Alargamento e defesa vão testar “hábil negociador” Costa em Bruxelas
Coordenar e negociar. Vão ser estas as principais tarefas de António Costa à frente do Conselho Europeu para enfrentar os desafios do alargamento a Leste e o investimento na defesa.
O cargo ‘nasceu’ com o Tratado de Lisboa e é precisamente da capital portuguesa que vai sair o seu próximo ocupante. Depois de as negociações entre as famílias políticas europeias terem resultado em acordo, António Costa tem via aberta para liderar o Conselho Europeu, faltando apenas ratificação na próxima reunião entre os líderes europeus a 27 e 28 de junho.
Criado em 1974 como fórum informal para diálogo entre os chefes de Estado ou de Governo dos Estados-membros, foi apenas no tratado negociado na zona oriental de Lisboa em 2007 que o Conselho Europeu foi formalmente reconhecido como uma instituição da União Europeia (UE), responsável por dar à União o “impulso necessário ao seu desenvolvimento” e por definir as suas “orientações e prioridades políticas gerais”.
Esse tratado, cuja concretização foi marcada na altura pela exclamação “Porreiro, pá!” de José Sócrates a Durão Barroso, alterou também o modelo de liderança do Conselho Europeu, que até essa altura era presidido (informalmente) pelo chefe de Estado ou Governo do país que tinha a presidência rotativa (a cada seis meses) do Conselho da Europa. No novo modelo, inaugurado pelo primeiro-ministro belga Herman Van Rompuy em 2009, o presidente do Conselho Europeu tem um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez.
“É um cargo muito importante na arquitetura das instituições europeias, fundamental numa altura em que a União Europeia enfrenta desafios vindos de partes diferentes,” diz Margarida Marques, eurodeputada socialista ao Parlamento Europeu no último mandato, ao ECO.
O alargamento da UE a leste será “uma prioridade e o Conselho Europeu tem consequência política e orçamental nesse processo”, adianta a socialista.
Margarida Marques, que foi também deputada em São Bento e secretária de Estado dos Assuntos Europeus, recorda que o Conselho Europeu tem uma palavra a dizer nos quadros financeiros plurianuais, o próximo dos quais será apresentado em junho de 2025 e que o mandato da Comissão nessa frente vem da recomendação do Conselho.
“Com o alargamento, a questão é de encontrar um compromisso que seja robusto e que permita beneficiar a entrada de novos membros sem prejudicar os existentes“, diz. “Há obviamente também a vertente política, estamos a falar não só da Ucrânia e da Moldova, mas também de vários outros países, nomeadamente dos Balcãs, que têm estatuto de candidatos”.
Na conjuntura atual da União Europeia, António Costa pode estar fadado a ter alguns problemas com os quais não contava, como o impacto das eleições legislativas em França, mesmo que Macron continue como presidente.
Defesa “vai marcar o mandato”
Com a guerra na Ucrânia sem fim à vista, “há também a dimensão da defesa, na qual a UE tem de fazer mais, na questão do orçamento mas também da criação de uma indústria”, explica Margarida Marques.
O Pacto Verde, as políticas industriais e agrícolas, bem como a estratégia digital são áreas que o Conselho Europeu não define, mas sobre os quais dá orientações.
O grande exemplo é o NextGeneration EU, que o Conselho Europeu mandatou a Comissão Europeia implementar para recuperar a economia do bloco depois da pandemia.
Para António Costa Pinto, professor jubilado e investigador de ciência política da Universidade de Lisboa, “na política externa será o desafio da defesa, serão essas decisões que irão marcar o mandato de António Costa no Conselho Europeu”.
O politólogo salienta, no entanto, que “na conjuntura atual da União Europeia, António Costa pode estar fadado a ter alguns problemas com os quais não contava”, apontando para o impacto das eleições legislativas em França, mesmo que Macron continue como presidente”.
António Costa Pinto relativiza a situação, contudo, recordando que a França tem regime presidencialista em que o presidente tem a decisão fundamental. “Portanto, caso o Rassemblement Nacional [partido de extrema-direita] tenha uma maioria absoluta e um primeiro-ministro, será uma situação complexa, mas não significa o desaparecimento de Macron, que é quem está no Conselho Europeu”.
Margarida Marques sublinha que há “uma pulverização da UE, interesses diferenciados de Estados diferentes, com maior peso da extrema-direita, que têm muitas posições adversas”.
Mas em relação à extrema-direita é preciso olhar para a situação no Parlamento Europeu, refere. “Mesmo mais um [eurodeputado] é mau, claro, e houve crescimento da extrema-direita, mas não foi o esperado, portanto o Partido Popular Europeu mais os Liberais e os socialistas em conjunto têm uma maioria absoluta e está assegurada a representação democrática”.
Quanto ao risco político em França, “há que ver os resultados, pois há três blocos – extrema-direita, o centro e extrema-esquerda – está tudo em aberto, vários cenários, nenhum deles melhor do que o atual, mas recordo que quem está no Conselho Europeu por França é Macron como chefe de Estado”.
António Costa nunca foi só mais um [no Conselho Europeu], foi alguém que procurou soluções, foi sempre muito ativo, por exemplo na luta pelo ‘não’ no referendo ao Brexit e depois, com mais sucesso, na criação do NextGenEU.
Porta-voz, coordenador, negociador
Para António Costa Pinto, o ex-primeiro-ministro português vai agora para um cargo que exige, sobretudo, “alguma capacidade de negociação e de coordenação, visto que o órgão central é o próprio Conselho com os seus membros ou a Comissão Europeia”.
O politólogo sublinha que António Costa “será, por um lado porta-voz, mas sobretudo um negociador, mas não vai tomar nenhuma decisão enquanto presidente do Conselho Europeu sobre política externa da União Europeia”.
“Convém ter em atenção que, acima de tudo, terá que ser um hábil negociador de uma decisão,” refere.
António Costa está preparado para as exigências do cargo? Costa Pinto e Margarida Marques respondem pela positiva.
“Essa é a grande vantagem de António Costa“, diz o politólogo. “É um político que nasceu no Partido Socialista, está na Juventude Socialista desde os 16 anos”.
Salienta que “a capacidade de um político conhecer 100% da sua família política europeia e metade da elite política europeia é muito significativa, não se trata apenas de ter sido primeiro-ministro oito anos, mas ter sido dirigente do Partido Socialista e da Internacional Socialista, secretário de Estado e ministro da Justiça e, finalmente, de ter participado no Conselho Europeu durante oito anos”.
Margarida Marques remata que, durante esse período, “António Costa nunca foi só mais um, foi alguém que procurou soluções, foi sempre muito ativo, por exemplo na luta pelo ‘não’ no referendo ao Brexit e depois, com mais sucesso, na criação do NextGenEU”, conclui.
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