Construção anti-sísmica é regulada, mas há “grande ausência” de fiscalização

Vários especialistas ouvidos pelo ECO afirmam que os novos edifícios já cumprem a legislação europeia no que diz respeito à construção anti-sísmica. No entanto, alertam para a falta fiscalização.

Um sismo de magnitude 5,3 na escala de Richter foi registado na madrugada de segunda-feira ao largo de Sines. O ECO falou com especialistas para perceber se os edifícios estão preparados contra os sismos e que regras existem para a construção. Vários intervenientes garantem que os novos edifícios têm características resistentes aos sismos e que existe um conjunto de regulamentos que têm que ser cumpridos. No entanto, a Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto (APEB) alerta para a falta de fiscalização.

Em Portugal a maior parte das construções são feitas em betão e a APEB afirma que “há uma grande ausência na fiscalização das obras”. Jorge Reis, diretor geral da associação, afirma que a “qualidade do betão incorporado na edificação de casas não é controlada pelas autarquias e produtores”.

O responsável aponta ainda outro problema: “Os construtores não tiram amostras para saber se a resistência do betão é a que está definida no projeto, uma medida obrigatória que não está a ser cumprida”, lamenta. Jorge Reis calcula que metade das empresas de betão não estão certificadas.

Os construtores não tiram amostras para saber se a resistência do betão é a que está definida no projeto, uma medida obrigatória que não está a ser cumprida

Jorge Reis

Diretor geral da Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto

O diretor geral da Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto assegura que testar a qualidade do betão tem um custo estimado de 150 euros para um apartamento que custe entre 200 a 500 mil euros e realça que “não é este fator que vai encarecer mais um edifício”. “Pelo contrário, vai conferir segurança.”

A primeira legislação anti-sísmica em Portugal remonta a 1958, tendo sido revista em 1983, de acordo com a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN). Atualmente, encontra-se em vigor o Regulamento Europeu denominado Eurocódigo 8, que é usado em vários países da comunidade europeia, nomeadamente em Portugal desde o final de 2019.

A associação liderada por Manuel Reis Campos assegura ao ECO que esta regulamentação europeia “veio aumentar as exigências de segurança e resiliência das estruturas em áreas sujeitas a terremotos, introduzindo ainda diretrizes para a avaliação e reforço de estruturas existentes”.

Questionado se existe há fiscalização para ver se as regras estão a ser cumpridas, Xavier Romão, professor de engenheira civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), afirma que “não existe uma fiscalização exatamente com esse sentido, mas sim uma fiscalização geral“. Xavier Romão nota ainda que “não vamos partir do princípio que estamos fugir à lei”, e garante que os projetos estão a ser “feitos de acordo com a regulamentação, e que os novos edifícios estão a ser construídos de acordo com o que é projetado”.

José Luís Zêzere, diretor do centro de estudos geográficos da Universidade de Lisboa, garante ao ECO “que Portugal tem desde a década 80 legislação rigorosa no que diz respeito à construção anti-sísmica“. No entanto, o geógrafo salienta que tem “muitas dúvidas que a reabilitação dos edifícios mais antigos, essencialmente em Lisboa, esteja a salvaguardar o risco anti-sísmico”.

Tenho muitas dúvidas que a reabilitação dos edifícios mais antigos, essencialmente em Lisboa, esteja a salvaguardar o risco anti-sísmico

José Luís Zezere

Diretor do centro de estudos geográficos da Universidade de Lisboa

A AICCOPN assegura que “a construção de edifícios e de outras obras de construção civil em regiões sísmicas está, desde há muito, amplamente regulada em Portugal” e que “as empresas de construção têm demonstrado um elevado nível de compromisso e de competência no cumprimento destes normativos”.

O CEO da Casais disse ao ECO que os “regulamentos em vigor são bastantes exigentes” e que os “edifícios em Portugal são concebidos para responder adequadamente a eventos sísmicos”. A empresa liderada por António Carlos Rodrigues realça que a “conjugação de regulamentos exigentes, formação especializada e um setor da construção comprometido com a segurança garante que os edifícios em Portugal ofereçam uma proteção robusta contra sismos”.

A conjugação de regulamentos exigentes, formação especializada e um setor da construção comprometido com a segurança garante que os edifícios em Portugal ofereçam uma proteção robusta contra sismos

António Carlos Rodrigues

CEO do Grupo Casais

O professor de engenheira civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, explica ao ECO que “nos projetos de construções novas e na reabilitação de construções existentes há um conjunto de regulamentos que têm que ser cumpridos para garantir um determinado nível de segurança, incluindo a segurança à ação sísmica”.

O professor de engenheira civil da FEUP detalha que a base desta regulamentação europeia, na componente da habitação, “tem como objetivo a salvaguarda da vida humana, ou seja, é suposto um edifício ser capaz de suportar um sismo de modo a que as pessoas consigam sair em segurança”.

Xavier Romão detalha que esta regulamentação contempla dois tipos de cenários: os edifícios devem resistir a um “sismo semelhante ao sismo de 1755, com o epicentro ao sul do Algarve e com magnitude na casa dos 7 e um segundo cenário que engloba um sismo com magnitudes por volta dos 6 com o epicentro na zona de Lisboa e Vale do Tejo”.

O professor universitário enumera que no caso de um sismo com base nos dois cenários, o “edifício tem que se manter de pé, não pode colapsar e apesar dos danos que irá ter, não pode impedir a evacuação em segurança”.

No entanto, apesar dos edifícios novos e reabilitados estarem sujeitos a regulamentação, dados da AICOOPN fornecidos ao ECO mostram que “23,1% dos edifícios foram construídos há mais de 50 anos, e que, de acordo com os Censos 2021, existem 498.700 edifícios a necessitar de reparações significativas”. A associação liderada por Manuel Reis Campos indica ainda que “se restringirmos a análise à área de Lisboa, verifica-se que 21,2% dos edifícios foram construídos antes de 1960″.

Dados da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) mostram que apenas uma em cada cinco casas tem seguro contra sismos. Para o regulador, os dados revelam uma cobertura insuficiente que poderá colocar em causa a capacidade de recuperação do país perante uma catástrofe de natureza sísmica.

Obras públicas têm fiscalização apertada

No caso de escolas, hospitais ou quartéis de bombeiros, Xavier Romão realça que estes edifícios têm exigências mais restritivas que, além de assegurar a salvaguarda da vida humana, têm de garantir “um conjunto de condições que os permitem estar operacionais após ocorrência de um sismo compatível com o cenário que está no regulamento”. Em suma, estes edifícios têm que ter mais resistência.

A Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto corrobora a ideia do professor de engenheira civil da FEUP e realça que “nas obras públicas (pontes, viadutos, autoestradas, hospitais, tribunais, escolas) a fiscalização é muito apertada, o problema é quando passamos para obras privadas, nomeadamente a habitação, onde o controlo é praticamente inexistente”.

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, apelou para que se faça uma “reflexão” sobre a prevenção contra terramotos na construção de obras públicas. Embora considere que se aprendeu muito desde 1969 até agora, “pode aprender-se mais”, o que “significa, para o futuro, um debate sobre a construção de grandes obras públicas, em que genericamente há precauções que têm a ver com a prevenção de sismos”, disse.

O presidente do colégio de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros (OE) corrobora a ideia do Presidente da República e afirmou à Lusa que o sismo desta segunda-feira constitui “uma oportunidade” para lançar um “debate rigoroso” entre os especialistas e as entidades envolvidas nesta área e para fazer uma “reavaliação dos procedimentos que são aplicados na construção e na reabilitação, eventualmente revisitando algumas das exigências que se colocam”. Humberto Varum apela a uma maior exigência na qualidade da construção.

Em declarações à Lusa, o presidente do colégio de Engenharia Civil da OE, Humberto Varum, explicou que o edificado da sociedade portuguesa representa “um conjunto muito complexo, com níveis de vulnerabilidade diversa”.

O edificado da sociedade portuguesa representa um conjunto muito complexo, com níveis de vulnerabilidade diversa.

Humberto Varum

Presidente do colégio de Engenharia Civil da Ordem dos Engenheiros

No final de maio, num visto ao contrato de gestão da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, o Tribunal de Contas obrigou o hospital a incluir no projeto do futuro Hospital de Lisboa Oriental uma solução de isolamento contra sismos. Entretanto, no rescaldo do sismo, o Público avançou esta segunda-feira que o consórcio liderado pela Mota-Engil aceitou fazer as alterações ao projeto de execução do novo Hospital Lisboa Oriental (HLO).

O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, considerou que o sismo registado esta madrugada representou um “teste real às capacidades de resposta [do país] no caso de uma catástrofe grave”.

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