Da Economia à Indústria. Quais serão as pastas com mais “poder” na próxima Comissão?

Os 27 já começaram a enviar nomes para Comissão e estão de olho nas pastas com maior poder. Economia, Indústria e Mercado Interno estão no topo das prioridades, mas há pastas novas com interesse.

Ursula von der Leyen já começou a mexer as peças para a formação do colégio de 26 comissários, preparando-se para dar destaque a três novos dossiês que ganharam relevância face à atualidade na Europa: Defesa, Mediterrâneo e Habitação. “[Estas novas pastas] soam-me bem, mas resta saber com quantos recursos serão dotadas”, considera ao ECO Sophia Russack, do Centro de Estudos de Política Europeia (CEPS).

Perante os eurodeputados no Parlamento Europeu, horas antes de ser reeleita presidente da Comissão Europeia, em julho, Ursula von der Leyen reconheceu as principais dificuldades nestas três áreas, fez grandes promessas, definiu ambições no seu plano de ação para os próximos cinco anos, mas não adiantou grandes detalhes. Sobretudo em matéria de orçamento. Ao ECO, o porta-voz do executivo comunitário também não quis adiantar mais informações sobre a constituição destes novos gabinetes, resguardando-se no discurso da presidente.

Mas uma coisa é certa: “O poder e influência de um comissário” é definido pelas verbas que lhe são atribuídas, pela competência da União Europeia nessas matérias e ainda pelo apoio de uma Direção-Geral, explica a analista política do CEPS. E, neste momento, além de não ter sido definido um orçamento para nenhuma destas pastas, “em nenhuma delas a União Europeia tem grandes competências próprias”, lembra ainda Paulo Sande, especialista em assuntos europeus. Estes fatores poderão tornar difícil a missão de Von der Leyen de tornar estas pastas mais atrativas do que realmente são face às mais disputadas.

Defesa

Depois de ter anunciado 1,5 mil milhões para a defesa, em março, com o escalar das tensões na Ucrânia e na Faixa de Gaza, Ursula von der Leyen decidiu criar um comissário para a Defesa com vista a revitalizar um setor esquecido e fragmentado na Europa.Lusa

No caso da Defesa, a missão do primeiro comissário será de revitalizar um setor esquecido e fragmentado, numa altura em que a guerra na Ucrânia e o conflito militar no Médio Oriente sobem de tom, e as tensões entre a China e Taiwan se agravam. O contexto geopolítico exigirá que a Europa aumente e melhore a sua aposta no setor nos próximos anos de forma significativa. De acordo com a presidente da Comissão, entre 2019 a 2021, as despesas combinadas com a defesa no bloco aumentaram 20%, enquanto as da Rússia aumentaram 300% e as da China 600%.

Mas esta nova comissão já poderá ter algumas verbas em mãos. Em março, a Comissão Europeia propôs gastar 1,5 mil milhões de euros do orçamento da UE para o período 2025-2027 de forma a “encorajar” Estados-membros a investirem em armamento, promover a inovação e o desenvolvimento de novas capacidades de guerra em território europeu. A ideia será que até ao final do ano seja alcançado um acordo provisório entre os colegisladores da União Europeia sobre a nova estratégia industrial para a Defesa, para que o processo legislativo esteja terminado em meados de 2025. Mas, antes disso, o candidato ao cargo terá de ser aprovado pelo Parlamento Europeu.

Mediterrâneo

Nos últimos anos, o sul da Europa tem sido a porta de entrada de vários fluxos migratórios vindos do Norte de África. Embora ainda não sejam conhecidas as competências do comissário para o Mediterrâneo, espera-se que o dossiê das migrações fique sob esta tutela.Wikimedia Commons

À semelhança da Defesa, também se sabe pouco sobre as funções do novo comissário para o Mediterrâneo, uma região que tem sido a porta de entrada de um crescente fluxo migratório que chega à Europa vindo do Norte de África. Até aqui, o portefólio ligado às migrações estava sob a tutela da Comissão dos Assuntos Internos, mas, com o agravamento da situação no Sul da Europa, o executivo comunitário quer agora autonomizar esta pasta e poderá deixar a sua gestão ao cargo deste novo comissário.

No seu discurso perante o Parlamento Europeu, Ursula von der Leyen explicou que este cargo estará focado em fortificar parcerias com países terceiros, fomentar o emprego e aumentar a resiliência económica naquelas regiões de modo a diminuir os níveis de imigração (sobretudo irregular), e desenvolver “outros domínios de interesses mútuos”. Nos últimos cinco anos, esse tem sido o plano de ação, depois de terem sido assinados acordos de cooperação com a Tunísia, Mauritânia e Egito. Nesta matéria, o novo comissário trabalhará em proximidade com a chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, numa altura em que o Pacto para as Migrações e Asilo já estará em fase de transposição nos 27 Estados-membros.

Além das migrações, o novo comissário também estará focado em desenvolver políticas energéticas depois de os países do sul da Europa — incluindo Portugal — terem desempenhado um papel central na resposta europeia à crise energética, em 2022, que resultou da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Habitação

Com o agravar da crise da habitação na Europa, vários Estados-membros têm lançado apelos para uma maior intervenção do executivo comunitário. Já antes das eleições o ainda primeiro-ministro, e agora futuro presidente do Conselho Europeu, António Costa, tinha redigido uma carta à presidente da Comissão que a resolução desta crise estivesse no topo da agenda em Bruxelas.Glauco Zuccaccia@Unplash

A crise da habitação não é apenas sentida em Portugal. Pela Europa fora, vários são os Estados-membros e partidos políticos que têm lançado apelos por uma intervenção mais direta da Comissão Europeia na resolução deste problema. Desde logo Portugal. Em 2023, António Costa, quando era ainda primeiro-ministro, redigiu uma carta a von der Leyen urgindo que o executivo comunitário colocasse o tema no topo das prioridades.

“A falta de oferta imobiliária é um problema em muitas cidades, e os encargos com habitação têm vindo a subir, ocupando já um espaço muito significativo no rendimento mensal das famílias europeias”, pelo que “a Comissão Europeia deve estar atenta ao problema da escassez e dos altos custos da habitação”.

Ex-primeiro-ministro António Costa numa carta enviada a Ursula von der Leyen

Um ano depois, os europeus foram chamados às urnas e da esquerda à direita o tema marcou a campanha eleitoral. A Aliança Democrática também fez do tema uma das suas bandeiras, chegando mesmo a defender a inscrição do direito à habitação na Carta dos Direitos Fundamentais, no seu programa para as eleições europeias de junho.

Os apelos foram ouvidos. No discurso que proferiu no Parlamento Europeu, antes da sua reeleição, Von der Leyen afirmou que a habitação seria uma questão prioritária para a próxima Comissão. Assim, prometeu nomear o primeiro comissário para gerir diretamente este portefólio e apresentar um plano para aumentar o investimento público e privado na construção de casas em todo o bloco, agilizando também uma revisão das regras dos auxílios estatais uma vez que os Estados-membros podem recorrer de fundos públicos para a construção de habitação social.

O programa político de Von der Leyen também sugere a duplicação do financiamento de coesão destinado a novas habitações a preços acessíveis e a criação de uma plataforma de investimento pan-europeia para canalizar mais investimento público e privado para projetos de habitação sustentável e a preços acessíveis por via do Banco de Investimento Europeu.

As pastas de topo

Nos bastidores decorrem negociações – também no sentido de assegurar que a presidente alemã consegue uma comissão paritária –, aliviando a procura sobre as pastas que tendem a chamar mais atenção dos 27 e que a própria presidente poderá estar a guardar para cumprir promessas eleitorais: Economia, Mercado Interno e Indústria.

Fora estas, indica Russack, o interesse também poderá recair sobre as pastas da Competitividade e Comércio, por serem duas da “exclusiva competência da UE”; da Coesão e Agricultura, por representarem cerca de um terço do orçamento total do bloco europeu, ou até mesmo a do Alargamento que vai ganhar algum protagonismo uma vez que está em curso o processo de adesão à UE da Ucrânia e da Moldávia.

A pasta do alargamento é, atualmente, muito popular devido à situação geopolítica, situação muito diferente da última legislatura”, aponta Sophia Russack.

Depois, surgem as pastas consideradas “clássicas” por fazerem sempre parte de qualquer mandato na Comissão Europeia, considera a politóloga. São elas a dos Assuntos Internos; Digital; Justiça; Orçamento e Interinstitucional. No fundo da lista, estará a pasta da Democracia e Demografia, “por ter competências pouco claras e trabalho legislativo pesado”, diz Russack.

Comissão EuropeiaLusa

E as vice-presidências?

Até ao momento — excluindo a Alemanha e a Estónia, que não apresentarão candidatos por já terem a presidência (Ursula von der Leyen) e o cargo de Alto Representante da Diplomacia Europeia (Kaja Kallas, que terá ainda de ser votada pelo Parlamento Europeu) — pelo menos 17 Estados-membros já anunciaram os seus candidatos a Comissários. Destes 17, seis são repetentes: o francês Thierry Breton, comissário europeu para o Mercado Interno e Serviços; a comissária croata da Democracia e Demografia, Dubravka Šuica; o eslovaco Maroš Sefčovič, comissário para as Relações Interinstitucionais; Wopke Hoekstra dos Países Baixos, comissário para a Ação Climática; Valdis Dombrovskis, da Letónia, vice-presidente da Comissão Europeia e Olivér Várhelyi da Hungria, comissário para o Alargamento.

Deste grupo que, em princípio, não voltará a ser entrevistado por Ursula von der Leyen, apenas o húngaro parece ter o caminho dificultado para ser reconduzido, depois de ter tido um mandato repleto de críticas dos eurodeputados e de atritos com os seus colegas de colégio. Os restantes deverão voltar a integrar a equipa da presidente alemã, mas não é certo que fiquem com as mesmas pastas — ainda que essa possa ser a vontade dos países. A decisão final será da presidente da Comissão.

Os Estados-membros também estarão atentos às vice-presidências, cujas pastas, por serem “mais vastas e menos concretas” poderão estar mais facilmente sujeitas a uma “reformulação”, explica a politóloga do CEPS. Ou seja, estas pastas poderão absorver ou “enxotar” competências de e para outras comissões.

Poderá ser o caso da pasta da Coesão que, embora não estivesse sob a alçada de uma vice-presidência neste mandato, poderá ser alvo de uma reestruturação. Alguns Estados-membros defendem que a pasta passe a ser gerida com a mesma lógica do Plano de Recuperação e Resiliência, ou seja, aos Estados-membros são atribuídas verbas com base em metas e dados prazos para executá-las. Os desembolsos passariam a ser feitos após o cumprimento de objetivos ao invés da condição atual que prevê o desembolso das verbas aos Estados-membros abrangidos pelas políticas de coesão mediante a apresentação de uma fatura.

Na última legislatura, Von der Leyen contava com sete vices na sua equipa, sendo três deles executivos: Margrethe Vestager, que ficou responsável pela transição digital no bloco; Valdis Dombrovskis, que coordenou as políticas e previsões económico-financeiras do bloco e ainda Maroš Šefčovič, encarregue de executar o Pacto Ecológico Europeu.

Para este novo mandato não é claro quantos “números dois” Von der Leyen irá recrutar para a sua equipa, nem que pastas serão atribuídas, certo é que haverão Estados-membros que irão lutar para garantir lugar no núcleo mais próximo da presidente da Comissão Europeia. Itália é, para já, o país que mais faz questão de garantir uma vice-presidência na Comissão Europeia. Economia, Concorrência, Defesa e Migração estarão na lista de desejos da primeira-ministra Giorgia Meloni.

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