Guilherme Dray avisa que é prudente esperar pelo Constitucional, antes de se decidir se travão ao outsourcing deve ou não ser retirado da lei. "Tenderia a ter alguma calma e a ponderar", diz.
O travão ao outsourcing após despedimentos coletivos é uma das medidas mais polémicas da Agenda do Trabalho Digno. Tanto que a Provedora de Justiça enviou-a para o Tribunal Constitucional e que os patrões já vieram avisar que querem que seja retirada, agora que o novo Governo tem abertura para revisitar a lei do trabalho. No entanto, em entrevista ao ECO, o advogado Guilherme Dray avisa que não é claro que essa norma viole a Constituição e recomenda que o Governo aguarde pelos juízes do Palácio Ratton antes de mexer na legislação laboral.
“Retirar sem que exista uma manifestação por parte do Tribunal Constitucional pode ser visto, isso sim, como uma tentativa mais ideológica de pôr em causa aquilo que foi feito“, alerta o especialista que coordenou o livro verde que acabou por dar origem à Agenda do Trabalho Digno.
Em entrevista, o advogado fala ainda do sindicalismo e da negociação coletiva em Portugal, sublinhando que é bom para as empresas que haja sindicatos sólidos e amadurecidos.
Esta é uma de três partes da entrevista de Guilherme Dray ao ECO. Na outras duas, fala sobre o trabalho nas plataformas digitais e sobre o teletrabalho, bem como sobre o que vai mudar na lei do trabalho com este Governo.
Se dissermos que há uma lei que proíbe as empresas de recorrer ao outsourcing, diria que é inconstitucional, porque tal faz parte da liberdade empresarial e da iniciativa privada e económica. Não é exatamente isso aquilo que diz essa norma do Código de Trabalho.
Há algumas normas da Agenda do Trabalho Digno que estão a ser avaliadas pelo Tribunal Constitucional. Seria o momento para as fazer cair, já que o Governo diz que quer revisitar essas alterações que foram feitas à lei do trabalho no último ano?
Acho que o ideal, já agora, é esperar que o Tribunal Constitucional se pronuncie. A ministra do Trabalho é muito experiente, muito conhecedora do direito do trabalho, e adepta também da estabilidade legislativa. Deu nota de que eventuais alterações, a existirem, devem ser feitas em sede de Concertação Social. Mas diria que o essencial do que foi feito na Agenda do Trabalho Digno é positivo, tem uma lógica de reforço da dignificação do trabalho, dos direitos de parentalidade, e da conciliação entre vida familiar e vida profissional.
Uma dessas normas que estão no Tribunal Constitucional é o travão ao recurso ao outsourcing após despedimentos coletivos. No livro verde, tinham recomendado a penalização da externalização excessiva do trabalho. Na sua visão, a norma é ou não inconstitucional?
Não tenho uma opinião formada e sólida no sentido de que é inconstitucional. Se dissermos que à partida há uma lei que proíbe as empresas de recorrer ao outsourcing, diria que é inconstitucional, porque tal faz parte da liberdade empresarial e da iniciativa privada e económica. Não é exatamente isso aquilo que diz essa norma do Código de Trabalho. O que ela diz é que, se existir um despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho em que a empresa invoque, nomeadamente, razões de ordem económica, e depois imediatamente a seguir externaliza esse serviço, há aqui critérios de proporcionalidade. O Tribunal Constitucional terá de apreciar.
Mas acha que a norma é proporcional ou não?
Acho que procura seguir [a proporcionalidade], quando faz a indexação com o despedimento coletivo e por extinção do posto de trabalho. Para mim, não é claro que seja uma regra inconstitucional, como já ouvi dizer outros juristas. À partida, tenderia a dizer que foi feita com a intenção de conjugar, por um lado, o direito ao trabalho e à segurança no emprego, e, por outro lado, a liberdade económica e a liberdade iniciativa privada por parte das empresas.
Retirar esta norma da lei do trabalho antes da decisão do Tribunal Constitucional seria um recuo da Agenda do Trabalho Digno?
Não sei se [essa norma] é uma vitória da Agenda do Trabalho Digno. Retirar sem que exista uma manifestação por parte do Tribunal Constitucional pode ser visto, isso sim, como uma tentativa mais ideológica de pôr em causa aquilo que foi feito. Não sou o decisor político, e não estou no lugar da senhora ministra nem dos parceiros sociais, mas tenderia a ter alguma calma, a aguardar e a ponderar devidamente sobre se deve ou não deve ser revogada.
Outro tema abordado no livro verde foi o sindicalismo. Há vários anos que se instalou a ideia de que os sindicatos estão em crise. Estão condenados ou têm espaço para se rejuvenescerem e revitalizarem?
É bom que tenham espaço. É bom para as empresas, embora possa parecer paradoxal, que haja sindicatos sólidos, amadurecidos, experientes e que negoceiem com sentido de responsabilidade. Porque pior do que negociar com um sindicato um acordo de empresa é não ter interlocutor ou ter movimentos inorgânicos que põem em causa a operação das empresas. Acho que os sindicatos têm de se modernizar. Um dos pontos que a Agenda do Trabalho Digno trouxe, e que pode eventualmente ser desenvolvido também se houver uma revisão, foi a negociação coletiva dos trabalhadores que são independentes, mas são economicamente dependentes. O novo artigo não só diz que podem eventualmente beneficiar de convenções coletivas de trabalho já existentes, mas também traz a ideia de que as associações sindicais podem, no futuro, passar a representar estas pessoas. Isto é uma oportunidade muito grande para os sindicatos se modernizarem, apanharem outros alvos e poderem, por essa via, ter uma representatividade mais alargada.
Como é que os sindicatos podem ser atrativos para os trabalhadores mais jovens e para os trabalhadores independentes?
A melhor maneira de o fazerem é negociarem coletivamente com as empresas, conseguirem bons acordos de empresa.
Mostrar trabalho.
Sim. Mostrar que vale a pena a sindicalização e que há determinados direitos que só se alcançam por via da negociação coletiva, e não por via da negociação individual. A negociação coletiva é boa para as empresas. Além de garantir melhores condições de trabalho, traz paz social e permite que as empresas se concentrem no essencial, na sua operação e em criar valor.
É importante que não haja eternização na negociação coletiva. Antes de 2013 havia uma lei que dizia que a negociação coletiva era tendencialmente eterna até ser substituída por outra.
Os sindicatos dizem que a negociação coletiva não consegue ser verdadeiramente estimulada enquanto não cair a norma da caducidade. Concorda?
Não concordo. É importante que não haja eternização na negociação coletiva. Antes de 2013 havia uma lei que dizia que a negociação coletiva era tendencialmente eterna até ser substituída por outra. Isso, sim, criava um entrave à negociação coletiva, porque os sindicatos diziam ou há outra melhor ou não mexo nesta. O mecanismo da caducidade pode trazer algum equilíbrio do ponto de vista negocial entre empresa e sindicatos. Claro que não pode ser uma caducidade muito simples, não pode ser uma simples denúncia da convenção por parte das empresas. Tem de ser fundamentada, há um período sobrevigência em caso de denúncia da convenção coletiva, há vários mecanismos de arbitragem que podem ser postos em cima da mesa. Portanto, é difícil encontrar um equilíbrio, mas hoje, apesar de tudo, acho que esse equilíbrio tende a existir.
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“Não é claro que travão ao outsourcing seja inconstitucional”
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