Empresa da Azambuja constrói fábrica de cápsulas de café no Brasil
Liderada por Ricardo Flores, a Mocoffee está a montar uma fábrica de quatro milhões num país que “não é para amadores” e prepara expansão na Azambuja, onde produz 350 milhões de cápsulas de café.
A Mocoffee da Azambuja, fundada há 33 anos pelo inventor da cápsula monodose de café e primeiro CEO da Nespresso, e atualmente controlada e liderada pelo português Ricardo Flores, está a montar uma fábrica de cápsulas de café no Brasil. Já em construção no Porto Seco de Varginha, no sul de Minas Gerais, esta nova unidade industrial representa um investimento de 20 milhões de reais (cerca de 4 milhões de euros) e vai estar em funcionamento até ao final de 2024, com uma capacidade inicial para produzir 100 milhões de cápsulas por ano.
“O Brasil é o segundo maior consumidor de café no mundo, a seguir aos EUA, e não tem uma única empresa de café 100% focada em cápsulas e no private label. Identificámos essa lacuna de mercado, até porque servimos muitos clientes brasileiros a partir de Portugal. Então, decidimos fazer no Brasil uma réplica da fábrica da Azambuja, com o mesmo tipo de equipamento, de tecnologias e de fornecedores, para abastecer o mercado local”, adianta ao ECO o presidente executivo da Mocoffee, que tem como sócia a família brasileira Opitz.
Questionado sobre as condições para o sucesso no Brasil, Ricardo Flores lembra que tem residência no país desde 2008 e que “os 20 ou 30 casos que [conhece] de empresas portuguesas falharam todas pelos mesmos motivos”. “O Brasil não é para amadores. Ou conhece bem o mercado e está enraizado lá… [pausa] Sei como se comporta o brasileiro. Achamos que, por falarmos a mesma língua, é tudo igual. É esse o grande problema: se não falássemos a mesma língua era mais fácil entendermo-nos. Culturalmente, nos negócios, o Brasil é muito, muito distante de Portugal. O outro problema é a dimensão do mercado”, responde.
O Brasil não é para amadores. Achamos que, por falarmos a mesma língua, é tudo igual. É esse o grande problema: se não falássemos a mesma língua era mais fácil entendermo-nos. Culturalmente, nos negócios, o Brasil é muito, muito distante de Portugal.
A Mocoffee compra, torra, mói e coloca o café dentro de cápsulas, que entrega aos clientes para que distribuam com a marca deles. Com atuação no mercado B2B (Business to Business) e sempre em regime de private label, produz cápsulas compatíveis com as máquinas que estão no mercado, como a Nespresso; e tem também um sistema próprio, que inclui um equipamento de extração e para o qual fornece as cápsulas, que vende em países como França, Suíça, Indonésia ou Austrália. E mantém ainda o negócio original da empresa de origem suíça, quando a maioria das receitas provinha de royalties. Estima que, em 2023, mais de dois mil milhões de monodoses de café foram produzidas com recurso a tecnologia desenvolvida e patenteada pela Mocoffee.
“Na verdade, a cápsula não é uma embalagem, é um processo. Este negócio tem mais uma componente de tecnologia do que de produção clássica de café — e o equipamento [industrial] é muito caro. Por isso vemos que a cápsula [original] da Nespresso sempre funciona e depois outras [compatíveis] não funcionam tão bem em termos de consistência do produto. A maioria das próprias marcas de café não faz [cápsulas] e recorre a empresas terceirizadas, que são especialistas nesse processo. Os nossos clientes são retalhistas que têm a sua própria marca ou marcas de café que não têm este tipo de tecnologia”, resume.
A fábrica da Azambuja (distrito de Lisboa), em funcionamento desde agosto de 2022 e que desde outubro de 2023 concentra 100% da produção, ocupa uma área total de 4.050 metros quadrados que, além da produção, inclui os departamentos de investigação, logística e comercial. Com sede em Portugal e subsidiárias na Suíça, no Reino Unido e no Brasil, em 2025 vai começar por expandir o número de turnos e chegar aos 50 trabalhadores. Para os próximos quatro anos tem planeado um investimento de 7,5 milhões de euros, que aumentará a capacidade de produção anual dos atuais 350 milhões para perto de 520 milhões de cápsulas.
Numa primeira fase, em dois anos, vai aumentar a capacidade de logística com um novo edifício de 1,5 milhões. Outros 5 milhões serão aplicados no crescimento das linhas de produção, com Ricardo Flores a contar que está “neste momento a negociar os dois terrenos” ao lado da fábrica – num deles diz que o acordo já está “bem próximo” de ser alcançado – e que já tem um estudo prévio para este projeto de expansão à espera de aprovação na Câmara Municipal. “O consumo de café em monodose continua a crescer. Não vemos razão nenhuma para não continuar a investir e a expandir o parque industrial”, justifica o gestor.
Segundo os dados da consultora Informa D&B, consultados pelo ECO, a sociedade Mocoffee Europe registou em 2022 lucros de 1,08 milhões de euros e vendas de 5,5 milhões de euros. A faturação cresceu 25% no último exercício, aponta Ricardo Flores, com o mercado interno a pesar à volta de 15%. Em Portugal, onde os estudos apontam para que mais de 60% dos lares já tenham uma máquina de café expresso em cápsulas, os maiores clientes são a Sonae – fabrica a cápsula de alumínio da marca Continente Seleção, a mais cara da prateleira – e a Massimo Zanetti Beverage Ibéria, que detém as marcas Nicola e Chave D’Ouro.
Reclamando o estatuto de empresa de private label de cápsulas mais antiga do mundo, a Mocoffee opera atualmente em 22 países. Os mais valiosos são a Suíça e a Indonésia, em que diz ser líder no mercado B2B. Segue-se o Brasil, que “rapidamente” vai subir de posição com a construção da fábrica e onde tem um escritório comercial (São Paulo) e vislumbra “um mar de crescimento pela frente” – até porque a taxa de penetração das cápsulas ainda ronda apenas os 8%. O Médio Oriente é outra geografia na mira da empresa, que acaba de abrir portas no DMCC – Dubai Multi Commodities Centre.
Da Delta à fábrica montada na pandemia
Mas, afinal, como é que uma empresa multinacional com ADN suíço, criada na altura com o nome de Monodor por Eric Favre, que revolucionou a maneira como hoje se bebe café em todo o mundo, veio parar às mãos de um português? Curiosamente, tudo começou no Brasil, onde está agora a montar uma fábrica, e para onde se mudou em 2008 para, na altura, abrir o primeiro escritório direto da Delta Q no Brasil.
Em 2011, Ricardo Flores foi recrutado como diretor de marketing e vendas pela Wine, então um startup brasileira de e-commerce de vinhos com apenas oito pessoas e que, volvidos três anos, já conta com 400 funcionários e “alguma dimensão”, decidiu adquirir outros negócios. Começou por comprar duas empresas de cerveja artesanal e foi então à procura de uma empresa de café. Nessa altura, a pensar na reforma, Eric Favre tinha colocado a Mocoffee à venda e em dezembro de 2014 completou-se a transação. Inicialmente, a maioria do capital foi comprada pela Wine e Ricardo Flores ficou com uma participação de 10%.
“A empresa tinha um gestor suíço, a sede estava em Zurique e era basicamente uma empresa de desenvolvimento de patentes e de compra e venda de produto. Tinha uma fábrica parceira em Itália, onde produzia, e depois distribuía no mercado suíço e francês. Até que em 2015 houve a crise com a saída da Dilma e a Wine decidiu vender todos os negócios que não eram vinho porque tudo era importado, o dólar descolou do real e era preciso realizar capital para aumentar fluxo de caixa”, recorda o gestor.
Foi então que decidiu comprar a maioria do capital da Mocoffee através de um Management Buy Out (MBO) e, com o apoio de outro investidor, finalizou o programa de compra em setembro de 2018. Dois anos antes já tinha aberto um escritório de backoffice em Lisboa, onde colocou as funções de apoio logístico, informática e financeiras que estavam na Suíça. Já com a posição de controlo, decidiu trazer a empresa toda para Portugal, à exceção da parte comercial, que continuou em território helvético, e montar também uma fábrica em Portugal.
“Começámos esse processo em 2019. Encontrámos a localização, comprámos o edifício, começámos as obras, comprámos o equipamento e… veio a Covid. Passámos a parte difícil da pandemia a tentar implementar uma fábrica nova em Portugal, o que atrasou a abertura para agosto de 2022. Desde aí temos transferido toda a produção para Portugal. Porque sou português e é ainda, apesar de todas as dificuldades e desafios, um lugar em que se pode investir. E porque precisamos de mais indústria e custa-me ver que não haja mais investimentos industriais no país. A sede está cá e pagamos os impostos em Portugal. Não somos o género de empresa que vai consolidar contas à Holanda”, frisa Ricardo Flores.
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