Revisão da despesa dos Governos de Costa foi “ineficiente ou ineficaz”
Auditoria do TdC conclui que, entre 2016 e 2023, os instrumentos de revisão de despesa pública, que poderiam gerar ganhos e ajudar a financiar pensões, por exemplo, mostraram-se ineficazes e inúteis.
Os três Governos de António Costa desperdiçaram poupanças com maus exercícios de revisão e racionalização da despesa pública entre 2016 e 2023, conclui uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC), divulgada esta terça-feira. Se tivessem aplicado os instrumentos de forma eficaz, poderiam ter gerado ganhos orçamentais que serviriam, por exemplo, para ajudar a financiar o aumento de despesa com pensões, saúde e cuidados continuados, como sugere o Ageing Report de 2024 da Comissão Europeia.
O que é que está em causa? “A revisão da despesa consiste num escrutínio detalhado, coordenado e sistemático da despesa base do Estado, com o objetivo de identificar poupanças decorrentes de melhorias na eficiência e oportunidades para reduzir ou redirecionar despesa pública não prioritária, ineficiente ou ineficaz”, define a instituição liderada por José Tavares.
Neste âmbito, o Tribunal critica a atuação dos três ministros das Finanças, Mário Centeno, João Leão e Fernando Medina na forma como implementaram mecanismos de revisão de despesa nos orçamentos do Estado. Em 2016, até foi criado um grupo de trabalho, que ficou na dependência direta do então ministro das Finanças, Mário Centeno, que foi responsável pela coordenação do exercício de revisão da despesa pública até 2020.
Porém, “não foi fornecida documentação significativa sobre a atividade do grupo de trabalho, o que implicou que a prova de auditoria recolhida sobre a sua ação tenha sido, essencialmente, de natureza testemunhal”, critica o TdC. “Não foram definidos montantes de poupanças anuais a atingir, nem calendários precisos, quer para entrega de propostas para as opções de política a implementar, quer para a respetiva concretização”, acrescenta.
Entretanto, o grupo de trabalho interrompeu a atividade na sequência da cessação de funções do seu coordenador, a 1 de maio de 2020. Essas funções passaram, então, para a tutela dos gabinetes do ministro das Finanças e do secretário de Estado do Orçamento, com o apoio técnico do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais Ministério das Finanças (GPEARI), até novembro de 2022.
Entre 2017, com Centeno ao leme das Finanças, e 2021, com João Leão, “os relatórios dos Orçamentos do Estado (OE) passaram a integrar uma secção específica dedicada ao exercício de revisão da despesa”, refere o TdC. “No relatório do OE 2022, a revisão da despesa foi incluída no capítulo referente a medidas de consolidação orçamental e, no relatório do OE 2023, embora não seja referida explicitamente, encontra-se num anexo com a designação de ‘Melhoria da eficiência e controlo da despesa pública'”, detalha o relatório.
Governos de Costa estimaram ganhos de eficiência de 1.457 milhões de euros
Nesses documentos, nos vários Executivos de Costa “foram listadas e descritas as medidas de obtenção de poupanças, essencialmente através de ganhos de eficiência, e indicados os valores previstos para essas poupanças orçamentais”. “Globalmente, entre 2017 e 2023, as poupanças orçamentais a obter com a revisão da despesa, incluídas nos sucessivos relatórios do OE, atingiram os 1.457 milhões de euros”, indica com base nos relatórios dos Orçamentos do Estado. Mas, para o Tribunal de Contas, as “deficiências identificadas na qualidade da informação impedem a quantificação agregada das respetivas poupanças e constrangem a análise comparada com os impactos previstos constantes dos relatórios dos Orçamentos do Estado”. Para além disso, a auditoria alerta que “a indicação dispersa, descoordenada e não fundamentada de medidas destinadas a gerar poupanças por ganhos de eficiência não é um processo de revisão da despesa”.
“De igual modo, também não constitui revisão da despesa a boa administração que compete aos gestores públicos”, dando o exemplo do Infarmed. Aquele instituto indicou que lhe são solicitadas “(…) periodicamente e para efeitos do OE (…) propostas de medidas de políticas, passíveis de implementação, que promovam uma melhoria no acesso aos medicamentos e geradoras de poupanças para o SNS e/ou utentes (…)”. “Esta atividade ocorreu no período alvo de auditoria do Tribunal de Contas, mas não no âmbito de um exercício de revisão da despesa. A proposta de medidas por parte do Infarmed num âmbito de um exercício de revisão de despesa apenas ocorreu em 2023, altura em que foi solicitada a sua participação nesse referido exercício”, revelou a mesma entidade.
“Esta afirmação, repetida várias vezes ao longo do contraditório, de uma entidade que tutela uma área muito significativa de despesa pública ilustra, de forma clara, a fragilidade técnica do exercício conduzido entre 2016 e 2023 e o papel decisivo que uma estrutura técnica permanente deve ter, quer na viabilização do exercício, quer na sua legitimação junto das entidades públicas”, destaca o estudo do TdC.
A indicação dispersa, descoordenada e não fundamentada de medidas destinadas a gerar poupanças por ganhos de eficiência não é um processo de revisão da despesa.
A partir do OE2017, as circulares anuais de preparação do OE passaram a incluir um capítulo sobre o exercício de revisão da despesa (aí designado como expenditure review). Nesse campo, mais de 500 entidades públicas estavam obrigadas a incorporar nos seus planos orçamentais (…) iniciativas de melhoria da eficiência e de controlo da despesa (…)” que permitissem (…) acomodar o efeito de novas pressões orçamentais, mas também gerar folgas financeiras para acomodar eventuais novos projetos”, escreve o Tribunal de Contas.
Para tal, era disponibilizado um formulário, o designado anexo x, que “deveria desempenhar um papel fulcral no âmbito do exercício de revisão da despesa implementado entre 2016 e 2023, na medida em que seria o instrumento de recolha de propostas de iniciativas de política ao nível dos serviços, que se consolidariam ao nível dos respetivos ministérios e, posteriormente, integrariam o OE”, de acordo com o relatório.
“No entanto, não foi isso que ocorreu. Não há evidência de ligação entre esta recolha de informação acerca de iniciativas de melhoria de eficiência e controlo orçamental, ao nível da entidade, e o que possa ter sido a sua eventual implementação, assim como não foi encontrada evidência de avaliação e consolidação das iniciativas das entidades ao nível das respetivas tutelas”, constata o organismo de fiscalização às contas públicas.
“Da evidência recolhida e da análise detalhada à qualidade da informação submetida através deste anexo, o seu preenchimento viu-se, largamente, reduzido ao mero cumprimento de uma obrigação administrativa necessária à aprovação do orçamento, retirando-lhe qualquer utilidade como instrumento de gestão orçamental”, lê-se no mesmo relatório. Por isso o TdC conclui que “eventuais benefícios acabaram por ser anulados, não só pela sua ambiguidade e pouca clareza, como também pela ausência de análise, monitorização e posterior acompanhamento, tornando aquele instrumento essencialmente inútil”.
“Não há conhecimento de que tenha existido controlo da informação submetida pelos serviços e entidades através do anexo X, por parte do Ministério das Finanças e dos ministérios setoriais, nem a monitorização da implementação das medidas propostas”, refere o Tribunal de Contas, lembrando que o anexo X chegou a ser “apresentado perante entidades internacionais, como um pilar fundamental do exercício de revisão da despesa em Portugal”.
Incentivo à eficiência da despesa pública revelou-se “totalmente ineficaz”
Ainda foi aprovado o Sistema de Incentivos à Eficiência da Despesa Pública (SIEF), instrumento direcionado à melhoria da qualidade da despesa pública, que se revelou “totalmente ineficaz”. “Desde a sua criação, em 2017, apenas uma candidatura”, submetida pela própria Direção-Geral do Orçamento (DGO), “foi aprovada e não foram pagos quaisquer incentivos. Apesar da sua ineficácia total, o SIEF não foi objeto de avaliação, nem de qualquer alteração e manteve-se em vigor até 2024”, lê-se no relatório.
Em Portugal, registaram-se “três experiências distintas de desenvolvimento desde tipo de instrumento de gestão financeira pública entre 2013 e 2024”, aponta o TdC. A primeira ocorreu durante o programa de ajustamento económico e financeiro (2013-2014), durante o Governo de Pedro Passos Coelho. “Foi fortemente marcada pela necessidade de alcançar, no curto prazo, reduções substanciais no volume de despesa pública. A implementação do processo beneficiou da assistência técnica do Fundo Monetário Internacional e teve um âmbito bastante abrangente, embora a análise da despesa base não tenha sido muito profunda, consistindo sobretudo em comparações nacionais e internacionais”, sumariza o TdC.
A segunda fase, entre 2016 e 2023, e que atravessa os três Governos de António Costa ficou marcada “pela ambiguidade quanto aos objetivos e âmbito do exercício, pela fragilidade da estrutura de governança responsável pela sua execução e pela tentativa de envolvimento de um grande número de entidades, de acordo com o relatório.
Em relação ao terceiro e atual processo de revisão da despesa, que está nas mãos do Governo de Luís Montenegro, a auditoria do Tribunal de Contas indica que “ainda subsistem riscos na capacidade de assegurar a transição para as etapas mais exigentes do processo: a implementação das ações de política, a monitorização dessa implementação e a avaliação ex-post do processo”.
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