Juros elevados e tensões geopolíticas ameaçam estabilidade da economia, alerta Banco de Portugal

As tensões geopolíticas na Ucrânia e no Médio Oriente e um período longo de taxas de juro elevadas são as vulnerabilidades a que está exposta a economia nacional, avisa o Banco de Portugal.

No mais recente Relatório de Estabilidade Financeira (REF) do Banco de Portugal, divulgado esta terça-feira, a entidade liderada por Mário Centeno destaca várias dimensões que podem impactar a robustez do sistema financeiro português, mas centra grande parte nas tensões geopolíticas que se fazem sentir.

“Os riscos para a estabilidade financeira decorrem, em larga medida, das consequências que as tensões geopolíticas e o prolongamento da restritividade das condições monetárias possam ter na atividade económica”, assim como “o novo ciclo político em países relevantes”, lê-se no REF.

Apesar de reconhecer que, “no último semestre, observou-se uma redução das vulnerabilidades, em resultado da melhoria das condições económicas”, o Banco de Portugal assinala que a estabilidade financeira global permanece vulnerável aos conflitos militares na Ucrânia e no Médio Oriente, que continuam a afetar os fluxos de comércio e a atividade económica global. Estes conflitos elevam o risco de “fragmentação económica e financeira a nível mundial, potencialmente dificultando uma re-globalização inclusiva”.

Apesar de não haver evidências de uma acumulação de vulnerabilidades significativas no setor financeiro português, o país não está imune a riscos de contágio provenientes do setor financeiro não bancário na área do euro.

Relatório de Estabilidade Financeira de maio do Banco de Portugal

Além disso, o relatório alerta para o impacto negativo potencial do ajustamento do mercado imobiliário na China, que “possa ter impacto negativo mais pronunciado na sua economia, com repercussões para a economia global.”

A persistência de condições monetárias restritivas em várias economias também é destacada pelos técnicos do Banco de Portugal como um fator de risco, uma vez que pode prolongar o impacto adverso nas condições económico-financeiras globais.

Em Portugal, a entidade liderada por Mário Centeno refere que o ambiente de taxas de juro elevadas tem contribuído para a redução dos incentivos à tomada excessiva de risco, diminuindo assim os riscos e as vulnerabilidades.

Contudo, o REF destaca que a manutenção destas taxas por um período mais prolongado do que o esperado e um ritmo não antecipado de retirada das medidas de política monetária não convencionais podem aumentar a volatilidade nos mercados financeiros e o risco de crédito, afetando negativamente as carteiras de ativos dos intermediários financeiros.

Além disso, no decorrer da apresentação do REF à imprensa, Clara Raposo, administradora do Banco de Portugal, refere que a nível nacional, o maior risco para a estabilidade da economia nacional centra-se “na maior incerteza no processo de decisão política, no quadro de um novo modelo de regras orçamentais europeias, que colocarão novos desafios à condução da política orçamental.”

O relatório salienta também que, apesar de não haver evidências de uma acumulação de vulnerabilidades significativas no setor financeiro português, o país não está imune a riscos de contágio provenientes do setor financeiro não bancário na área do euro.

Todavia, o Banco de Portugal salienta que o setor bancário nacional tem mostrado melhorias na sua situação financeira, com aumentos nos níveis de capital, liquidez e rendibilidade, refletindo um “quadro de liquidez robusto”, tendo com isso funcionado como “uma fonte de estabilidade, contribuindo para garantir a regularidade do financiamento da economia.”

O Banco de Portugal revela, por exemplo, que a banca apresentou em 2023:

  • Uma subida do nível de rendibilidade do ativo de 1,28% em 2023 face a 0,69% em 2022, “com reflexo positivo nos rácios de capital”;
  • Um aumento dos rácios de fundos próprios totais e de fundos próprios principais de nível 1 (CET1) em 1,5 e 1,7 pontos percentuais, respetivamente, situando-se no final do ano passado em 19,6% e 17,1%;
  • Os indicadores de liquidez permaneceram elevados e acima dos níveis de 2022, com o rácio de cobertura de liquidez (LCR) a chegar aos 255% e o rácio de financiamento estável líquido (NSFR) aos 151%.

Qualidade de crédito e exposição ao mercado imobiliário

A qualidade do crédito no setor bancário português levanta alguma preocupação, especialmente num cenário de possíveis condições económicas adversas que poderiam levar a um aumento do desemprego e a uma consequente deterioração da qualidade do crédito.

“De forma transversal às principais instituições, o rácio de empréstimos a particulares em stage 2 aumentou 2,2 pontos percentuais para 10,4% [maioritariamente a taxa variável], revelando a vulnerabilidade das famílias de menores rendimentos perante condições monetárias mais restritivas”, destaca o Banco de Portugal.

Embora o rácio de non-performing loans (NPL) tenha continuado a diminuir, tendo passado de 3% para 2,7% em 2023, o aumento dos empréstimos em stage 2 é um sinal de alerta, considera o regulador. Este incremento “reflete um aumento do risco de crédito associado ao maior peso do serviço da dívida no rendimento das famílias mais vulneráveis.”

Para mitigar os riscos identificados, o Banco de Portugal tem adotado uma política macroprudencial preventiva. A introdução da reserva contracíclica de fundos próprios (CCyB) e da reserva para risco sistémico setorial (SyRB setorial) são exemplos de instrumentos utilizados para aumentar a resiliência do sistema financeiro a choques inesperados, detalha o regulador no relatório.

Em novembro de 2023, por exemplo, o Banco de Portugal anunciou um SyRB setorial para exposições garantidas por imóveis residenciais, que entrará em vigor em outubro de 2024, com vista a reforçar a preparação das instituições financeiras para enfrentar potenciais riscos sistémicos no mercado imobiliário.

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