“Há confiança que a inflação não deverá disparar de novo”, mas pode ainda subir

O BCE acertou nas previsões nos últimos meses e ganhou confiança para cortar as taxas. A inflação não deverá disparar de novo, mas poderá subir, o que provoca cautela nos mercados, diz Ricardo Reis.

O Banco Central Europeu (BCE) reagiu com atraso à subida da inflação na Zona Euro, assumiu o erro e aumentou as taxas de juro, estando agora a colher os resultados com o início de uma nova fase de normalização da política monetária, expressa no primeiro corte do custo do euro em quase cinco anos na passada quinta-feira.

Em entrevista ao ECO, o economista e professor do London School of Economics, Ricardo Reis, refere que o que aconteceu na passada quinta-feira “foi precisamente o iniciar desse terceiro capítulo, desta nova fase, daí [ser] importante para a vida das pessoas”.

Sublinha, no entanto, que apesar de o corte ter sido justificado pelo pontaria das previsões do BCE nos últimos meses, o facto de a inflação não ter descido nos últimos dois meses — em abril ficou inalterada nos 2,4% e em maio até subiu para 2,6% — está a levar a alguma cautela nos mercados.

“Há uma certa confiança de que já não estamos a entrar numa fase em que inflação volte a disparar“, diz o economista, mas alerta também que “ainda falta uma segurança de que não possamos ter a inflação a subir mais um pouco”

O BCE efetuou o primeiro corte nas taxas de juro na zona euro em quase cinco anos, numa decisão que era expectável. Numa visão geral, o que é que isto vai representar para os portugueses, para os bancos, para a Europa, para a economia?

Vamos recuar um pouco na história. Em 2021 e 2022, a inflação disparou e o BCE pouco ou nada fez. Não subiu as taxas de juro até junho de 2022. Foi, julgam a maior parte dos analistas, embora este obviamente seja ainda hoje discutido, um erro e contribuiu para que a inflação chegasse a um ponto mais alto e ficasse alta durante mais tempo do que se isso não tivesse sido feito. Desde 2022, tendo assumido em parte esse erro o BCE subiu as taxas de juro de uma forma extremamente agressiva, mais rápida da sua história.

Aí houve também o desenvolvimento da guerra na Ucrânia

Apesar da guerra na Ucrânia, mas subiu as taxas de juro de uma forma muito agressiva e estamos a ver agora — como acontece normalmente com um ou dois anos de atraso na política monetária — os bons frutos dessa política, com a quebra da inflação que já está de volta abaixo dos 3%. Entramos agora numa terceira fase, na qual, tendo em conta que a inflação já desceu e está próxima do alvo, é altura de normalizar a política monetária, no sentido de voltar às ações de juro a um nível que não ponha demasiado força para a inflação baixar, nem demasiado força para ela subir.

E, portanto, o que aconteceu na quinta-feira foi precisamente o iniciar desse terceiro capítulo, desta nova fase. É importante para a vida das pessoas porque isto implica que, por um lado, o banco central avalia que já estamos a entrar numa fase em que estamos agora a afinar a política monetária de modo a chegar exatamente aos 2%, ali entre os 2% e os 3%, vamos tentar chegar aos 2%, em primeiro lugar.

Em segundo lugar, no que respeita às taxas de juro, que neste momento a perspetiva do BCE é que as taxas de juros são para se manterem ou descerem. A discussão nos próximos 12 meses vai ser sempre no sentido de ou se manterem inalteradas ou começarem a descer. Portanto, em termos gerais, foi essa a notícia para as pessoas, para as empresas. Em primeiro lugar, que a inflação está mais ou menos controlada, um pouco acima do alvo; em segundo lugar, que daqui em diante as taxas de juro vão-se manter ou descer.

Na conferência de imprensa, Christine Lagarde mostrou bastante confiança. E os mercados e os economistas também olharam para o discurso como sinalizando mais um corte em setembro.

O Banco Central Europeu já há alguns meses que mostrava alguma confiança que deriva, em parte, como ela referiu no seu discurso, de as suas previsões nos últimos seis ou nove meses terem estado todas corretas.

Na reunião, o governador do Banco da Áustria, Robert Holzmann, fez questão de votar contra, o que é bastante raro no BCE, por não estar convencido. E de facto, nos dados, ainda falta uma segurança de que não possamos ter a inflação a subir mais um pouco.

Ricardo Reis

Economista, professor da London School of Economics

Mas houve um blip no mês passado, com a inflação a acelerar em maio.

Mas já nos últimos nove meses que as previsões do BCE têm estado todas basicamente no alvo. Não quer dizer que a inflação esteja nos 2% antes das previsões do que seria, estão mais ou menos onde deveria ser. E, precisamente que essas previsões são que a inflação estabilize nos 2% a 3%, levam a essa confiança que Christine Lagarde tentou transmitir. Ou seja, há uma certa confiança de que já não estamos a entrar numa fase em que inflação volte a disparar.

Por outro lado, a expectativa dos mercados no início do ano era que houvesse três cortes do BCE este ano, talvez quatro. Neste momento os mercados estão a prever só dois, no máximo três. Ou seja, até reagiram com alguma tendência para estar mais pessimistas. E mesmo a reação dos mercados foi de pouca mudança ou, se algo [mudou], até de achar que Christine Lagarde apontou ligeiramente para não haver mais cortes, até foi no sentido de menos cortes do que se achava antes.

E porquê? Porque nos últimos dois meses os números da inflação foram muito ligeiramente acima. Portanto, na reunião, o governador do Banco da Áustria, Robert Holzmann, fez questão de votar contra, o que é bastante raro no BCE, por não estar convencido. E de facto, nos dados, ainda falta uma segurança de que não possamos ter a inflação a subir mais um pouco. Portanto, a reação até ao anúncio, paradoxalmente, mas não, foi que, embora seja o primeiro corte, embora seja uma nova fase, devemos ver que nos mercados financeiros, até houve uma reação de não achar que a política monetária vai estar ligeiramente mais apertada, no sentido de que vai haver menos cortes até ao final do ano, no sentido de trazer a inflação para os 2%.

E agora vamos entrar num cenário pouco usual que é o BCE a cortar antes da Reserva Federal (Fed).

Não é necessariamente pouco usual, no sentido em que são zonas diferentes, que têm necessidades de política monetária diferentes e, portanto, não há, em princípio, nenhuma razão para um ser primeiro ou outro ser depois.

Agora, duas observações. Historicamente, têm sido o caso já há bastantes anos, que de facto acontece que o BCE acaba por ir na mesma direção da Fed uns meses depois, mas é uma coincidência histórica. Segunda observação, neste caso o que acontece é que a inflação na zona euro está abaixo da dos Estados Unidos e tem estado mais estavelmente abaixo do que nos Estados Unidos. Portanto, justificava-se perfeitamente que o BCE cortasse primeiro do que a Fed.

O economista Ricardo Reis em entrevista ao ECO - 22OUT21

E há aqui algum espaço, por exemplo, para os investidores beneficiarem disso nos próximos meses? O euro desceu, por exemplo.

O euro mal mexeu.

Mas a descida estava ‘priced in‘ e deve descer mais um bocadinho?

Talvez, não é óbvio que assim seja neste momento. Em relação ao desfasamento entre a Fed e o BCE, ele resulta de duas notícias diferentes. Em primeiro lugar, que a economia americana parece estar a um ritmo bastante mais acelerado do que a economia europeia. E, em segundo lugar, que a sua inflação está a revelar-se um pouco mais persistente que a europeia. Sobretudo o segundo é bastante ténue nos dados.

O primeiro contribuiria para o dólar ganhar valor e relação ao euro. O segundo contribuiria para perder, no sentido em que, enquanto a Reserva Federal mantém as taxas mais altas, isso contribui para o dólar ganhar valor. Regra geral, a taxa de câmbio tende a ser um pouco mais a taxa de crescimento do que a taxa de juro ou a inflação, e, portanto, talvez o dólar possa apreciar-se. Mas, novamente, o dólar e o euro sobem e descem. O BCE não tem um alvo para a taxa de câmbio, tem um alvo para a inflação. E o que é crucial é, focando-se nessa taxa alvo para a inflação, fixar uma taxa de juro que neste momento justificava-se plenamente cortar as taxas de juro, tendo em conta o nível da inflação.

  • Diogo Simões
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