BRANDS' ADVOCATUS Uma Justiça justa
Filipe Lobo d’Avila, Advogado, Country Manager Rödl & Partner, partilha a sua opinião sobre a necessidade de a Justiça "descongestionar, diversificar, comunicar, informar e prestar contas".
A atratividade de um país como destino de investimentos, criação de emprego e riqueza é impulsionada por um sistema judicial independente, credível e eficiente.
Ao longo das últimas décadas assistimos a diferentes ensaios de reformas, pactos, acordos na área da Justiça, globalmente positivos, mas todos eles distantes de alcançar um sistema de justiça eficaz, que sirva cidadãos e empresas.
O poder político dos últimos anos preferiu reduzir a Justiça a uma espécie de parente pobre do sistema, entregue a responsáveis políticos cujo nome dificilmente recordamos sem um importante exercício de memória.
Muitos dos problemas subsistem e nunca, como hoje, existiram condições políticas para fazer o que é necessário. Com sentido de Estado, com diálogo democrático, mas com uma agenda clara e precisa. Se é bem verdade que a democracia portuguesa vive espartilhada, sem maiorias, a verdade é que nunca como hoje existiu um denominador comum para a resolução dos problemas na Justiça: nos Partidos, no Governo e nos Operadores Judiciários, sem os quais nada terá sucesso.
O primeiro dos problemas não é novo e irrita todos aqueles que têm que lidar com ele: a morosidade e o congestionamento em todas as jurisdições. A taxa de resolução que mede a capacidade de resposta dos Tribunais Portugueses mostra que nos últimos 10 anos, para cobrar uma dívida, estivemos sempre acima dos 110%, quando não ultrapassamos os 190%. Ou seja, os Tribunais portugueses nunca conseguiram dar resposta ao nível da entrada de novos processos. Por outro lado, o prazo médio de resolução dos litígios melhorou, mas continua superior a 750 dias; ou seja, a mais de dois anos.
É óbvio que uma Justiça lenta está longe de ser uma Justiça Justa. Não basta reformar, é preciso iniciar um profundo processo de transformação, de gestão, de procedimentos, de performances – não temos que ter receio nas palavras -, de avaliação de desempenhos.
Por outro lado, o problema não reside na falta ou má qualidade da legislação. Só nas últimas legislaturas assistimos à alteração profunda das leis processuais civis, penais, administrativas e laborais. Ao invés, é necessário repensar se o atual modelo de governança e gestão dos Tribunais é o mais adequado e se é o que melhor responde às novas exigências.
Descongestionar os Tribunais passa por melhor gestão, por métricas de prestação de contas, mas também por desjudicializar através da diversificação das respostas.
Os meios alternativos hoje existentes foram quase todos criados até ao ano de 2009 (veja-se o exemplo do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativo, na altura criado por um Governo Socialista, e que ainda hoje é referência de resolução rápida de litígios fiscais com a Autoridade Tributária), tendo sido posteriormente menorizados e largados ao esquecimento (não fosse a resiliência de muitos desses centros institucionalizados, sistemas de mediação e arbitragem, dos próprios operadores e dos cidadãos mais conhecedores das suas mais valias).
Surpreendentemente ou não, o atual Governo aprovou a plataforma RAL+, dando sequência a algo que estava já pensado há vinte anos, mas era bom que fosse mais além: em algumas comarcas piloto poderia e deveria pensar-se na implementação de modelos experimentais baseados nos Tribunais multi-door. Se dizemos que pensamos nas pessoas nada melhor do que permitir ao juiz o encaminhamento do caso concreto, por acordo das partes, para a “porta” de resolução mais adequada à composição desse juízo, mesmo que isso pudesse significar a introdução de mecanismos “obrigatórios” de mediação nos Tribunais Judiciais.
Mas uma Justiça Justa é também uma justiça que saiba comunicar, de forma transparente e direta com os cidadãos. Uma Justiça que seja inteligível e que não omita informação relevante.
A criação de um Portal da Justiça, de acesso livre, onde constem as informações mais relevantes, incluindo a publicação de todas as decisões dos tribunais de primeira instância, bem como os de recurso (nas mais diversas jurisdições, incluindo a Penal); de todos os atos legislativos que vão sendo publicados, independentemente da sua origem (Assembleia da República, Governo, Ministérios), da organização judiciária, da atividade dos Conselhos Superiores da Magistratura, do Ministério Público, das Ordens Profissionais, do Centro de Estudos Judiciários, etc. seria naturalmente bem recebida por todos. A bem da transparência, da prestação de contas e da justiça aberta que todos queremos que exista.
Os tempos recentes convocam-nos a todos.
Não podemos ter cidadãos a ser julgados e condenados na praça pública, sem pronúncias, sem acusações ou mesmo sem quaisquer imputações depois de detidos em direto nas televisões. Cada um dos visados ainda não sabe o que existe no processo criminal contra si e já está condenado na praça pública, sem contraditório e sem igualdade de armas.
Esta ideia é insuportável para um Estado que se quer de Direito.
O princípio da irresponsabilidade tem que significar igualmente máxima responsabilidade de todos os intervenientes e, quando necessário, uma clarificação inteligível do sucedido.
A notícia do arquivamento, da não pronúncia ou da absolvição é uma mera nota de rodapé quando comparada com a espetacularidade das detenções, dos primeiros interrogatórios ou das notícias iniciais. E isto é insuportável para quem acredita na presunção da inocência e no funcionamento imparcial e independente dos Tribunais.
Em suma, é necessário avaliar resultados, identificar ineficiências, introduzir critérios de gestão e adotar no âmbito da Administração da Justiça o conceito da prestação de contas, com uma comunicação acessível e inteligível.
Descongestionar, diversificar, comunicar, informar e prestar contas. Cinco simples verbos que poderiam ser cinco simples motes para a ação do novo Governo na área da Justiça.
Filipe Lobo d’Avila, Advogado, Country Manager Rödl & Partner
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