Alexia Cambon lidera equipa da Microsoft que se tem debruçado sobre o futuro do trabalho. Ao ECO, diz que o trabalho híbrido veio para ficar, mas líderes precisam de mudar e focar mais nos resultados.
O trabalho à distância não é uma moda. Sim, explodiu com a pandemia, mas veio mesmo para ficar e implica que os líderes atualizem as suas estratégias, desafiando os pressupostos que serviram de guia até aqui. O retrato é pintado por Alexia Cambon, responsável pela equipa da Microsft que tem estado a estudar o futuro do trabalho. Em entrevista ao ECO, a especialista deixa um alerta: é preciso que as organizações se foquem nos resultados e deixem a “paranóia com a produtividade” de lado.
Alexia Cambon tem investigado os desafios “mais prementes” da força de trabalho, nomeadamente o potencial impacto da inteligência artificial na produtividade e desempenho dos trabalhadores. Esteve em Lisboa para a Building the Future, uma conferência sobre transformação, no âmbito da qual conversou com o ECO.
Além dos alertas sobre liderança, a especialista deixou claro que os trabalhadores “estão famintos” por oportunidades de crescimento na carreira, aconselhando que as empresa invistam no desenvolvimento e formação desses profissionais, até como forma de reter esse talento.
Os dados recolhidos pela Microsoft mostram que as pessoas vão ao escritório pelos colegas, para terem aquilo de que sentem saudades: a conexão social.
Escreveu um artigo de opinião no The Guardian sobre as empresas estarem a forçar o regresso dos trabalhadores aos escritórios. O trabalho remoto e híbrido são mesmo o futuro ou serão uma herança pandémica que irá desaparecer com o tempo?
Acredito que o trabalho híbrido veio para ficar. Este modelo, quando está a funcionar bem, oferece o melhor dos dois mundos, e dá flexibilidade aos trabalhadores, para que tenham um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. É crucial que os líderes pensem sobre como vão abordar o trabalho no escritório, porque a investigação mostra que a significativa maioria dos trabalhadores — 73% dos empregados — sente que precisam de uma razão melhor do que as expectativas da empresa para ir ao escritório.
Que razão melhor poderia ser essa?
Os dados recolhidos pela Microsoft mostram que as pessoas vão ao escritório pelos colegas, para terem aquilo de que sentem saudades: a conexão social. Falhar na capitalização dessas interações para reforçar a dinâmica da equipa pode levar à saída de talento valioso. Por outro lado, as empresas que insistem no trabalho presencial a 100% podem ter dificuldades na atração e retenção de pessoas que procuram maior flexibilidade no trabalho.
De que modo é que as empresas devem ajustar os seus projetos para fazer essa capitalização? Como é que as empresas podem eliminar as políticas centradas no escritório, para usar a expressão que escreveu no tal artigo de opinião?
O escritório já não é a única resposta. A tecnologia tem um papel crítico nas conexões, independentemente de onde e quando se trabalha. É crucial que as organizações criem experiências digitais para os seus trabalhadores, que os ajudam a estabelecerem conexões uns com os outros. Os líderes também têm de criar comunidades digitais com ferramentas de comunicação modernas para potenciar o diálogo.
E como é que ficam as perspetivas de carreira dos profissionais, nesse mundo do trabalho em transformação?
De modo global na força de trabalho, os trabalhadores estão famintos por oportunidades de crescimento. Cerca de 56% dos trabalhadores dizem que não têm oportunidades de crescimento suficientes nas suas empresas para que fiquem nelas a longo prazo. As organizações precisam de investir em oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem para que as pessoas estejam no centro do trabalho. Ou seja, os trabalhadores almejam crescimento de carreira e as oportunidades de aprendizagem mostram que as organizações priorizam as pessoas.
Em Portugal, quando se fala em teletrabalho ou em trabalho híbrido, não faltam vozes a avisar que esses modelos prejudicam, de algum modo, a cultura dentro das organizações. Como podemos contrariar esse cenário?
A investigação mostra que a proximidade física não é a chave para a cultura, é a proximidade emocional. É mais provável que fazer com que os empregadores se sintam ouvidos e valorizados leve à criação de conexões, pelo que os empregadores devem focar-se em criar estas experiências independentes das localizações físicas. Na minha experiência, uma cultura híbrida funciona melhor quando as organizações são intencionais quanto ao porquê, quando e como do escritório, ou seja, quando são claras quanto às ocasiões em que o trabalho presencial é mais vantajoso.
Na prática, como é que as empresas podem ser intencionais?
Definindo o propósito das colaborações presenciais, criando acordos de equipa sobre quando ir ao escritório, definindo a etiqueta do trabalho híbrido e repensando o papel do espaço. Também cheguei à conclusão que o papel do gestor é crítico para a criação de uma cultura híbrida positiva e para as conexões entre colegas.
Os líderes precisam de mudar de estratégia, devem deixar de estar preocupados com o facto de as pessoas estarem ou não a trabalhar o suficiente e, ao invés, ajudar esses empregados a se focarem no trabalho mais importante.
De que modo é que os líderes devem lidar com estes novos modelos de trabalho? São mais desafiantes ou são apenas novidade e, portanto, ainda difíceis?
A mudança para o trabalho híbrido e remoto trouxe desafios, sem dúvida. A maioria dos líderes (85%) tem dificuldade em confiar na produtividade dos trabalhadores, agora que não tem os sinais visuais de outros tempos. Contudo, os trabalhadores (87%) indicam que estão mesmo a ser produtivos. Esta paranóia com a produtividade arrisca tornar insustentáveis o trabalho híbrido e remoto. Os líderes precisam de mudar de estratégia, devem deixar de estar preocupados com o facto de as pessoas estarem ou não a trabalhar o suficiente e, ao invés, ajudar esses empregados a se focarem no trabalho mais importante.
É preciso deitar fora a estratégia de liderança que funcionava no trabalho presencial?
Muito do que líderes aprenderam tem por base pressupostos que devem ser desafiados. Os modelos de liderança anteriores eram, frequentemente, construídos em torno da visibilidade. Quando retiramos isso, é natural que os líderes sintam alguma ansiedade sobre como as pessoas estão a trabalhar. Mas as mudanças que temos visto na força de trabalho nos últimos anos não são somente uma fase. A flexibilidade veio para ficar, não é uma moda. As práticas de liderança de 2019 simplesmente não funcionam numa força de trabalho que está conectada digitalmente.
Como é que os líderes podem, então, ajustar as suas práticas?
Para tirar o máximo partido do trabalho híbrido, os líderes têm de tomar decisões com base em dados e têm de se focar nos resultados.
Disse que a liderança tem de mudar. Que papel deve ter a empatia nessas novas lideranças?
Autenticidade e empatia andam de mãos dadas. Os empregados identificam a autenticidade como a qualidade mais importante que um líder pode ter para os ajudar a produzir o melhor trabalho possível. É por isso que a empatia é crítica para a liderança do futuro. Quando os empregados têm líderes autênticos, é mais provável que se abram sobre a saúde mental e o bem-estar, é mais provável que se sintam confortáveis em ir ao escritório ter reuniões com o líder.
Neste mundo de trabalho em mudança, como garantimos que todos os trabalhadores são tratados de igual forma?
As organizações têm de combater ativamente os enviesamentos de proximidade verificados antes da pandemia ou vão colocar certos grupos de trabalhadores em desvantagem.
Como se faz esse combate?
Os líderes devem focar-se nos resultados e ser intencionais quanto ao tempo passado no escritório. Por exemplo, usar os dias de trabalho presencial para conexões e colaborações intencionais, como exercícios de team building ou brainstorming.
Se nos despedirmos dos pressupostos – de que temos de trabalhar num escritório, de que temos de ter reuniões – como seria o mundo do trabalho? Seria muito diferente.
Vamos imaginar que tudo o que conhecemos sobre o mundo do trabalho desaparecia. Que mundo do trabalho construiria, com base no seu conhecimento científico?
Com base nas tendências que registamos na nossa investigação, hoje mais do que nunca é preciso dar prioridade à colaboração, à reconstrução do capital social e ao trabalho com significado. Há uma parceria única a ser criada entre as pessoas e a tecnologia no mundo do trabalho. Prevejo um local de trabalho que usa tecnologia para promover a colaboração e criar espaço para o trabalho que é mais importante.
Vem aí um mundo do trabalho muito diferente do atual?
Temos a oportunidade de desenhar o trabalho, como se fosse o primeiro dia da história do trabalho. Se nos despedirmos dos pressupostos — de que temos de trabalhar num escritório, de que temos de ter reuniões — como seria o mundo do trabalho?
É o que lhe pergunto.
Seria um mundo muito diferente. Penso que o trabalho híbrido seria a opção por defeito. Pensaríamos de forma estratégica os dias no escritório e os dias em casa. Em segundo lugar, repensaríamos as reuniões. Hoje servem para receber informação. Num mundo de ferramentas assíncronas e com inteligência artificial, este é um propósito obsoleto para uma reunião.
As reuniões teriam os dias contados?
No futuro, as reuniões serviriam, sobretudo, para criar, desenvolver e finalizar ideias. Por outro lado, a relação entre humanos seria diferente. Num mundo em que podemos colaborar de forma tão eficaz com inteligência artificial como com um humano, as parcerias entre os humanos mudariam de foco para atividades com maior valor. Mas apenas se aprendermos a usar efetivamente o poder da inteligência artificial.
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“Paranóia com produtividade arrisca tornar insustentável trabalho híbrido e remoto”
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