Começou por comprar torres às operadoras. Agora, a Cellnex Portugal tem "vários milhões de euros" para adquirir terrenos aos seus mais de 6.300 senhorios, diz o managing director João Osório Mora.
A Cellnex opera nos bastidores, mas gere infraestruturas críticas para o funcionamento das redes móveis — as torres de telecomunicações (sites) onde as operadoras, como a Meo e a Nos, instalam as suas antenas. Foi também a estas duas que o grupo espanhol, direta ou indiretamente, comprou muitos dos seus atuais ativos, num esforço de crescimento inorgânico que começou em 2020 e está em fase de consolidação.
“Fizemos um caminho estrondoso em termos de aquisições”, admite João Osório Mora, que no ano passado assumiu o cargo de managing director. Agora, a Cellnex, que tem a família Benetton entre os principais acionistas, pretende encher estas estruturas metálicas com o máximo possível de equipamentos, do maior número possível de operadoras, para rentabilizar as cerca de 6.300 torres que tem no país.
O responsável garante que não estão previstas vendas no mercado português, numa altura em que o grupo tem feito alienações em alguns países para reduzir o endividamento. Também não prevê comprar mais torres. Mas admite que a empresa está interessada, cada vez mais, em deter os locais onde estão as suas infraestruturas. Para isso, conta com “vários milhões de euros alocados” no orçamento para investir na aquisição de terrenos ou em contratos de longo prazo com os seus milhares de senhorios.
Temos países onde temos uma dimensão bastante maior do que Portugal. Mas Portugal tem sido um use case muito forte em termos de crescimento.
Está prestes a completar um ano à frente da Cellnex Portugal. O que mudou desde que assumiu estas funções?
2023 foi um ano muito desafiante para a Cellnex. Tivemos muito crescimento e também uma transformação grande do nosso grupo. Crescemos e crescemos em receitas. O grupo aumentou mais de 16% a sua faturação face ao ano anterior e chegou pela primeira vez à fasquia dos quatro mil milhões. Isto foi um marco bastante significativo e Portugal também teve um crescimento muito em linha com o crescimento do grupo. Crescemos também em número de sites. Construímos mais de 110 sites no nosso país. Temos hoje mais de 6.300 sites à disposição de todos os operadores. E, portanto, dessa forma, conseguimos também contribuir para o maior número de infraestruturas no nosso país.
A sua liderança foi de continuidade ou foi de mudança?
Podemos dizer que foi de continuidade. Tivemos uma transformação no nosso grupo em que terminámos um ciclo de oito anos de fortes investimentos em aquisições. Fizemos mais de 40 aquisições em 12 países e tornámo-nos no maior operador de infraestruturas móveis da Europa. Temos mais de 110 mil infraestruturas nestes 12 países onde operamos e, neste momento, estamos a focar os esforços numa consolidação destas infraestruturas, e de um aumento da eficiência das operações que temos nestes vários países. Fizemos também uma reestruturação ao nível da própria empresa. Temos um novo CEO. Temos também uma nova administração que acompanha esse novo CEO. E, relativamente à organização dos países, temos os países pela primeira vez a reportar diretamente ao CEO. Até então não acontecia.
Com essa reestruturação, o CEO de Portugal, Nuno Carvalhosa, foi convidado a integrar um cluster de três países — Portugal, Irlanda e Holanda — e assumiu esta responsabilidade a partir da Holanda. Eu já estava na empresa desde o “dia 1” — portanto, desde 2018 — com responsabilidades financeiras e também acompanhava de perto o negócio.
E já tinha background de telecomunicações.
Sim, eu já tenho mais de 20 anos de experiência no setor das telecomunicações. Já trabalhei nas principais operadoras em diversas áreas. Nas áreas financeiras, de operações, de marketing, logística, compras…
O João falou dos resultados de 2023. No dia 25 de abril, a Cellnex apresentou os resultados já do primeiro trimestre de 2024. É uma boa altura para lhe perguntar o que é que o mercado português representa hoje para o negócio global da Cellnex.
Portugal representa, sobretudo, uma aposta bastante grande da Cellnex no potencial de crescimento. Só para ter uma ideia, em 2020, quando a Cellnex entrou em Portugal, nós tínhamos cerca de 1,2 clientes por infraestrutura. Isto foi o resultado de quase 30 anos que um dos principais operadores em Portugal conseguiu desenvolver em termos de partilha de infraestrutura. Nós chegámos a dezembro de 2022 com 1,4 clientes por infraestrutura.
Isso significa que uma torre está a albergar mais infraestruturas de mais clientes?
Exatamente. Na mesma torre nós conseguimos incluir mais equipamentos de mais clientes e, portanto, conseguimos aumentar bastante a eficiência das infraestruturas.
Portugal é um mercado core?
Não é dos mercados maiores. 80% das receitas do grupo advêm de cinco países em que não está incluído Portugal. Temos países onde temos uma dimensão bastante maior do que Portugal. Mas Portugal tem sido um use case muito forte em termos de crescimento. Dizia-lhe que em 2022 terminámos o ano com 1,4 clientes por infraestrutura. Em 2023, terminámos com 1,8. Portanto, duplicámos o número de clientes por infraestrutura em apenas um ano e, desde que começámos a operação, quadruplicámos o número de clientes. Este tipo de crescimento tem sido dos crescimentos mais acentuados que a Cellnex tem registado. Por isso, o grupo vê com muito bons olhos a continuidade do crescimento do negócio em Portugal.
Conhecemos a Cellnex como compradora. Compraram as torres da Meo e da Nos, mas temos visto agora o grupo a fazer algumas vendas. Na Irlanda mais recentemente, na Suécia, na Dinamarca, França e também se fala da Áustria. Sendo Portugal um mercado não-core, vão vender ativos em Portugal?
Estes movimentos que referiu têm sido feitos na sequência desta transformação que o grupo iniciou desde o ano passado. Um dos principais focos do nosso plano é o da simplicidade e, para isso, queremos estar em negócios em que tenhamos liderança e escala e também potencial de crescimento. Um dos primeiros negócios que desinvestimos foi o negócio das private networks. Nós tínhamos um negócio em que construíamos redes privadas de 4G e 5G para ir a clientes empresariais e achámos que era um negócio que não valeria a pena continuar por não termos escala e por também estarmos em competição com os operadores, que são os nossos clientes.
Do ponto de vista das vendas que referiu, nos países nórdicos vendemos uma participação minoritária de 49% à Stonepeak, e queremos utilizar esse dinheiro para investir nesses países. Achamos que são países que têm grandes potencialidades de crescimento e, para isso, precisamos deste capital adicional. No que respeita à Irlanda, fizemos um desinvestimento a 100%, que foi agora comunicado há pouco tempo: vendemos à Phoenix Tower a operação. Está neste momento num processo ainda de conclusão e aprovação das entidades respetivas, e, aqui, o que identificámos foi que seria um negócio e um país onde tínhamos menos escala e menos possibilidades de crescimento. Daí ter-se optado por isso, que não é o caso de Portugal. Como já referi, Portugal tem efetivamente um track record bastante grande de crescimento e acreditamos que tem aqui bastantes oportunidades pela frente de crescimento.
Então não há vendas previstas em Portugal de ativos?
Não está anunciada para já nenhuma decisão nesse sentido.
Anunciado é diferente de previsto.
Nem previsto.
“Já renovámos alguns compromissos com alguns clientes”
Falou da consolidação dos ativos que adquiriram e que têm: mais de 6.300 torres, segundo os dados do final de dezembro de 2023. Como é que têm feita essa consolidação e monetizado esses ativos para além de colocar mais equipamentos de mais operadoras por cada site?
O nosso principal objetivo é, precisamente, otimizar o número de clientes por infraestrutura. Esse é o KPI principal da nossa indústria. Em Portugal já temos 1,8 clientes por infraestrutura e queremos, no final dos compromissos que temos com os nossos clientes, ultrapassar a fasquia dos 2 clientes por infraestrutura. Para isso, trabalhamos com os operadores um conjunto de acordos para instalarmos estes equipamentos nas infraestruturas. Nós, em Portugal, temos um use case que não é comum nos outros países onde operamos, que é o de termos adquirido rede a dois operadores. Isto permite-nos também, para uma localização específica, ter algumas torres de redundância e oferecer, mesmo aos operadores a quem comprámos as infraestruturas, soluções em outras infraestruturas que podem utilizar para densificar a sua rede, ao invés de construírem novas.
Por outro lado, procuramos fazer a gestão destas infraestruturas da forma mais eficiente possível. Temos um conjunto de parceiros com quem trabalhamos para fazer a manutenção destas infraestruturas e também o upgrade das mesmas. Cada vez que um cliente nos pede para colocar equipamento adicional, nós, tipicamente, fazemos alguns trabalhos de adaptação e reforçamos, precisamente para conseguirmos ter esta maior eficiência na nossa utilização de infraestruturas.
Fizemos um caminho estrondoso em termos de aquisições. Partimos em 2015 em apenas um país para em oito anos chegarmos a 12 países. Agora, é chegada a altura de consolidarmos o nosso negócio e procurarmos crescer de forma orgânica.
Esses acordos que têm com os operadores são acordos de muito longo prazo, são a décadas, certo? Também preveem a construção de novos sites?
Sim, os acordos que fizemos com os operadores são de 15 ou 20 anos. São acordos de muito longo prazo e, inicialmente, foi prevista também a construção de novas infraestruturas para suportar a densificação da rede destes operadores.
Que está em curso?
Que está em curso. Estamos numa fase, se calhar, mais final destes compromissos. Já renovámos alguns compromissos com alguns clientes e, portanto, acreditamos que, para a frente, vamos ter, mesmo com estes dois operadores principais com quem trabalhamos, não só a construção de infraestruturas mas a utilização de infraestruturas existentes, precisamente, pela complementaridade que estas duas redes têm para os dois operadores.
Então este número – mais de 6.300 torres – vai continuar a crescer?
Vai continuar a crescer certamente.
Tem alguma meta e um prazo?
Temos mais algumas centenas de sites pré-acordados com os clientes, mas, numa relação de 15 a 20 anos, acreditamos que temos aqui bastante mais potencial de densificar. Isto porque acreditamos que há uma tendência de crescimento das próprias necessidades das redes de comunicações. Por exemplo, para dar uma ideia, o tráfego por cliente móvel na Europa ocidental, atualmente, é entre 25 a 30 GB por mês. Este número estima-se que vá passar entre 50 a 60 GB em 2029, já daqui a cinco anos. Isto vai, necessariamente, trazer grandes desafios de densificação destas redes e de aumento da capacidade. Em parte, vai ter de ser feito com novos sites.
Doravante, o crescimento da Cellnex também será mais orgânico do que inorgânico? Não há mais aquisições previstas?
Fizemos um caminho estrondoso em termos de aquisições. Partimos em 2015 em apenas um país para em oito anos chegarmos a 12 países. Agora é chegada a altura de consolidarmos o nosso negócio e procurarmos crescer de forma orgânica.
O CEO global da Cellnex, numa entrevista recente, sugeriu que a empresa deveria investir mais na aquisição de localizações, para não ter o custo de ter de arrendar os espaços. A própria Cellnex tem de arrendar a terra onde coloca as torres, tem de alugar os telhados onde coloca as suas estruturas. Isso está a ser feito cá em Portugal?
Esse é um dos pilares da nossa nova estratégia. Temos este foco da simplicidade, outro pilar de foco nas operações de torres, um terceiro na eficiência e um quarto no tema mais ambiental. Na eficiência, nós gastamos, no total dos 12 países, mais de 800 milhões de euros em contratos de arrendamento dos 110 mil sites que temos. É a fatia mais pesada dos nossos custos, que estamos a procurar otimizar. Nós temos cerca de 14% dos nossos sites ou que temos contratos de longo prazo com os senhorios, e pretendemos aumentar essa percentagem. Por exemplo, nos EUA, que é um mercado bastante mais maduro do ponto de vista de infraestruturas de telecomunicações móveis, os valores são cerca de 50 a 60% que os operadores que operam nesses países têm de infraestruturas próprias ou de contratos de longo prazo.
Aqui em Portugal as torres estão maioritariamente em locais que arrendam?
São maioritariamente em locais que arrendamos. Nestas 6.300 infraestruturas, temos mais de 6.300 senhorios, por vezes até mais do que um senhorio por site. Portanto, temos aqui uma grande complexidade de gestão destes contratos e interessa-nos ter aqui, por um lado, as melhores condições possíveis, para podermos oferecer as melhores condições possíveis aos nossos clientes, e, por outro, estabilidade contratual, uma vez que temos contratos a 15 e 20 anos e pretendemos manter as infraestruturas. Nós vamos canalizar e vamos reforçar a nível europeu o investimento em aquisição ou contratos de arrendamento de longo prazo. No ano passado tivemos cerca de 130 a 140 milhões investidos nesta componente. Este ano, vamos reforçar para 200 milhões.
E em Portugal?
Vai ser um país onde também vamos reforçar. É um país em que estamos bem relativamente ao universo Cellnex e comparamos relativamente bem. Temos feito um esforço por renegociar muitos dos contratos desde que começámos a operação, vamos continuar a procurar comprar terrenos e nos casos onde não for possível, fazer contratos a longo prazo. Isto tem uma vantagem também para os senhorios, porque conseguimos disponibilizar também de uma vez só uma quantidade financeira bastante interessante e que permite depois aos senhorios canalizar esses montantes para projetos que possam fazer sentido para eles.
Quanto é que está disponível de capital para investir na aquisição de terrenos no mercado português?
Diria que temos vários milhões de euros alocados no nosso orçamento, que vai ser reforçado.
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Depois das torres de telecomunicações, Cellnex está a “comprar terrenos”
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