Reformados com pensão de 1.000 euros perderam 756 euros em poder de compra todos os anos
Em 14 anos, o impacto negativo acumulado chegou aos 10.581 euros devido ao mecanismo de atualização e aos congelamentos. Peritos defendem reforma do sistema e incentivos a planos complementares.
Um reformado com uma pensão de 1.000 euros perdeu, em média, 756 euros por ano em poder de compra, devido ao mecanismo de atualização das prestações e aos congelamentos praticados entre 2011 e 2015, durante o período de resgate financeiro, concluem os autores da última versão do Livro Verde sobre a Sustentabilidade do Sistema Previdencial da Segurança Social, enviado esta semana aos parceiros sociais e a que o ECO teve acesso. Nos 14 anos analisados, entre 2008 e 2022, o impacto negativo acumulado ascendeu a 10.581 euros, escrevem os peritos.
“A acumulação de perdas ao longo do período 2008-2022 atinge 10.581 euros para um pensionista com um valor inicial de pensão de 1.000 euros”, em 2007, segundo as contas da Comissão Independente para a Sustentabilidade da Segurança Social, liderada por Mariana Trigo Pereira. Se se dividir aquele valor pelos 14 anos, chegamos a 755,8 euros que, em média todos os anos, não entram nos bolsos dos reformados.
Noutros escalões de rendimentos verificaram-se igualmente perdas significativas. Para uma pensão inicial de 500 euros, “a acumulação de perdas ao longo do período 2008-2022 atinge 720 euros em valores revalorizados à taxa de inflação”. Por ano, são cerca de 52 euros que não são transferidos para a conta bancária deste pensionista. No caso de uma prestação, atribuída em 2007, de 3.000 euros, o impacto negativo total foi de 45.138 euros ou de 3.224 euros em média por ano.
Assim, “da aplicação do mecanismo de atualização anual não tem resultado a manutenção do poder aquisitivo das pensões”, alertam os autores do estudo. “No que se refere à pensão de 500 euros, incluída no 1.º escalão da tabela de atualização”, que neste momento abrange prestações brutas mensais até 1.018,52 euros, e que correspondem a duas vezes o Indexante dos Apoios Sociais (2 IAS), “o congelamento praticado entre 2011 e 2015 causou perdas anuais sucessivas de poder de compra que variaram entre 2,6% e 3,4% entre 2012 e 2017”, lê-se no relatório.
No entanto, “as sucessivas atualizações extraordinárias de que esta pensão beneficiou a partir de 2017 permitiram repor praticamente o mesmo valor real da pensão existente no início do período, ou seja, 500 euros“, ressalvam os autores.
O mesmo não se verificou para reformas mais elevadas. “As pensões incluídas no 2.º e 3.º escalões”, que, na lei em vigor, diz respeito a prestações acima de 1.018,52 euros, “sofreram fortes perdas do respetivo poder de compra, tendência essa que se tem vindo a agravar”, salienta a comissão independente.
E exemplifica: “O pensionista com uma pensão de 1.000 euros, em 2007, deveria ter atingido os 1294,5 euros, em 2023, a fim de manter o seu poder de compra. Como o valor médio neste ano foi de 1163,6 euros, perdeu 130,9 euros em poder de compra a preços correntes, ou seja 11,2 %, relativamente ao valor real da sua pensão. Quanto ao pensionista com uma pensão de 3.000, euros, em 2007, sofreu uma perda de 513 euros no seu poder de compra, ou seja, cerca de 15,2 %”.
Os especialistas explicam que “esta discrepância entre escalões deve-se, por um lado, ao facto de as atualizações extraordinárias terem sido limitadas às pensões mais baixas e, por outro, à própria matriz do mecanismo automático, que faz depender do crescimento do PIB o ajustamento da pensão relativamente à inflação”.
De lembrar que a fórmula de atualização das pensões da Segurança Social, relativas aos trabalhadores do privado, e da Caixa Geral de Aposentações, que paga as prestações dos funcionários públicos, está prevista na lei desde 2007 e nunca foi alterada. O regime tem em conta dois indicadores:
- O crescimento real do PIB, correspondente à média da taxa do crescimento médio anual dos últimos dois anos, terminados no 3.º trimestre do ano anterior àquele a que se reporta a atualização ou no trimestre imediatamente anterior, se aquele não estiver disponível à data de 10 de dezembro;
- A variação média dos últimos 12 meses do Índice de Preços junto do Consumidor (IPC), sem habitação, disponível em dezembro do ano anterior ao que reporta a atualização, ou em 30 de novembro, se aquele não estiver disponível à data da assinatura do diploma de atualização.
E há três escalões para a atualização das pensões, que são fixados em função do valor do IAS, que está nos 509,26 euros. Assim, o primeiro patamar abrange reformas inferiores a 2 IAS, ou seja, até 1.018,52 euros. Se a média do crescimento do PIB nos últimos dois anos for inferior a 2%, estas prestações sobem à taxa de inflação, se a economia tiver uma trajetória positiva, acima de 2%, adiciona-se mais 20% do PIB à atualização.
No segundo escalão estão prestações entre 2 e 6 IAS, ou seja, entre 1.018,52 e 3.055,56 euros. Se o PIB crescer menos de 2%, a atualização destas reformas segue a inflação mas são subtraídos 0,5 pontos percentuais (p.p.) ao IPC. Se a economia evoluir entre 2% e 3%, são aumentadas segundo o índice de preços e só se a variação superar os 3% é que é somada à conta 1,25% do PIB.
No terceiro nível, que diz respeito a pensões acima de 6 IAS, ou seja, de 3.055,56 euros, é subtraída à taxa inflação 0,75 p.p., quando o PIB sobe menos de 2%. Se a economia crescer entre 2% e 3%, também são retirados 0,25 pontos ao IPC. Só se o PIB variar acima de 3% é que as pensões mais altas são atualizadas em linha com a inflação.
Mecanismo de atualização das pensões
“Ora, entre 2008 e 2023, o crescimento médio do PIB considerado para efeitos da aplicação do mecanismo só por uma vez excedeu os 3% (em 2023) e só por três vezes excedeu os 2% (entre 2018 e 2020), do que resultou uma penalização contínua das pensões cujo valor está situado acima do dobro do IAS”, isto é, acima de 1.018,52 euros, constatam os investigadores.
Assim, “tal como está construído, o mecanismo de atualização não permite responder de forma automática e atempada a aumentos súbitos da inflação”. “Foi por isso necessário recorrer a medidas ad hoc de compensação em 2022, quando o IPC sem habitação foi de 8%, muito acima da atualização inicial das pensões do escalão inferior que fora de 1%”. Nessa altura, o então Governo de António Costa deu um bónus de meia pensão em 2022 e depois atualizou as prestações. Em contrapartida, em 2023, “as reformas foram atualizadas em janeiro por metade do valor que lhes caberia em virtude da aplicação do mecanismo automático e receberam em julho uma atualização intercalar que repôs o valor de atualização devida”, descrevem os autores do livro verde.
Portugal está entre os países da União Europeia com regras de atualização das pensões menos favoráveis para os pensionistas. As regras mais favoráveis são as que indexam o valor das pensões à evolução dos salários, o que permite manter a posição relativa dos pensionistas na distribuição do rendimento face à população ativa.
O capítulo dedicado à fórmula da subida regular das reformas, destaca que, “entre 2008 e 2023, ou seja, num período de 15 anos, a atualização das pensões só foi realizada de acordo com o mecanismo previsto na sua formulação original por três vezes: em 2008, 2009 e 2016”. “Uma tal inconstância na aplicação do mecanismo não pode deixar de reduzir a efetividade e credibilidade do mesmo, o qual terá tido afinal um percurso mais discricionário do que automático, em contradição com o que fora o seu objetivo inicial”, criticam.
Nas conclusões, o relatório aponta que “Portugal está entre os países da União Europeia com regras de atualização das pensões menos favoráveis para os pensionistas”. “As regras mais favoráveis são as que indexam o valor das pensões à evolução dos salários, o que permite manter a posição relativa dos pensionistas na distribuição do rendimento face à população ativa. Portugal utiliza um mecanismo de indexação das pensões baseado na taxa de inflação, mas que por estar subordinado ao crescimento do PIB, nem sempre garante para todos os níveis de pensões a reposição do respetivo poder aquisitivo”, sublinham os autores.
Peritos defendem mudança de mecanismo e aumento intercalar em períodos de inflação alta
“O atual mecanismo de atualização das pensões tem-se mostrado incapaz de assegurar a manutenção do poder aquisitivo de uma parte importante dos pensionistas”, reconhecem os peritos. Para além disso, “a evidência existente aponta para uma deterioração da adequação das pensões nas próximas décadas”.
Assim, e “no sentido de evitar a degradação do poder aquisitivo das pensões e, ao mesmo tempo melhorar a equidade na forma como estas são atualizadas, recomenda-se que a atualização do valor das pensões tenha como base de cálculo o cúmulo das pensões recebidas por pessoa, e não o valor de cada pensão – como é prática corrente“, lê-se no estudo.
O mecanismo de atualização das pensões deve ser revisto de modo a garantir que todas as reformas são atualizadas pelo IPC sem habitação, apurado em novembro ou dezembro do ano anterior. Neste momento, só as pensões do primeiro escalão, isto é, até 1.018,52 euros (2 IAS) beneficiam deste critério. Prestações entre 1.018,52 e 3.055,56 euros só são atualizadas à taxa de inflação quando o PIB cresce mais de 2% e reformas de valores superiores apenas sobem se a economia registar uma trajetória positiva acima de 3%.
Os peritos consideram que as prestações mais baixas, até 1.018,52 euros devem continuar a beneficiar de um aumento adicional acima do IPC, mas apenas em “anos em que o referencial de sustentabilidade escolhido para esta medida exceda um determinado limiar”. Na lei em vigor, estas reformas têm direito a um acréscimo de 20% da média de crescimento do PIB dos últimos dois anos, quando a economia sobe mais de 2%.
Deve-se alargar “o intervalo adotado para o cálculo da taxa média de crescimento do PIB, enquanto referencial de sustentabilidade no mecanismo de atualização, para períodos superiores a dois anos” e estudar “a substituição da taxa média de crescimento do PIB, enquanto referencial de sustentabilidade, por outro tipo de indicadores (por exemplo, evolução do rácio entre receitas e despesas em pensões do sistema previdencial)”, de acordo com o livro verde.
Os especialistas defendem ainda “a introdução de aumentos intercalares das pensões em períodos em que a inflação seja superior a um determinado patamar – por exemplo, 5 %”.
Nas 18 recomendações do livro verde, os peritos propõem ainda estímulos fiscais para a criação de planos complementares de pensões individuais e empresariais, no sentido de reforçar a adequação dos rendimentos dos futuros pensionistas.
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