Salários baixos? “Na Teleperformance pagamos acima da média do país”

Pedro Gomes, CEO da Teleperformance, explica os desafios de gerir a terceira maior força de trabalho privada no país, com 14.500 pessoas empregadas, boa parte estrangeiras.

A Teleperformance Portugal já é “o terceiro maior empregador privado do país”, com uma força de trabalho que chega às 14.500 pessoas, todas “residentes em Portugal”, diz o CEO, Pedro Gomes. A empresa é uma máquina de importar talento que “todos os anos recruta, literalmente, milhares de pessoas”, boa parte lá fora. Estrangeiros que buscam melhores condições de vida numa das várias cidades em que o grupo tem instalações, incluindo Lisboa e Vila Nova de Gaia, bem como Setúbal e Covilhã.

Nem sempre tudo corre bem. Pedro Gomes diz que é “impossível encontrar uma fórmula que vá ao encontro das expectativas” de todos: as idades são muito diferentes, fala-se em 37 idiomas distintos na empresa e há uma grande variedade de culturas e competências. Além disso, a influência da Teleperformance na vida dos seus trabalhadores vai muito além do seu papel de entidade empregadora. A empresa fornece alojamento, o que, para alguns, pode ser a diferença entre ter ou não ter um teto sobre a cabeça.

Alguns acusam a Teleperformance de pagar salários demasiado baixos, mas Pedro Gomes nega, afirmando que “a empresa não paga abaixo do salário mínimo, nem sequer paga o salário mínimo”, pois tem um “contributo positivo” para o salário médio nacional. “Além do salário fixo, damos prémios de performance nos projetos, subsídio de alimentação” e “outros benefícios”, elenca — “um valor enorme que a empresa cria e transfere para o colaborador”.

Por todos estes motivos e mais alguns, a empresa é controversa. É conhecida pelos serviços de call center que presta a grandes multinacionais e marcas de que todos conhecemos o nome, um negócio que parte da sociedade acredita ser de baixo valor acrescentado, reconhece o gestor. Mas Pedro Gomes refuta essa perceção, até porque o conceito de call center “é altamente redutor para aquilo que a Teleperformance faz” atualmente.

Penso que o salário médio no país ronda os 1.500 euros, e na Teleperformance está perto dos 1.600. Portanto, a empresa tem um contributo positivo para o salário médio do país, o que acho que vai um pouco contra essa ideia que existe na opinião pública.

Comecemos por caracterizar o universo de trabalhadores da Teleperformance. Quantas pessoas têm, quem são e de onde vêm?

A Teleperformance em Portugal é uma empresa que presta serviços de negócio de integração digital. Somos hoje o terceiro maior empregador privado do país, com uma equipa de cerca de 14.500 colaboradores. É uma equipa de colaboradores bastante diversa no que diz respeito às suas origens, porque trabalhamos com pessoas de 120 nacionalidades e de quatro gerações diferentes. Há também uma grande diversidade de competências e skills. A Teleperformance presta serviço a um conjunto muito alargado de clientes, sobretudo multinacionais, mas também grandes empresas do tecido empresarial português. Falo em 37 línguas diferentes, para indústrias muito diversificadas e em âmbitos de atividade muito diversificados também. Estamos a falar de indústrias como saúde, moderação de conteúdos em rede social, tecnologia, serviços públicos e viagens e turismo. Quando me pede para caracterizar o talento da Teleperformance, são pessoas que têm competências em todas essas indústrias, em todo o tipo de atividades.

Quais são os principais desafios de gerir uma equipa tão diversa e tão grande para a escala portuguesa?

Há vários desafios, mas também são desafios muito agradáveis. Eu acho que não trocaria esta oportunidade com ninguém e esse é um dos grandes benefícios de estar na empresa, porque tem-se uma experiência altamente internacional sem sair do país. Esta possibilidade de convivermos com pessoas de tantos backgrounds diferentes, de tantas nacionalidades e gerações diferentes, é de facto um grande benefício. Também tem os seus desafios, como diz, porque são pessoas que, em função das suas diferentes idades, têm expectativas diferentes na sua relação com a empresa. Em função da sua cultura, têm também formas de trabalhar diferentes. E também estamos a falar de pessoas que, em muitos casos, vieram de outros países para viverem em Portugal e trabalhar connosco, que vêm com alguma ambição que a empresa deve conseguir acompanhar. Por tudo isto, eu diria que uma dificuldade, ou um desafio, é que é quase impossível encontrar uma fórmula que vá ao encontro das expectativas de cada grupo de colaboradores e a empresa tem de ser capaz de se adaptar às várias expectativas que são criadas.

Qual é a idade média dos vossos trabalhadores?

Neste momento, deve rondar os 31 ou 32 anos.

Pedro Gomes, CEO da Teleperformance, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Como é que se integra estas pessoas em Portugal? O que é que a Teleperformance faz para ajudar na integração destas pessoas?

Quando estamos a falar de uma empresa de 14.500 pessoas, acho que também é importante ver o ritmo de crescimento que teve nos últimos dez anos. Todos os anos a empresa recruta, literalmente, milhares de pessoas. Nós criamos processos em que, primeiro, tornamos a nossa oferta altamente apelativa para quem está num país estrangeiro e considera uma experiência internacional. E focamo-nos muito em três vetores.

Um tem a ver com a localização: normalmente, quando oferecemos a possibilidade de vir trabalhar para Portugal, para Lisboa ou para o Porto, isso é um fator apelativo muito grande. Outro tem a ver com a empresa em si. Recentemente, recebemos o reconhecimento da empresa Great Place to Work em Portugal pelo 14.º ano consecutivo, e as pessoas sabem que, quando vêm para Portugal trabalhar com a Teleperformance, vêm para uma empresa que tem políticas de recursos humanos que visam a eficaz integração não só na empresa como também no país.

Depois temos também a questão da carreira que oferecemos às pessoas. Nós temos a felicidade de trabalhar com algumas das maiores multinacionais do mundo. Estas pessoas, quando vêm trabalhar com a Teleperformance, vão ao mesmo tempo representar algumas dessas marcas mais competitivas. E, muitas vezes, parte do nosso processo de recrutamento é recrutarmos os fãs dessa marca. Para as pessoas, há aqui o valor acrescido de representar uma marca que valorizam bastante.

Ao fazê-lo, e porque a empresa tem tido este crescimento acelerado, damos grandes oportunidades de carreira. Só para ter uma ideia, 85% dos gestores da empresa começaram dentro da empresa com funções diretas do contacto com o cliente ou em operação. Todos os anos fazemos cerca de 350 ou 450 promoções dentro da empresa. Diria que esta é uma oferta imbatível, porque as pessoas vêm para um país espetacular para viver, vêm ter uma experiência internacional podendo partilhar o espaço com pessoas de tantas nacionalidades, e ao mesmo tempo desenvolver uma carreira na indústria.

Quando diz que que recrutam milhares de pessoas, é porque há muita rotatividade? Estão a conseguir reter o talento?

Há alguma rotatividade que faz parte da indústria, que ronda os 20% por ano.

As pessoas que têm estão na empresa há quanto tempo, mais ou menos?

A permanência média, neste momento, ronda os cinco anos. Portanto, estamos a falar de uma rotatividade anual de cerca de 20%. Mas acima disto, depois, há o crescimento.

Também têm trabalhadores que são portugueses?

Temos muitos trabalhadores que são portugueses.

E a generalidade dos vossos trabalhadores são residentes em Portugal?

Todos os nossos colaboradores, estes 14.500, são residentes em Portugal.

Pedro Gomes garante que os trabalhadores podem ter uma carreira na Teleperformance: “85% dos gestores da empresa começaram dentro da empresa com funções diretas do contacto com o cliente ou em operação. Todos os anos fazemos cerca de 350 ou 450 promoções dentro da empresa”, exemplifica.

Numa pesquisa rápida na internet encontramos algumas acusações de que a empresa paga o salário mínimo, ou que às vezes nem paga o salário mínimo. É também o que dizem alguns partidos de esquerda, que já emitiram algumas posições contra a forma como a Teleperformance paga aos seus trabalhadores. Como é que responde a essas críticas?

Infelizmente, hoje quase se diz o que se quer. Obviamente, a empresa não paga abaixo do salário mínimo, até porque, como o terceiro maior empregador privado, há estruturas legais no país que fazem com que isso não possa acontecer. A empresa não paga abaixo do salário mínimo, nem sequer paga o salário mínimo. O que acontece é que nós, além do salário fixo, damos prémios de performance nos projetos, subsídio de alimentação, além de todos os outros benefícios que existem na empresa. Curiosamente, quando nós comparamos o salário médio da empresa com o salário médio do país, o salário médio que nós temos na Teleperformance tem hoje um contributo positivo para o salário médio do país. Portanto, nós, na Teleperformance, pagamos acima da média do país. Pode dizer-me que há vários escalões dentro da empresa, mas também os há dentro do país.

Pode pôr um valor nessa afirmação?

Não sei o valor de cor, mas penso que o salário médio no país ronda os 1.500 euros [remuneração bruta total mensal média, segundo o Instituto Nacional de Estatística], e na Teleperformance está perto dos 1.600. Estou a falar de salários médios. Portanto, a empresa tem um contributo positivo para o salário médio do país, o que acho que vai um pouco contra essa ideia que existe na opinião pública. Depois, há um fator adicional, nomeadamente para as pessoas que recrutamos fora do país: a empresa fornece alojamento. E para todos nós que vivemos em Lisboa e sabemos os custos associados e a dificuldade de procurar e de manter alojamento, convém perceber que estamos a falar de um valor enorme que a empresa cria e transfere para o colaborador.

A Teleperformance dá alojamento a todos os trabalhadores que vai recrutar lá fora?

Não todos, porque há quem prefira ter o seu próprio alojamento. Também recrutamos trabalhadores estrangeiros no local. Mas esta é uma solução que colocamos sempre à disposição do colaborador.

Pagam a renda da casa.

Nós contratamos diretamente a casa, pagamos a renda, gerimos toda a parte das instalações, e portanto asseguramos tudo isso. [Em média vivem três a quatro trabalhadores por apartamento, todos com quarto dedicado, disse Pedro Gomes.]

Era um dos pontos em que queria tocar, a crise habitacional que vivemos. Não só em Lisboa, mas também noutras grandes cidades e um pouco por todo o país. Tem limitado a ambição de crescimento da Teleperformance?

Não tem limitado porque nós também não deixamos que limite. Mas tem criado grandes desafios. Primeiro, todas as empresas vivem da sua competitividade e esta escalada de preços na habitação, de facto, tem impactado a competitividade da empresa. Hoje, arrendar alojamento para os nossos colaboradores é bastante mais caro do que era há alguns anos e isto é algo que pesa no nosso modelo de negócio. Além disso, a própria disponibilidade de habitação próxima dos nossos escritórios, no centro da cidade, torna-se hoje muito mais difícil de encontrar e tivemos que alargar um pouco o âmbito da procura. Portanto, isto tem algum impacto.

Têm as pessoas a viverem cada vez mais longe do centro da cidade. Nas periferias.

Sim, é verdade. Mas isso é também reflexo do que acontece com toda a sociedade portuguesa.

Consegue pôr também um número no custo que a Teleperformance tem tido com o pagamento dessas rendas?

O custo aumentou 50% nos últimos dois anos. É difícil divulgar, porque, quando nós olhamos para este custo, incluímos o custo da renda e também todo o custo da manutenção e das equipas que fazem esta gestão. Mas o nosso custo interno cresceu cerca de 50% em dois anos.

Há alguma medida que podia estar a ser aplicada neste momento para ajudar a mitigar os preços da habitação em Portugal e que não esteja a ser?

Acho que isso é algo em que o nosso Governo está a pensar e toda a gente tem a noção de que este é um desafio não só para empresas como a nossa, que eu percebo que seja um caso muito particular na economia, mas para os cidadãos. A verdade é que hoje continua a ver-se muita habitação devoluta que poderia ser reformada e devolvida ao mercado habitacional, como também penso que há edifícios e imobiliário do Estado que poderiam, eventualmente, ser reconvertidos em habitação. Se calhar já não sou tão otimista relativamente a intervenção direta na economia e gestão ou interferência nos preços, porque isso depois também cria sempre algum impacto na oferta e na procura. Mas pelo menos acho que estas duas oportunidades são mais óbvias.

Pedro Gomes, CEO da Teleperformance, em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Disseram no início do ano que estavam a fazer uma revisão das compensações e dos benefícios na vossa empresa, antecedendo uma greve que veio a ocorrer em fevereiro. Essa revisão já foi concluída? O que resultou desse processo?

A revisão salarial dentro de uma empresa nunca está concluída, é sempre um processo vivo.

Mas até fizeram um estudo. Contrataram uma consultora para fazer uma análise às compensações.

O que nós identificámos no ano passado é que havia um determinado conjunto de desequilíbrios em determinadas funções dentro da empresa e nós achámos que era importante restabelecer alguma justiça para algumas dessas funções. Nós fizemos essa análise com uma empresa externa, com a Mercer, que deu um conjunto de recomendações, que nós implementamos. O que nós conseguimos fazer o ano passado foi criar uma base que nos parece de muito maior justiça para todos os nossos colaboradores. Essa agora é uma base mais saudável sobre a qual nós podemos construir em futuros anos. Foi um passo muito importante que nós demos para agora nos futuros anos conseguirmos ir acompanhando as expectativas.

Os sindicatos falavam em desigualdade de género, e até mereceu uma resposta da associação do setor. Isso é coisa que não existe?

Isso é coisa que não existe na empresa. Só para ter uma ideia, nos últimos anos demos passos significativos no sentido de garantir a igualdade de género. Nos últimos dois anos passámos de 10% de mulheres em gestão para 42% e continuamos a ter a expectativa de chegar brevemente aos 50%. A forma como nós gerimos a nossa grelha salarial tem em conta as competências das pessoas, competências à entrada na empresa – quando estamos a falar de setor tecnológico, ou setor de saúde, ou outros setores, há competências de entrada que são diferentes e que valorizamos de forma diferente, tal como valoriza o mercado, e tem depois também a ver depois com a língua falada pelo colaborador. Obviamente há comunidades de línguas que são mais difíceis de recrutar e portanto há aqui um ajuste da oferta e a procura. E estes são os critérios que usamos.

Quando falamos de contact centers, há uma certa opinião pública, dir-me-á se infundada, de que é um trabalho de pouco valor. Talvez hoje em dia seja muito mais do que isso. Mas recordo-me, por exemplo, de quando a Google veio para Oeiras, comentou-se que “afinal era um call center“, como se isso fosse um fator negativo. Acha que há essa perceção na sociedade de que é uma indústria de pouco valor acrescentado?

Acho que ainda há, mas já houve muito mais, felizmente. A indústria e o desenvolvimento do próprio tipo de serviço tem vindo a corrigir um pouco essa perceção, mas ainda não estamos numa situação em que a opinião pública é fiel àquilo que acontece de facto na indústria. Até porque o nome em si, de contact center, hoje em dia, já é altamente redutor para aquilo que a Teleperformance faz, porque uma pequena parte da nossa atividade é efetivamente o que se pode chamar de contact center.

Além disso, mesmo se nos cingirmos ao conceito de contact center, o tipo de contactos, ou o tipo de relacionamento, que hoje os nossos colaboradores têm com os clientes dos nossos parceiros, é completamente diferente daquilo que acontecia há dez anos, muito por força da entrada da inteligência artificial. Todas aquelas atividades que eram mais monótonas, de menos valor, foram automatizadas ou deu-se a possibilidade ao cliente de gerir em self service, e por isso foram retiradas da nossa atividade. O que hoje tratamos são situações bastante mais complexas em que a missão do nosso colaborador é gerir uma fricção entre o cliente e a marca que o cliente não conseguiu resolver de qualquer outra forma. Portanto, o impacto desta atividade na performance comercial e financeira dos nossos clientes é essencial.

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