Paul Donavan, economista-chefe do UBS Global Wealth Management, não antecipa que rácio da dívida volte a subir para os níveis de 2021, quando superou 134% do PIB.
No ano passado, pela primeira vez em 14 anos, Portugal foi capaz de apresentar um rácio da dívida face ao PIB abaixo da linha dos 100%. Este feito, aliado a uma política orçamental prudente e ao crescimento robusto do setor do turismo, tem consolidado a credibilidade do país no cenário internacional, defende Paul Donovan, economista-chefe do UBS Global Wealth Management.
Em entrevista ao ECO, Donovan destaca que Portugal, ao contrário de alguns dos seus vizinhos europeus, já não está no topo da lista de preocupações em termos de sustentabilidade da dívida. No entanto, a questão que se coloca é se esta tendência positiva pode ser mantida, especialmente com algumas das políticas que o Governo de Luís Montenegro pretende colocar em prática que levarão a um aumento significativo da despesa pública.
A incerteza sobre os próximos meses é também partilhada por Donovan relativamente à política monetária do Banco Central Europeu (BCE) e da Reserva Federal norte-americano (Fed).
O economista-chefe do banco suíço antevê que, “em setembro a Fed comece a cortar as taxas e que o BCE volte a cortar, estabelecendo um padrão claro de cortes.” Porém, Donovan ressalva que “os bancos centrais estão a criar incerteza desnecessária”.
Portugal beneficia do facto de não ser a França ou a Itália. Se alguém quiser se preocupar com a sustentabilidade da dívida, Portugal não está mais no topo da lista.
Como avalia o desempenho económico recente de Portugal, especialmente no que diz respeito à redução da dívida pública?
Portugal tem demonstrado uma disciplina orçamental considerável nos últimos 14 anos. O país conseguiu reduzir significativamente a sua dívida, chegando a um excedente orçamental no ano passado. Isso, combinado com uma política fiscal geralmente benigna, construiu muita credibilidade para Portugal. O crescimento em torno da economia do turismo também ajuda naturalmente. Para ser honesto, Portugal beneficia do facto de não ser a França ou a Itália. Se alguém quiser se preocupar com a sustentabilidade da dívida, Portugal não está mais no topo da lista.
No ano passado, a dívida pública de Portugal alcançou um valor equivalente a 99% do PIB, ficando abaixo da linha dos 100% pela primeira vez desde 2009. Como analisa esta conquista?
É o reflexo de uma disciplina considerável do lado orçamental combinada com uma certa dose de sorte do lado do PIB. O turismo tem crescido muito e Portugal tem uma vantagem natural nesse aspeto. Mas a mudança estrutural também tem sido positiva. O PIB de Portugal teve um desempenho melhor do que o da Zona Euro nos últimos anos, por exemplo. Compare o crescimento do PIB de Portugal com o da Alemanha, por exemplo, e verá que Portugal está claramente a beneficiar.
Não antecipa que o rácio da dívida possa voltar aos níveis do passado, mesmo com a adoção de algumas políticas que estão a ser colocadas em prática pelo novo Governo que vão gerar um aumento da despesa?
Portugal não é mais uma grande preocupação em termos de dívida. A tendência não é a mesma que era pós-2008. Isso deve-se ao facto de, nos últimos 14 anos terem sido feitas mudanças significativas, mudanças estruturais na posição orçamental. Embora possa estar a reverter parcialmente algumas posições orçamentais agora, não acho que ninguém pense que voltará para níveis acima dos 100% do PIB. Isso não é visto como um alvo ou algo que será alcançado em breve.
O populismo não vai desaparecer porque, em períodos de disrupção económica e mudanças tecnológicas dramáticas, as pessoas perdem status e rendimento.
Mas as regras europeias ditam que os Estados-membros da União Europeia sejam capazes de apresentar um rácio da dívida abaixo dos 60% do PIB. Acha possível Portugal atingir esse marco?
A questão fundamental para Portugal é decidir qual deve ser o papel do Governo na economia. Uma vez definido isso, o nível apropriado de dívida em relação ao PIB decorrerá naturalmente. É importante esclarecer que não considero 60% um número mágico ou particularmente relevante. Foi um valor arbitrário resultante de negociações políticas há algumas décadas, sem base económica sólida.
Mesmo assim, foi definido como regra os 60% do PIB.
O essencial é que o rácio da dívida seja estável ao longo do ciclo económico, independentemente de ser 60%, 100% ou 150%. O problema surge quando há aumentos constantes e descontrolados. E Portugal já demonstrou disciplina orçamental e reduziu significativamente o nível da dívida. Agora que está numa base mais sustentável, os portugueses precisam de decidir que papel querem para o Estado na próxima década. Se optarem por uma maior redistribuição dos rendimentos, o rácio poderá estabilizar entre 110-120%, semelhante aos EUA. Se preferirem um Estado menos interventivo, poderá ficar abaixo de 100%, como a Alemanha ou o Reino Unido. Ou poderá seguir um modelo como o francês, com um rácio entre 130%-140%.
Quais são os principais riscos que a economia portuguesa enfrenta nos próximos anos?
Um dos principais riscos é o populismo político que pode levar a políticas fiscais insustentáveis. Também há o risco de uma reversão no progresso fiscal feito até agora. Além disso, as mudanças demográficas, com uma população envelhecida, podem pressionar os sistemas de pensões e saúde. Portugal também precisa de estar atento às mudanças globais no comércio e na tecnologia para manter sua competitividade.
Espero que em setembro a Fed comece a cortar as taxas e que o BCE volte a cortar, estabelecendo um padrão claro de cortes. Se isso acontecer, os danos serão limitados.
Tem defendido a ideia de que a desigualdade de rendimentos é um dos grandes desafios que as economias enfrentam. Como é que Portugal deve combater esta situação?
A desigualdade regional é um desafio importante, não apenas para Portugal, mas para muitos países europeus. É difícil de resolver porque existem efeitos de aglomeração. No entanto, a tecnologia está a mudar isso, e estamos a assistir a um aumento do trabalho flexível que pode ajudar a reequilibrar as economias regionais. Portugal poderia considerar políticas que incentivem o trabalho remoto e o desenvolvimento de centros económicos fora das principais áreas urbanas.
Temos assistido a um crescimento do populismo e de movimentos nacionalistas um pouco por toda a Europa. Estas forças são um risco para a coesão da Zona Euro?
O populismo não vai desaparecer porque, em períodos de disrupção económica e mudanças tecnológicas dramáticas, as pessoas perdem status e rendimento. Procuram alguém para culpar — é o que chamamos de economia do bode expiatório. Isso leva a uma política de preconceitos, em que se culpam grupos específicos pelos problemas.
Antevê que estes movimentos possam ter um forte impacto no comércio internacional?
O crescimento do populismo e dos movimentos nacionalistas na Europa tem promovido um ambiente de protecionismo económico que pode impactar significativamente o comércio internacional. O nacionalismo económico surge como uma forma de política baseada em preconceitos, culpando os estrangeiros pelos problemas internos. Isto manifesta-se em partidos como a Frente Nacional em França, a Alternativa para a Alemanha (AfD), o Partido Reformista no Reino Unido e movimentos similares nos EUA e Itália.
Quando eleitos, estes movimentos tendem a implementar políticas hostis aos estrangeiros, resultando em protecionismo comercial. Isto traduz-se num aumento das barreiras ao comércio, que podem tomar várias formas como a imposição de tarifas, regulamentações restritivas, subsídios à indústria doméstica, sanções económicas e restrições ao movimento de pessoas e bens.
É por isso expectável que, caso essas medidas avancem, a economia seja severamente afetada?
O impacto destas medidas já é visível, com uma redução do comércio global em percentagem do PIB mundial. Este cenário pode levar a uma fragmentação económica e a uma diminuição da cooperação internacional, afetando negativamente o crescimento económico global a longo prazo.
Que avaliação faz da postura cautelosa do BCE relativamente às decisões de política monetária, mostrando continuamente resistência em cortar mais as taxas diretoras?
O problema é que os bancos centrais estão a criar incerteza desnecessária. Sabemos que as taxas de juro europeias precisam de descer, pois estão demasiado altas. Vimos um corte em junho, mas Lagarde está, deliberadamente, a criar incerteza sobre o timing que gera volatilidade nos mercados financeiros. Isto não é útil.
Tem a mesma avaliação da Fed?
Nos EUA a inflação está agora abaixo da Europa numa base comparável. Mas a Reserva Federal não está a cortar porque Powell continua a dizer que dependem dos dados, que são voláteis. Considero que Powell está a dar demasiado ênfase à inflação dos preços no consumidor, não olhando para medidas mais amplas.
Qual é a sua expectativa em relação a eventuais cortes das taxas de juro nos EUA e na Zona Euro?
Espero que em setembro a Fed comece a cortar as taxas e que o BCE volte a cortar, estabelecendo um padrão claro de cortes. Se isso acontecer, os danos serão limitados. Mas se continuarmos a adicionar incerteza e volatilidade aos mercados obrigacionistas haverá um custo económico. Estamos a adicionar um prémio de risco desnecessário, que seria marginalmente mais negativo para o crescimento.
Sou muito cético relativamente à inflação dos custos salariais, porque os salários nominais estão a desacelerar. Os consumidores recusam-se simplesmente a pagar preços mais altos.
Há o risco de tanto o BCE e como a Fed começarem a cortar as taxas drasticamente para compensarem “o tempo perdido”?
Neste momento é improvável. Considero que o BCE está a cortar mais ou menos como deveria, mas não está a ser muito claro sobre o que pretende fazer. Já a Fed está atrasada. A Reserva Federal já deveria estar a cortar as taxas, mas está três ou quatro meses atrasada, talvez. Economicamente, um atraso de três ou quatro meses não é bom, mas não é algo que depois exija uma ação de emergência. Se chegarmos ao final do ano e a Fed não tiver agido, então as coisas tornam-se muito mais preocupantes. Poderíamos ter consequências económicas mais negativas a partir disso.
Com base nessa leitura deduzo que não antevê riscos de se assistir a picos de inflação até ao final do ano.
Tenho dificuldade em encontrar algo que possa causar isso. Há duas causas possíveis: uma escalada do conflito no Médio Oriente que cause disrupção dramática nos preços da energia, ou algum tipo de inflação dos custos salariais. Sou muito cético relativamente à inflação dos custos salariais, porque os salários nominais estão a desacelerar. Os consumidores recusam-se simplesmente a pagar preços mais altos. As empresas, especialmente os retalhistas, estavam a expandir as margens de lucro – ao que chamamos de inflação liderada pelos lucros. Mas já não conseguem fazer isso. Os consumidores simplesmente não aceitam.
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“Portugal não é mais uma grande preocupação em termos de dívida”
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