mas a questão que se coloca é se o novo Governo irá recuar nesta medida? E, caso decida mantê-la, face aos cenários de governabilidade, se terá oportunidade de colocar simultaneamente em curso a estratégia proposta no programa eleitoral.

Outro obstáculo que se impõe a nível da saúde prende-se com as horas extraordinárias dos médicos (150 horas), que no início do ano voltaram ao zero, mas que de acordo com a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), até ao final do mês, já terão sido esgotadas. De acordo com o sindicato, vários serviços de urgência estão a ser assegurados à custa de horas extraordinárias dos médicos.

Habitação

A habitação foi um dos temas quentes da campanha eleitoral, com os partidos a defenderem um aumento da oferta ao mesmo tempo que facilitam o lado da procura. Do lado da AD, embora a habitação tivesse sido assumida como uma das prioridades da futura governação, não foi definida nenhuma linha temporal a curto prazo para a execução da estratégia.

O programa da coligação que junta o PSD, CDS-PP e PPM defende uma isenção de IMT e Imposto de Selo para os jovens até 35 anos na aquisição da primeira habitação, menos burocracia e uma injeção dos imóveis públicos no mercado.

A AD também propõe revogar as medidas que diz serem “erradas” do programa Mais Habitação do Governo de António Costa, incluindo o arrendamento forçado, o congelamento de rendas e as “medidas penalizadoras do alojamento local”, como a contribuição extraordinária e a caducidade das licenças anteriores ao programa. Outra das medidas propostas passa pela continuação, “enquanto o mercado não estabiliza”, de atribuição de subsídio de renda dinâmico que garanta uma comparticipação a todas as famílias com taxas de esforço elevadas.

Programa de estabilidade em abril

O próximo Governo terá também que entregar o Programa de Estabilidade à Comissão Europeia em abril. O ministro das Finanças demissionário, Fernando Medina, sinalizou esta segunda-feira que deixa Programa de Estabilidade com “trabalho preparado”, já que o próximo Governo deverá estar empossado antes da data de entrega.

Este plano contempla um cenário macroeconómico, que a AD já desenhou no programa eleitoral mas ao qual poderá fazer alguns ajustes tendo em conta os dados económicos e previsões que têm vindo a ser conhecidas até agora.

Segundo o programa económico, a AD acredita que, com as políticas que implementar, vai obter excedentes orçamentais todos os anos e um crescimento do PIB de 3,4% em 2028. Já quanto à dívida pública, estima um rácio próximo dos 80% em 2028.

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