Do investimento na Defesa ao alargamento, os temas que vão marcar a próxima legislatura na UE
A invasão russa da Ucrânia mudou as prioridades políticas da União Europeia ao longo dos últimos anos, colocando na agenda o investimento na Defesa e Segurança e um novo alargamento das fronteiras.
Há cinco anos, o Brexit, o clima, o desemprego, a paridade e o asilo marcavam as propostas ambiciosas da então recém-nomeada presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Uma pandemia, duas guerras (ainda em curso) às portas da Europa e uma (consequente) crise económica e energética depois, as prioridades políticas da próxima legislatura em Estrasburgo e no Berlaymont serão diferentes, juntando tópicos como o investimento na indústria de Defesa e o alargamento da União Europeia (UE) à imigração e às alterações climáticas.
Depois de uma gestão da pandemia de Covid-19 vista como um sucesso – embora não livre de polémicas –, a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, foi a premissa para a mudança de foco da presidente da Comissão Europeia, que, na conferência de imprensa em que confirmou a candidatura a spitzenkandidat pelo Partido Popular Europeu (PPE), assumiu a segurança como “um dos principais tópicos” do seu programa eleitoral.
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Von der Leyen sugeriu, aliás, criar uma pasta dedicada à área da Defesa na Comissão Europeia, e o tema é igualmente enfatizado nos programas dos outros dois maiores grupos políticos do Parlamento Europeu, designadamente os Socialistas & Democratas (S&D) e os liberais do Renovar Europa, bem como por vários chefes de Estado e de governo dos Estados-membros.
Adicionalmente, a questão surge no topo das preocupações dos cidadãos da UE. De acordo com o último Eurobarómetro, publicado na semana passada, mais de três quartos dos cidadãos da UE (77%) são a favor de “uma política de defesa e de segurança comum” entre os 27 Estados-membros, além de que 71% consideram que o bloco comunitário “devia reforçar a sua capacidade de produção de equipamentos militares” e, para 35%, a guerra na Ucrânia, país que Bruxelas tem apoiado desde o primeiro momento, é a principal preocupação.
A importância da política de Defesa e Segurança da UE ganha outra dimensão perante um eventual regresso de Donald Trump à Casa Branca após as eleições presidenciais norte-americanas. A concretizar-se este cenário, a aliança militar dos EUA com os restantes países da NATO fica sob ameaça, tendo em conta que o candidato republicano afirmou, durante um comício em fevereiro, que “encorajaria” a Rússia a atacar os membros da organização que não cumprissem a meta de despesa definida, fixada em 2% do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país.
É neste contexto que um número crescente de países tem anunciado que vai começar a cumprir o compromisso de despesa estabelecido no âmbito da NATO e que, a poucos meses de terminar o atual mandato, o Executivo comunitário propôs um Programa Europeu para a Indústria de Defesa, dotado de 1,5 mil milhões de euros numa fase inicial, reforçando assim a relevância que o tema terá ao longo dos próximos cinco anos em Bruxelas.
Alargamento põe em cima da mesa revisão dos tratados
Além da política de Defesa e Segurança, a invasão russa da Ucrânia tornou premente o alargamento da UE, conferindo-lhe uma dimensão geopolítica que não tinha até então. Porém, “alargar” o bloco comunitário é fonte de discórdia há muito tempo, já que a entrada de um país na UE implica, entre outras coisas, mudanças na influência de cada Estado-membro nas instituições europeias — tanto que a última adesão ocorreu em 2013, com a Croácia.
Sobretudo a partir da queda do Muro de Berlim e o subsequente colapso da União Soviética, a União Europeia começou a expandir-se para leste e a invasão da Rússia à Ucrânia aponta para que esta tendência se mantenha. Por isso mesmo o Conselho Europeu decidiu, em dezembro passado, iniciar as negociações formais de adesão da Ucrânia e da Moldova – ano e meio depois de se tornarem países candidatos – e conceder à Geórgia, que partilha fronteiras com a Rússia, o estatuto de país candidato à UE.
No entanto, ainda que os líderes das instituições europeias “atirem” o horizonte de um novo alargamento para 2030, afigura-se como uma utopia face aos diversos desafios que os atuais dez países candidatos têm de superar para a adesão ao bloco comunitário — além das diferenças económicas entre o Leste e a Europa Ocidental, o cumprimento do conjunto de leis, direitos e obrigações comuns que unem todos os Estados-membros da UE e os litígios territoriais e diplomáticos por resolver.
Outras barreiras que se colocam à adesão desses países incluem a Política Agrícola Comum (PAC), pois a entrada na UE de países economicamente dependentes da agricultura (como é o caso da Ucrânia) obrigaria a uma revisão das regras de aplicação dos apoios, e a consequente necessidade de aumento do orçamento comunitário.
Acresce que, perante um novo alargamento, será preciso fazer uma reforma institucional. A revisão dos tratados da União Europeia – para abranger, por exemplo, mais competências nas áreas da saúde ou da educação – precisa de reunir consenso entre os Estados-membros. O fim desta regra da unanimidade é, aliás, um dos motivos que reúne defensores da revisão dos tratados. Mas se a unanimidade dificulta o entendimento, no voto por maioria haverá sempre países a impor a sua vontade a outros.
Novo pacto mantém imigração nas prioridades da UE
A crise migratória e de refugiados de 2015, que expôs as fragilidades e deficiências do Sistema Europeu Comum de Asilo, colocou a imigração na agenda política da União Europeia. Passaram cinco anos até o Executivo comunitário propor um novo Pacto em matéria de Migração e Asilo e mais quatro anos de discussões até a reforma receber a “luz verde” final do Parlamento Europeu e do Conselho.
A demora até chegar a acordo mostra como a política migratória é uma permanente fonte de tensão entre os 27 países do bloco comunitário. E, a somar a este novo pacto, que contempla todos os aspetos desde o momento em que um requerente de asilo pisa território da UE –, Bruxelas tem assinado acordos com países terceiros, como a Tunísia, a Mauritânia e o Egito, para travar os fluxos de migrantes.
Organizações como a Médicos Sem Fronteiras (MSF), Save the Children ou a Amnistia Internacional têm criticado a reforma, aprovada já no final da legislatura. Contudo, os líderes das instituições europeias são os primeiros a admitir que esta não resolve todos os problemas do que chamam de “imigração ilegal”.
Só em 2023, a UE recebeu 1,14 milhões de pedidos de proteção internacional, o número mais elevado dos últimos sete anos, e registou um aumento de quase 20% das passagens irregulares de fronteiras, para 380 mil, metade das quais através da rota central do Mar Mediterrâneo. Atraídos pela posição geográfica e a reputação de continente estável e aberto, a Europa continuará a ser vista como um lugar seguro para requerentes de asilo e migrantes, em fuga a conflitos internos e internacionais, às alterações climáticas e à pobreza global, pelo que tão cedo a questão sairá da lista de prioridades das instituições da UE.
Pacto Ecológico em risco com novos apoios aos agricultores
O “momento do homem na lua” da União Europeia: foi assim que Ursula von der Leyen apelidou o lançamento do Pacto Ecológico Europeu, uma das grandes bandeiras do seu (primeiro?) mandato à frente da Comissão. Mas, embora tenha prometido manter na agenda os “grandes temas”, o clima quase não foi mencionado pela alemã quando anunciou a sua candidatura a spitzenkandidat pelo PPE.
Não surpreende que o também conhecido como Pacto Verde tenha perdido a relevância que assumia em 2019 para Ursula von der Leyen se se tiver em conta, em particular, a revisão da nova Política Agrícola Comum. A proposta fora apresentada pelo Executivo comunitário em março, sob pressão da vaga de protestos dos agricultores (que, entre outras coisas, contestavam o que consideram ser uma regulamentação excessiva, a concorrência desleal de alguns mercados externos e a quebra de rendimentos face à subida da inflação e dos preços da energia).
As medidas aprovadas pelos eurodeputados na última sessão da legislatura, em 24 de abril, preveem, por exemplo, maior flexibilidade para os Estados-membros isentarem os agricultores de regras ambientais — no que toca aos solos, à rotação de culturas e ao pousio dos terrenos — em caso de problemas na aplicação dos apoios da PAC ou de condições climáticas extremas.
Face à continuação das manifestações do setor agrícola em parte da UE – com um novo protesto já marcado para 4 de junho, dias antes das eleições europeias – e ao apelo de organizações ambientalistas pelo reforço do Pacto Ecológico Europeu, os dois temas prometem, pelo menos, manter-se na agenda durante o próximo ciclo legislativo.
Conclusão da União Bancária?
A crise financeira de 2008 e a subsequente crise da dívida soberana na Zona Euro evidenciaram a necessidade de uma melhor regulamentação e supervisão do setor financeiro da UE. A resposta nasceu em 2014, com a criação da União Bancária, que veio estabelecer um “conjunto único de regras” através de requisitos de fundos próprios para os bancos e de regulamentação para a prevenção e gestão das situações de insolvência bancária, assegurando a proteção dos consumidores.
Concluídos os passos que criaram o Mecanismo Único de Supervisão, que avalia a saúde financeira dos bancos, e o Mecanismo Único de Resolução, de forma a que um banco que tenha dificuldades possa eventualmente ser resolvido, mas sem recurso ao dinheiro dos contribuintes, está por implementar uma última componente: o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos (SEGD).
Atualmente, as normas europeias ditam que só os depósitos até 100 mil euros estão protegidos em caso de falência de um banco, mas mesmo esta proteção é garantida apenas no seio de cada Estado-membro. O SEGD serviria, assim, como uma segurança a nível europeu para demover os clientes de determinado banco de levantarem as suas poupanças em períodos de “stress financeiro”.
Trata-se de um dossiê que tem encontrado alguma resistência por parte de alguns países, em particular do norte da Europa, mas deverá ter desenvolvimentos nos próximos cinco anos, em que a crise de habitação, a inflação elevada e as altas taxas de juro e a modernização do mercado de trabalho deverão igualmente ser temas a ter em conta nas decisões que saírem de Bruxelas.
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