Ministro versus ex-ministro. Défice de 600 milhões ou contas equilibradas?

Joaquim Miranda Sarmento alerta para saldo negativo e despesas excecionais de mil milhões só no primeiro trimestre. Mas Fernando Medina garante que é "totalmente compatível com o superávite de 0,7%".

O atual e antigo ministro das Finanças entraram numa discordância pública, depois de Joaquim Miranda Sarmento ter denunciado algumas “situações preocupantes” nas contas públicas e acusar o anterior Governo de ser “eleitoralista” e aprovar despesa após as eleições. Já Fernando Medina defende que as medidas foram dadas a conhecer na pasta de transição e que não comprometem o excedente que estava previsto para o ano, até porque não se devem confundir os saldos em contabilidade pública com os saldos em contabilidade nacional. Afinal, o que está aqui em causa?

O tópico veio à baila depois de ser conhecida a execução orçamental até março — que incide sobre o último mês de Medina ao leme das Finanças — e que mostrou que se passou de um excedente de 1.117 milhões, em janeiro, para um défice de cerca de 259 milhões de euros. Para o atual ministro das Finanças, a este saldo negativo deve ser somado o aumento dos pagamentos em atraso, de cerca de 300 milhões de euros, o que resulta num défice de quase 600 milhões de euros. Este saldo é em contabilidade pública, ou seja, numa lógica de caixa.

O ministro das Finanças aproveitou o Conselho de Ministros desta quinta-feira para afirmar que tinha encontrado “situações preocupantes” nas contas públicas. “Até 31 de março, o anterior Governo comprometeu parte substancial das reservas do Ministério das Finanças”, disse Miranda Sarmento na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros, além de que “aprovou despesas excecionais de 1.080 milhões de euros, dos quais 950 milhões já depois das eleições”, apontou.

427 milhões de euros sem cabimento orçamental

O ministro identificou 108 resoluções de Conselho de Ministros aprovadas desde a demissão de António Costa, entre as quais três de “montante significativo” e que não têm cabimento orçamental: 100 milhões de euros de apoio aos agricultores para combate à seca no Algarve e Alentejo; 127 milhões de euros para a compra de vacinas contra a covid-19; e 200 milhões de euros para a recuperação do Parque Escolar”, apontou. No seu todo, estas três medidas perfazem 427 milhões de euros.

Para além disso, o ministro das Finanças referiu que ao défice de 259 milhões de euros se deveria somar “o aumento das dívidas a fornecedores, de 300 milhões de euros entre janeiro e março”. Tudo somado dá um saldo negativo “de quase 600 milhões”, sustentou Joaquim Miranda Sarmento.

Perante estas acusações, Medina passou ao contra-ataque e acusou Miranda Sarmento de “falsidade política” ou “inaptidão técnica” ao usar o défice do primeiro trimestre do ano, em contabilidade pública, para afirmar que “a situação orçamental é bastante pior do que o anterior Governo tinha anunciado”. E garantiu que o défice do primeiro trimestre não compromete o excedente de 0,7% para este ano que o ex-ministro estimou para este ano em politicas invariantes, isto é, sem novas medidas.

Medina esclareceu que não se deve comparar “o que não é comparável”, isto é, défice em contabilidade pública, em lógica de caixa, e saldo em contabilidade nacional, que é o referencial usado pela Comissão Europeia para apurar o saldo das contas públicas.

“O que está inscrito neste relatório da Direção-Geral do Orçamento (DGO) é totalmente compatível com os valores que apresentei ao novo Governo e que o ministro das Finanças teve oportunidade para analisar e de colocar no Programa de Estabilidade que entregou”, apontou Medina. O deputado socialista referia-se, por um lado, ao “superávite de 0,7%” que o anterior Governo indicou para este ano, em políticas invariantes, isto é, sem novas medidas, e, por outro lado, ao “excedente de 0,3%” que o próprio Miranda Sarmento apresentou. “E vem agora mostrar-se surpreendido com os dados da DGO, que são valores em contabilidade pública?”, atirou.

Para Medina, as conclusões de Miranda Sarmento ou são “fruto de inaptidão técnica” ou de “falsidade política”, porque tentou usar “dados em contabilidade pública para afirmar que Portugal tem um problema orçamental, quando não tem”.

IRS, pensões e apoio aos agricultores na origem do défice

O ex-governante explicou depois que o défice de 259 milhões de euros no primeiro trimestre do ano, em contabilidade pública, resulta da “diminuição de impostos que o PS aprovou”. “A receita fiscal está a ser menor do que no primeiro trimestre de 2023 porque as retenções na fonte em sede de IRS foram menores, a despesa com pensões está a ser maior, porque, no ano passado, o suplemento adicional só foi pago no segundo semestre”, detalhou.

Medina enumerou ainda um conjunto de despesas assumidas pelo anterior Executivo, e que “não se irão repetir”, como “o pagamento do défice tarifário, de processos judiciais do Estado, e do apoio aos agricultores”.

Em relação às despesas realizadas quando o anterior Governo estava em gestão, Medina assegurou que tinham cabimento orçamental, mesmo aquelas que foram assumidas já depois das eleições, como os 100 milhões de euros para a Ucrânia. Para além disso, indicou que metade do défice no relatório da DGO vem do Governo Regional dos Açores. Segundo o relatório da execução orçamental, a Região Autónoma dos Açores registou um défice de 126,3 milhões de euros.

O ex-ministro das Finanças sublinhou ainda que a previsão de superávite de 0,7% para este ano “não tem ainda em conta os mais de 4.100 milhões de euros de saldos transitados, que são o conjunto das disponibilidades do Estado”.

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