Restrições orçamentais da UE ainda existem mas “ficaram mais fluidas”
Portugal continua a estar sujeito às regras do défice e da dívida, mas tem maior flexibilização para determinar a trajetória de correção.
Vão realizar-se este ano mais umas eleições europeias, a 9 de junho em Portugal, e um dos temas que tem estado em destaque são as novas regras orçamentais a que os Estados-membros estão sujeitos. As finanças nacionais continuam a estar limitadas pelas metas da dívida e do défice mas as restrições não são tão apertadas como já chegaram a ser.
“As restrições continuam a existir, mas ficaram mais fluidas“, explica o economista João César das Neves ao ECO. “Agora, na prática, os governos têm mais tempo para cumprir as exigências”, salienta, destacando que “como antes muitos (como Portugal) acabavam por não cumprir, estas modificações podem ser visto como introduzir um pouco de realismo em exigências que se mostravam artificiais”.
Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona, também aponta ao ECO que “esta reformulação vem tornar essas regras mais claras, flexíveis e também favoráveis ao investimento”, pelo que é “bem-vinda”. “Agora é claro que a sustentabilidade das finanças públicas continuará a ser uma preocupação, e a meu ver bem”, salienta.
As novas regras orçamentais entraram em vigor a 30 de abril e trazem uma flexibilização do quadro, que se torna mais adaptável à realidade de cada país, ainda que mantenha os limites de 3% do PIB para o défice e 60% para a dívida pública. A Comissão Europeia vai passar a negociar com os Estados-membros a trajetória das contas públicas para que seja mais fácil cumprir as regras, ao invés de limites iguais para todos.
Os governos vão também ter de entregar planos que tomam uma forma ligeiramente diferente dos Programas de Estabilidade que existiam até então. São planos orçamentais de médio prazo, que podem ser de quatro a sete anos, e contemplam os objetivos de cada país para a trajetória das finanças públicas e as medidas para o alcançar.
Estes vão ter de ser entregues até setembro deste ano, já que o Programa de Estabilidade já entregue em abril não seguia as novas regras e apenas foi necessário para Bruxelas tomar conhecimento da componente relativa à evolução do Plano de Recuperação e Resiliência.
O Parlamento Europeu também teve de dar “luz verde” a estas regras e foi responsável por algumas alterações, nomeadamente através do trabalho da eurodeputada portuguesa Margarida Marques enquanto relatora.
Os candidatos da AD e do PS defenderam as regras da governação económica, no debate na CNN, com Marta Temido a apontar que estas “são mais extensas no tempo, têm maior intervenção dos parlamentos nacionais”. Já Sebastião Bugalho salientou que as regras dão maior flexibilidade aos governos dos países para executar as suas políticas públicas.
Por outro lado, a esquerda critica o quadro de governação económica, mesmo com as mudanças. João Oliveira, num dos debates de antecipação das europeias, defendeu que o regresso das regras orçamentais europeias vai dificultar o processo de transição verde. Para o candidato comunista, “o Pacto de Estabilidade, está transformado num Pacto de Austeridade”, devido ao “grau de controlo” dos orçamentos nacionais por Bruxelas. “Já pouco se distingue dos tempos da troika”, reiterou.
César das Neves contraria esta ideia, apontando que “desde que foram estabelecidas, no nascimento do euro, as regras têm sido sucessivamente aliviadas”. Na altura da troika, as limitações “eram maiores do que são agora, mas um pouco menores do que já tinham sido”, defende. “Aliás, se tivéssemos cumprido com essas limitações, a troika não teria vindo”, salienta.
Desta forma, apesar de existirem limitações ao espaço de manobra dos governos nacionais, os moldes serão, em princípio, mais adaptáveis a cada país e por isso mais fáceis de cumprir.
Além disso, como Portugal cumpre as regras do défice (ao prever saldos positivos nos próximos anos), deverá conseguir escapar ao controlo mais apertado. Na dívida pública, o país ainda fica acima do limite (já que em 2023 o rácio se terá fixado nos 99,1% do PIB, bem acima da meta de 60%).
O excedente de 0,3% do PIB que o Executivo estima para 2025, e que consta do Programa de Estabilidade, dá então margem para furar aquele limite imposto pela Comissão Europeia sem qualquer sanção, pelo menos enquanto o país conseguir manter o saldo positivo ou próximo do equilíbrio orçamental.
O economista Ricardo Ferraz destaca ainda uma “alteração importante: as despesas nacionais com o cofinanciamento de programas financiados pela União passam a estar excluídas do principal indicador de monitorização orçamental”. “Isto significa que essas despesas podem ser aumentadas sem que isso afete o cumprimento das regras orçamentais, o que certamente será importante para Portugal que, como sabemos, recebe um volume significativo de fundos”, argumenta.
Apesar disso, o Banco de Portugal alertou esta terça-feira para os “riscos associados a um cenário de maior incerteza na condução da política económica, no quadro de um novo modelo de regras orçamentais europeias“, no relatório de estabilidade financeira. Mário Centeno, na apresentação deste relatório, destacou que “vivemos 80% dos dias do século XXI até 2017 em procedimento por défice excessivo”.
O governador do banco central salientou ainda que as regras “passam a estar mais focadas na despesa, na componente cíclica e nos investimentos financiados com fundos europeus”, sendo que também “impõem limites ao crescimento da despesa e a Comissão Europeia, de forma bilateral, país a país, encontrará esse limite de crescimento”. Para Portugal, apesar de ter uma “trajetória de redução da dívida”, permanece acima de 60%, pelo que este “é o limite mais relevante”.
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