Sentados a ver a IA passar…

46% das pessoas pensam demitir-se. Querem aproveitar as oportunidades trazidas pela IA. Caso para dizer que, ou as empresas aceleram o passo ou arriscam a repetição de uma Grande Demissão.

É a palavra mágica que, mesmo em tempos de aperto da torneira de investimento do ecossistema de empreendedorismo, faz abrir os cordões à bolsa dos venture capital (VC). A nível global, o investimento em Inteligência Artificial (IA) atingiu 13,1 mil milhões de dólares nos primeiros três meses do ano, um disparo de 24% face ao trimestre anterior e 11% acima do investimento VC em termos gerais, aponta o “State of AI Q1’24 Report”, da CB Insights. Em média, as operações em IA rondaram os 23,1 milhões, 21% superior à média de 19,1 milhões assinalada no ano passado. E numa espécie de ‘abracadrabra’, os unicórnios IA continuam a descolar: em média, nascem seis por trimestre.

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Tudo parece indicar que os efeitos mágicos da IA continuarão a fazer-se sentir ao longo de 2024, com os investidores a apontarem esta como uma área hot, hot na hora de apostar as suas fichas. Nada que surpreenda muito. Desde a explosão do ChatGPT — que este mês lançou a versão 4o — a IA generativa (GenAI) tem estado nas bocas do mundo, com previsões de impacto significativos em setores de atividade que vão da indústria à saúde, passando pela educação.

Em Portugal, dois consórcios — um liderado pela Defined.ai, com 34,5 milhões; outro pela Unbabel, com 75 milhões — com financiamento do Programa de Recuperação e Resiliência querem tirar potencial desta tecnologia. O liderado por Daniela Braga quer otimizar “o atendimento ao cliente nos setores público e privado através de assistentes virtuais emparelhados com centros de contacto como um serviço em português europeu”, reduzindo custos e automatizando “80% das resoluções de apoio ao cliente”; já o liderado pela Unbabel de Vasco Pedro quer desenvolver 21 novos produtos de IA, criar 200 empregos e atribuir 132 mestrados e doutoramentos. A tradução automática de conteúdos clínicos, permitindo, por exemplo, acelerar os ensaios clínicos de uma vacina e a sua entrada no mercado, é um dos projetos que deverá sair deste consórcio envolvendo empresas como a BIAL ou a Sonae.

Tudo parece indicar que os efeitos mágicos da IA continuarão a fazer-se sentir ao longo de 2024, com os investidores a apontarem esta como uma área hot, hot na hora de apostar as suas fichas.

Sinal de dinamismo nesse campo no ecossistema é também a confirmação da Unicorn Factory Lisboa de que, até ao final do ano, deverá nascer em Alvalade um novo hub temático dedicado exclusivamente a esta nova tecnologia, o mesmo que irá acolher o AI Innovation Factory, da Microsoft em Portugal – em parceria com a Accenture e Avanade –, juntando-se aos de gaming e Web3 espalhados pela cidade. O objetivo é atrair startups e empresas a se instalarem e, com isso, ajudar a escalar o ecossistema nessa área, posicionando o país como um player nesse campo.

Com base nestes exemplos, até poderíamos achar que Portugal está em pleno passo acelerado para retirar o potencial máximo da IA que muitos antecipam ter um impacto significativo no mundo das empresas e do trabalho. O alerta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) no verão passado já dava conta da urgência dos empresários nacionais olharem (e agirem) para adaptar as suas organizações ao novo desafio: 30% dos trabalhos em Portugal deverão sofrer os efeitos da automatização gerada pela IA.

Daniel Traça sintetiza o momento. “Estamos numa altura em que a IA pode ter um impacto enorme em aumentar a performance das pessoas. E, portanto, é muito importante encorajar, na empresa e na escola, as pessoas a aprender a interagir e a aumentar a sua produtividade recorrendo a este tipo de ferramentas”, aponta o novo dean da espanhola Escola Superior de Administração e Direção de Empresas (ESADE) na entrevista que pode nesta última edição do ECO magazine.

Há outro número do “Work Trend Index” que dá que pensar: 46% das pessoas inquiridas pensam demitir-se já no próximo ano. Querem aproveitar as oportunidades trazidas pela IA. Caso para dizer que, ou as empresas aceleram o passo ou arriscam a repetição de um movimento de saída de talento com a magnitude da Grande Demissão do pós-pandemia.

Os números do mais recente “CEO Survey” da PwC, são, desse ponto de vista, um mini balde de água fria. “Em Portugal, a adoção desta tecnologia [GenAI] é ainda residual — 49% dos respondentes indica não a ter ainda integrado no seu negócio, e apenas 28% alteraram a sua estratégia tecnológica”, refere o inquérito que contou com a participação de 80 CEO em Portugal. Isto, embora, quase 70% dos líderes nacionais acredite que a GenAI irá permitir mudar como a tecnologia cria valor nas suas operações.

E não estão sozinhos nessa avaliação: 79% dos líderes inquiridos pelo último “Work Trend Index” da Microsoft concordam que a adoção da IA é fundamental para as organizações se manterem competitivas. Em contrapartida, outros 60% temem que a sua empresa não tenha uma visão e um plano para implementá-la, aponta o estudo feito junto a mais de 31 mil pessoas em 31 países e com uma pesquisa junto de empresas Fortune 500.

Outros dados deveriam convidar as lideranças a aumentar o ritmo. Dois terços dos gestores querem contratar pessoas com estas competências e mais de metade (55%) está preocupado com a falta de talento disponível; mas apenas 39% dos colaboradores está a receber formação em IA da sua empresa.

Há outro número do “Work Trend Index” que dá que pensar: 46% das pessoas inquiridas pensam demitir-se já no próximo ano. Querem aproveitar as oportunidades trazidas pela IA. Caso para dizer que, ou as empresas aceleram o passo ou arriscam a repetição de um movimento de saída de talento com a magnitude da Grande Demissão do pós-pandemia. Não parece haver muito tempo para estar sentado a ver a IA passar.

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