Estado da Nação. A economia portuguesa mostrou resiliência aos choques externos dos últimos dois anos, mas enfrenta desafios para crescer a um ritmo mais elevado.
- O ECO vai publicar diariamente uma série de seis artigos sobre o Estado da Nação, até ao debate de quarta-feira no Parlamento, com uma análise aos desafios na Saúde, Educação, Habitação, Economia, Justiça e Finanças Públicas.
O Governo da Aliança Democrática chegará ao seu primeiro debate do Estado da Nação com a economia portuguesa a desacelerar. Apesar do bom desempenho nos últimos anos, entre 2000 e 2024 o PIB cresceu, em média, 0,7% ao ano. O crescimento abaixo do potencial é um dos principais desafios que o país enfrenta. Organizações internacionais e economistas defendem medidas para tornar a economia mais dinâmica, competitiva e atrativa para o investimento tecnológico.
Portugal tem enfrentado ao longo dos últimos dois anos diversos choques externos, que levaram à desaceleração da procura externa, com forte impacto nas exportações, ao mesmo tempo que se assistiu à subida da inflação, levando o Banco Central Europeu (BCE) a um aperto da política monetária, com impacto nas condições financeiras. Ainda assim, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) comparou bem com os congéneres europeus neste período.
Perante as ameaças de uma recessão na zona euro, no ano passado, a economia portuguesa cresceu 2,3%, com uma subida das exportações de 4,1%, das importações de 2,2%, do investimento de 2,5% e do consumo privado de 1,7%.
Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona, em declarações ao ECO, destaca que “numa conjuntura externa que não tem sido famosa, a economia portuguesa tem registado um desempenho positivo”, recordando que, em 2023, “Portugal conseguiu ser o sexto Estado-Membro no total dos 27 da União Europeia que mais cresceu“.
Para este ano, as principais instituições nacionais e internacionais esperam uma desaceleração do crescimento, com o Ministério das Finanças a apontar (num cenário de políticas invariantes) 1,5% — embora o ministro da tutela já tenha admitido que poderá fixar-se acima de 2% –, o Banco de Portugal e o Fundo Monetário Internacional 2%, a Comissão Europeia 1,7% e o Conselho das Finanças Públicas e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) 1,6%. Contudo, a melhoria esperada do enquadramento internacional poderá beneficiar o país.
Para Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, “se a economia global aguentar o atual ritmo de crescimento e a economia europeia, sobretudo a alemã, apresentar uma recuperação, é provável que a economia nacional cresça acima de 2% em 2024″.
No primeiro trimestre, o PIB avançou 1,5% em termos homólogos, após ter aumentado 2,1% no trimestre precedente, refletindo uma desaceleração do consumo privado e do investimento, compensadas pelo acelerar as exportações de bens e serviços. Em cadeia, o PIB cresceu 0,8%, depois de uma subida de 0,7% no último trimestre de 2023.
Estes dados — acima do esperado — colocam Portugal a crescer acima da média da zona euro e da União Europeia, cujo PIB aumentou 0,4% e 0,5% no primeiro trimestre, respetivamente, em termos homólogos, e 0,3% em ambos os casos na comparação face ao último trimestre.
“Para 2024, as instituições internacionais antecipam que a economia portuguesa voltará a crescer acima da média europeia, e o Governo espera mesmo um crescimento idêntico ao do ano passado, o que me parece plausível, desde logo porque a conjuntura externa está a melhorar gradualmente (recordo que Portugal é uma pequena economia aberta ao exterior)”, assinala Ricardo Ferraz.
O economista realça que “o desempenho recente da economia portuguesa que tem superado as expectativas deve-se a um melhor comportamento do consumo privado e das exportações de serviços“. “Na prática, podemos dizer que numa conjuntura difícil não temos sido tão penalizados por causa do consumo das famílias e do turismo. Recordo que o nosso país já chegou mesmo a vencer prémios de melhor destino turístico da Europa e até do próprio mundo, atraindo hoje imensa gente que vem cá gastar o seu dinheiro para usufruir das condições fantásticas que oferecemos”, aponta.
O desempenho recente da economia portuguesa que tem superado as expectativas deve-se a um melhor comportamento do consumo privado e das exportações de serviços
O ano passado ficou marcado pelos sinais de recuperação da crise no setor, gerada durante a pandemia, tendo voltado a superar os valores recorde pré-Covid. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2023, o número de chegadas de turistas não residentes a Portugal atingiu 26,5 milhões, um aumento de 19,2% face a 2022 e de 7,7% face a 2019, mantendo-se o mercado espanhol como o principal emissor de turistas internacionais (quota de 25,2%), tendo crescido 16,7% face ao ano anterior.
A informação mais recente indica que, no acumulado de janeiro a maio, as dormidas registaram um crescimento de 4,4%, atingindo 27,7 milhões, dando origem a aumentos de 12,2% nos proveitos totais. Este aumento deveu-se, principalmente, às dormidas de não residentes, que cresceram 5,9%, enquanto as de residentes subiram de forma mais modesta (0,9%).
No entanto, Ricardo Ferraz alerta que “como é óbvio, não podemos estar excessivamente dependentes do setor do turismo“, porque “não vai ser certamente o turismo que nos vai tirar da cauda da Europa em termos de desenvolvimento económico”. “Aquilo de que a nossa economia precisa, como de pão para a boca, é de ser atrativa para o investimento tecnológico. Precisamos também de mais empreendedorismo e inovação. A economia portuguesa tem de apostar na produção de bens transacionáveis de elevada tecnologia, e, com isso, gerar postos de trabalho qualificados e bem remunerados, sendo que com os níveis de impostos e de burocracia que temos tal será certamente difícil de se concretizar”, defende o economista.
Um relatório recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), baseando-se nos indicadores de Regulação do Mercado de Produtos (PMR), conclui que Portugal tem feito progressos significativos na melhoria do seu ambiente regulatório, mas ainda enfrenta desafios importantes para promover uma economia mais dinâmica e competitiva. Recomenda assim, que o país continue a simplificar os requisitos administrativos, seja capaz de adotar ferramentas digitais e melhorar a transparência nas atividades de lobbying.
O Banco de Portugal prevê que, em 2024–26, a atividade económica em Portugal deverá manter um crescimento próximo do tendencial e superior ao da área do euro, entre 2 e 2,3%, com o consumo privado a subir 1,9% em 2024-26, beneficiando do dinamismo do rendimento disponível real.
Banco de Portugal prevê que, em 2024–26, a atividade económica em Portugal deverá manter um crescimento próximo do tendencial e superior ao da área do euro, entre 2 e 2,3%, com o consumo privado a subir 1,9% em 2024-26, beneficiando do dinamismo do rendimento disponível real
Contudo, o Governo quer chegar a 2028 com uma taxa de crescimento de 3,8%, através de um choque fiscal de cinco mil milhões de euros ao longo da legislatura, impulsionado pela procura interna, de acordo com o programa eleitoral da Aliança Democrática (AD). Entre as “medidas bandeiras” para impulsionar a competitividade das empresas está a descida gradual de IRC de 21% para 15%, avaliada em 1,5 mil milhões de euros.
A medida foi incluída no pacote de 60 propostas para acelerar a economia e tem gerado resistência nos partidos de esquerda, que argumentam que beneficia sobretudo as grandes empresas. O ministro das Finanças anunciou na semana passada que a medida ficará de fora do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) e irá entrar no Parlamento como um diploma autónomo.
Outra das novidades foi a regulamentação do Incentivo Fiscal à Investigação Científica, Inovação e Capital Humano (IFICI1+), tendo como objetivo alargar o universo do incentivo a um conjunto maior de profissões qualificadas e empresas. Em causa está a norma introduzida pelo anterior Governo no Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) para quadros qualificados, como docentes no ensino superior e investigação científica, depois de eliminado o Regime de Residentes Não Habituais. Para operacionalizar o novo regime, o Executivo vai regulamentar a medida através de portaria.
Paralelamente, o Executivo avançou com a transposição da diretiva comunitária para a tributação mínima de 15% das multinacionais, em consulta pública até ao final de mês, o aumento do valor de elegibilidade para o regime do IVA de caixa, de 500 mil euros para dois milhões de euros, e a criação do conceito de grupos de IVA.
O pacote de medidas para estimular a economia deverá ser um dos temas quentes do debate, uma vez que a maioria tem efeitos apenas a partir do próximo ano, pelo que o PS (Governo precisa que o partido liderado por Pedro Nuno Santos ou o Chega viabilizem o Orçamento) tem defendido que, apesar de ficar fora do OE2025, o seu impacto estará incluído no documento.
Mercado de trabalho tem segurado a economia
O dinamismo do mercado de trabalho tem sido uma das faces mais visíveis da resiliência da economia portuguesa no período recente, tendo permitido ao país resistir melhor às pressões dos choques externos face a alguns países europeus.
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, destaca que “a economia portuguesa continua a mostrar resiliência, sobretudo suportada pelo crescimento da força de trabalho, atualmente acima de cinco milhões de pessoas, tendo aumentado gradualmente desde os 4,5 milhões de trabalhadores em 2013, apresentando a atividade económica portuguesa um desempenho superior à média europeia”.
A economia portuguesa continua a mostrar resiliência, sobretudo suportada pelo crescimento da força de trabalho, atualmente acima de cinco milhões de pessoas, tendo aumentado gradualmente desde os 4,5 milhões de trabalhadores em 2013, apresentando a atividade económica portuguesa um desempenho superior à média europeia.
No ano passado, o emprego ascendeu a 0,9% e a taxa de desemprego manteve-se estável nos 6,5%. No Boletim Económico de junho, o Banco de Portugal (BdP) estima que em 2024–26 o emprego deverá crescer a uma taxa semelhante à registada em 2023.
Segundo o regulador, “o crescimento do emprego nos anos mais recentes tem sido sustentado pelo aumento da população ativa, associado à subida da taxa de atividade e ao crescimento da população, potenciado por saldos migratórios positivos”. O governador do BdP, Mário Centeno, realçou diversas vezes ao longo do último ano a importância do vigor desta área, apontando, por exemplo, que Portugal cria cinco vezes mais emprego do que a média da zona euro. Segundo Centeno, os setores mais dinâmicos na criação de emprego são os que pagam mais e pagam acima da média, estimando que o emprego em setores onde os salários se fixam acima do salário médio nos últimos cincos anos cresceu 44%.
Em junho, o supervisor indicava que os inquéritos de conjuntura mais recentes sinalizam pressões contidas dos constrangimentos da oferta de trabalho, com uma redução da percentagem de empresas que reporta a dificuldade em recrutar como fator limitativo da atividade na generalidade dos setores. “Apenas na construção esta percentagem se mantém acima da média dos últimos 10 anos. Neste contexto, os salários reais, após um aumento de 2,8% em 2023 e de 2,2% em 2024, deverão retomar em 2025–26 um crescimento em linha com o da produtividade do trabalho, próximo de 1,5%”, estima.
Os principais desafios
Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, destaca que se em termos conjunturais o desempenho da economia “tem sido relativamente favorável”, em termos estruturais, o crescimento potencial “é demasiado baixo, quer comparando com o que já se conseguiu no passado, quer com o que é conseguido por países com o nível de desenvolvimento de Portugal”.
Este é uma das fraquezas da economia, aponta, a par do “baixíssimo crescimento da produtividade”, da “falta de perspetivas, que é uma das principais razões da emigração e das “dificuldades persistentes nas contas públicas, que têm diminuído a qualidade dos serviços públicos, em especial na saúde e na educação”.
Em termos estruturais, continuamos com um crescimento potencial demasiado baixo, quer comparando com o que já conseguimos no passado, quer com o que é conseguido por países com o nosso nível de desenvolvimento.
Apesar de identificar como forças, “a capacidade de manter excedentes externos e ir reduzindo a dívida externa, uma das maiores vulnerabilidades e o que conduziu à Troika”, o economista alerta para os riscos que pendem sobre o país: instabilidade geopolítica; riscos das eleições presidenciais americanas (potencial conflito comercial e redução do envolvimento dos EUA na NATO); instabilidade política nacional e não aprovação dos Orçamentos de 2025 e 2026.
“Poderia haver surpresas positivas se o Governo conseguisse fazer aprovar algumas das suas reformas para aumentar o potencial de crescimento da economia, mas os riscos políticos são elevados”, adverte.
Por sua vez, Paulo Rosa aponta como riscos para o crescimento uma “inesperada forte desaceleração económica, aumentando ainda mais a despesa pela ativação dos estabilizadores automáticos, tais como subsídios de desemprego, e diminuindo as receitas”.
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