Nem a economia nos livra de Trump

Faltam seis meses para as presidenciais americanas. Mesmo esperando o melhor, é bom que a União Europeia se comece a preparar para o pior.

O estado da economia é decisivo nas eleições americanas, como em quaisquer outras. Aplicado à ida às urnas que mais pode mexer com o nosso destino coletivo, dir-se-ia que Joe Biden tem a reeleição facilitada.

Senão vejamos. Apesar de uma travagem no arranque do ano, a economia americana vai bem e recomenda-se. O FMI elevou recentemente a sua estimativa para a evolução do PIB dos EUA de 2,1% para 2,7%. A taxa de desemprego, nos 3,8%, está perto de mínimos históricos. Os salários subiram no primeiro trimestre ao ritmo mais elevado em um ano. Apesar dos habituais solavancos, os mercados acionistas vão proporcionando rendimentos muito apreciáveis no último ano, em torno dos 20%, se consideramos o abrangente índice S&P500.

Tudo isto deveria jogar a favor de Joe Biden, mas não. A inflação e a subida das taxas de juro a que ela obrigou continuam a ir ao bolso dos americanos, sem alívio à vista.

No arranque do ano, parecia que a política monetária ia jogar a favor do incumbente da Casa Branca. A temida recessão provocada pela rápida subida das taxas não aconteceu, a inflação estava a ser debelada e a própria Reserva Federal admitia um corte dentro de meses. O consenso geral apontava para março. Só que as últimas milhas no combate à inflação têm-se revelado mais difíceis de percorrer, mantendo a evolução do índice de preços num patamar desconfortável para a Reserva Federal (Fed).

Isso mesmo ficou patente da reunião desta semana do comité de política monetária. A Reserva Federal manteve, na quarta-feira, as taxas no intervalo 5,25%-5,50%, com o presidente, Jerome Powell, a afirmar que “não estão garantidos novos progressos na redução [da inflação] e o caminho a seguir é incerto”.

Se uma subida é “improvável”, crescem as dúvidas sobre a possibilidade de um corte ainda este ano. A Capital Economics e a Oxford Economics continuam a apontar para setembro, mas os investidores apostam que será mais tarde. Venha a decisão antes de os americanos irem às urnas, a 5 de novembro, ou já depois, pouca diferença fará para as aspirações de Joe Biden. Será já sempre tarde.

As contrariedades para Joe Biden não ficam por aqui. A ofensiva de Israel contra o Hamas, que segundo os serviços médicos de Gaza provocou já mais de 34 mil mortos, pode alienar parte dos eleitores democratas. Washington tem evidentes dificuldades em navegar entre a contradição insanável de um apoio militar massivo a Telavive e o apelo, até agora ineficaz, a uma contenção na ofensiva. Ainda esta semana, o secretário de Estado, Antony Blinken, terminou uma visita ao Médio Oriente com mais um apelo a Benjamin Netanyahu para um cessar-fogo; o primeiro-ministro israelita insistiu na ofensiva em Rafah.

O conflito criou, de resto, mais um fator de polarização na sociedade americana. Os protestos nas universidades contra a ofensiva israelita descambaram esta semana em violência e centenas de detenções. Em Los Angeles, houve mesmo confrontos entre pró-palestinianos e pró-israelitas. A insegurança marca pontos a favor de Donald Trump.

Quanto mais a ofensiva em Gaza demorar e mais trágicas forem as consequências, mais difícil será a Biden mobilizar o voto dos eleitores mais à esquerda do partido Democrata.

Derrotar um ex-presidente com quatro acusações criminais e que nos últimos meses tem marcado presença assídua nas salas dos tribunais deveria ser simples. As sondagens vão mostrando o inverso.

Para baralhar as contas, entrou na corrida Robert Francis Kennedy Jr., que ganhou fama nos últimos anos como ativista anti-vacinas, incluindo contra a covid-19. Não é ainda claro qual dos dois candidatos mais poderá perder com a concorrência do sobrinho do antigo presidente Democrata John F. Kennedy.

Donald Trump segue à frente nos inquéritos de opinião a nível nacional, com 41,6%, embora com curta margem sobre Biden, que recolhe 40,8%. Kennedy surge com 10,3% das intenções de voto, segundo o site 538. Leva também vantagem naquilo que verdadeiramente conta: os estados que costumam oscilar entre o candidato Republicano e Democrata e que, na prática, decidem a eleição presidencial.

Uma sondagem recente da Morning Consult para a agência Bloomberg coloca Trump à frente de Biden em seis dos sete “swing states, na maioria deles com larga margem.

Faltam seis meses para as presidenciais americanas. Mesmo esperando o melhor, é bom que a União Europeia se comece a preparar para o pior.

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