Fornecimento de gás na UE e acessibilidade dos preços em risco, diz Tribunal de Contas Europeu
"Os consumidores não têm garantias de que, se houver uma falha grave [de fornecimento de gás] no futuro, os preços serão acessíveis para todos", alerta o TCE.
A União Europeia não está blindada contra uma eventual nova crise de fornecimento de gás, que é uma possibilidade em aberto, já que subsistem riscos no que diz respeito ao fornecimento, deteta o Tribunal de Contas Europeu. A acessibilidade dos preços pode também ser posta em causa. Em paralelo, o mesmo tribunal considera que muitas das medidas aplicadas na última crise não têm eficácia comprovada, como é o caso do tecto aos preços do gás ou da plataforma criada para a compra e venda deste combustível fóssil, a AggregateEU. No que diz respeito ao tecto imposto aos preços, a mesma entidade deteta inclusivamente riscos para o funcionamento do mercado.
“Não vivemos uma grande crise de escassez de gás. Isso significa que o fornecimento de gás na Europa é seguro? A resposta é não. Ainda há falhas no fornecimento de gás na Europa“, afirma João Leão, ex-ministro das Finanças português e membro do TCE. “Desafios importantes terão de ser endereçados para a União Europeia estar totalmente preparada para a próxima possível crise de gás“, alerta, numa conferência com jornalistas a propósito do relatório “Segurança do aprovisionamento de gás na UE”, lançado esta segunda-feira.
Os desafios, acrescentou, estão ligados a uma maior dependência de gás natural liquefeito e a conciliação do uso de energia carbónica com a descarbonização. Para já, o TCE regista um “progresso muito lento” no desenvolvimento de tecnologia de captura de carbono e armazenamento.
Na nota de imprensa que acompanha o relatório, João Leão realça ainda que “os consumidores não têm garantias de que, se houver uma falha grave no futuro, os preços serão acessíveis a todos“.
O relatório tem como objetivo analisar se as medidas de segurança do aprovisionamento de gás aplicadas pela União Europeia foram eficazes, de forma a contribuir para a evolução destas políticas e até para a descarbonização no Velho Continente.
“O impacto das medidas tomadas em resposta à utilização do gás como arma por parte da Rússia nem sempre é evidente. Além disso, a maior dependência da UE em relação ao gás natural liquefeito e a necessidade de descarbonizar parte do consumo de gás da União colocam novos desafios”, lê-se no relatório.
"Este novo panorama exige que, ao analisar a segurança do aprovisionamento de gás e estruturar a sua resposta, a UE dê maior peso à questão da acessibilidade dos preços, em paralelo com o seu trabalho pormenorizado sobre a disponibilidade.”
No final de 2023, a UE tinha conseguido diversificar o aprovisionamento de gás, reduzindo o proveniente da Rússia, e resistido à crise da acessibilidade dos preços, que estabilizaram num valor médio de cerca de 45 euros/MWh em 2023, ainda assim o dobro dos níveis anteriores à crise, enquadra o Tribunal.
Hoje, a União está mais dependente do gás natural liquefeito (GNL), um produto comercializado a nível mundial, “o que aumenta o risco de existirem preços estruturalmente mais elevados e de maior volatilidade devido à restritividade deste mercado”, regista o relatório. “Este novo panorama exige que, ao analisar a segurança do aprovisionamento de gás e estruturar a sua resposta, a UE dê maior peso à questão da acessibilidade dos preços, em paralelo com o seu trabalho pormenorizado sobre a disponibilidade”, remata.
TCE não vê prova de sucesso de muitas das medidas
O Tribunal constatou que algumas medidas avançadas pela UE em contexto de crise energética contribuíram para a segurança do aprovisionamento, apoiando a redução da procura ou assegurando um nível suficiente de gás armazenado. Por exemplo, o enchimento obrigatório das reservas “proporcionou certeza ao mercado, bem como garantias sobre a segurança do aprovisionamento num período de crise”, embora o TC ressalve que esta “não é uma alteração significativa” face ao cenário pré-crise.
Já “o impacto de outras medidas de resposta à crise (o limite máximo ao preço do gás, a agregação da procura e a coordenação dos contactos internacionais) não pode ser demonstrado”, contrapõe a mesma entidade. De acordo com o TCE, é difícil perceber o papel que tiveram outros fatores que mexem na equação do fornecimento, como os preços elevados do gás (que desincentivam a procura), a destruição da procura ou as condições meteorológicas amenas.
No caso da limitação aos preços grossistas do gás, os preços têm-se situado “muito abaixo” do tecto definido, “pelo que não é possível avaliar a eficácia do limite imposto, uma vez que não foi desencadeado até à data”. Além disso, “o Tribunal constatou que existem riscos associados à eventual ativação do limite do preço“, como a possibilidade de a negociação de gás deixar de ter lugar na UE caso os preços se aproximem do limite. Também podem existir consequências disso para “o bom funcionamento do mercado”, assinala.
No que toca a plataforma AggregateEU, o “Tribunal não conseguiu demonstrar o seu valor acrescentado em relação às plataformas de negociação existentes, nem encontrou uma falha do mercado que o AggregateEU colmatasse”. O facto de não ser possível aceder aos contratos firmados nesta plataforma também dificulta a análise. O TCE considera ainda que “a Comissão não está em condições de levar a cabo os seus esforços para, a montante, coordenar as ações e negociações da UE com os fornecedores externos, uma vez que não dispõe dos instrumentos e competências jurídicas para o fazer”.
TCE pede maior atenção aos preços do gás e melhor reporte e transparência
O relatório recomenda que a Comissão conclua o quadro da UE relativo à acessibilidade dos preços do gás. “A União tem de fortalecer o modo como garante que os preços do gás são acessíveis a todos“, salienta o TCE numa nota à imprensa.
O Tribunal sugere por exemplo que, na revisão do Regulamento Segurança do Aprovisionamento de Gás, seja incluída uma consideração relativa ao risco de acessibilidade dos preços, no âmbito das avaliações nacionais dos riscos. Os Planos Nacionais de Energia e Clima, por exemplo, também poderão ter como requisito a inclusão de informações sobre a acessibilidade dos preços. Recomendações estas que o TCE espera ver acatadas até 2025.
O TCE também vê necessidade de otimizar o processo de comunicação de informações sobre a segurança do aprovisionamento de gás pelos Estados-membros. Na ronda de comunicação de 2019, 18 Estados-membros não concluíram o processo de comunicação de informações nos planos preventivos e nos planos de emergência, e dois não enviaram quaisquer informações.
Assim, urge simplificar os requisitos de informação e agilizar o processo de elaboração e apresentação dos mesmos. A Comissão deve ainda facilitar o processo através da disponibilização de ferramentas digitais para a comunicação, entende o TC.
Em paralelo, o Tribunal sugere uma revisão da estrutura da cooperação regional, já que falta fechar ainda acordos de solidariedade, tanto a nível bilateral como através de um mecanismo à escala da UE. Clarificar as funções e responsabilidades das diversas partes é uma das sugestões, além de repensar a cooperação em função das mudanças no aprovisionamento da UE.
É ainda importante melhorar a transparência da execução dos projetos de interesse comum, acredita o TCE, que aponta que os efeitos dos projetos não são claros, o que dificulta a avaliação da taxa de execução dos projetos de interesse comum (PIC) e do respetivo valor acrescentado. “A Comissão não consegue apresentar uma visão global do resultado final dos 291 PIC de gás”, diz o TC, ao mesmo tempo que alerta que as mesmas falhas se poderão vir a verificar nos projetos de hidrogénio verde. Deve então ser melhorada a recolha e partilha de informação sobre estes projetos, entende o TCE.
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