“Nunca nos passou pela cabeça a possibilidade de banir o ChatGPT na faculdade”

Avanços da IA vão exigir esforço de formação de todos, das posições de entrada aos cargos de topo. A previsão é do diretor da Nova IMS, que vê também novos modelo de ensino no horizonte.

Quando o ChatGPT começou a chegar às notícias de todo o mundo, não tardou até que certas universidades banissem a sua utilização pelos alunos em trabalhos e relatórios. A Escola de Gestão de Informação e Ciência de Dados da Universidade Nova de Lisboa (Nova IMS) não o fez e, diz agora o diretor, essa possibilidade nem sequer foi ponderada. Em vez disso, decidiu aproveitar as potencialidades desta nova tecnologia para transformar o ensino, garante.

Em entrevista ao ECO, Miguel de Castro Neto — que está a completar dois anos enquanto dean da referida faculdade — explica de que modo a Nova IMS tem abraçado a inteligência artificial (IA) e os dados, elogiando-lhes o seu “potencial imenso”, nomeadamente, de personalizar o ensino.

E mesmo fora das paredes da academia, o diretor acredita de que estas tecnologias exigirão um esforço robusto de formação de todos, das posições de entrada aos cargos de topo. “Quando falamos da necessidade de formação, não excluo ninguém dessa necessidade”, atira, referindo que Portugal tem uma oportunidade única para liderar esta transformação.

Esta é uma de duas partes da entrevista de Castro Neto. Na outra, que pode ler aqui, fala sobre salários e empregabilidade, mas também sobre o modo como o talento português está a atrair para Portugal empresas multinacionais.

Houve professores que nos trabalhos e relatórios deixaram de pedir apenas as referências bibliográficas, e passaram a pedir as ‘prompts’ utilizadas para construir aquele relatório.

Não teme que Portugal perca o comboio dos dados e da inteligência artificial por os trabalhadores não terem formação suficiente?

O desafio é enorme. Todas as organizações vão ter de ter recursos humanos com competências analíticas. Isso é inquestionável e vai implicar uma necessidade de formação brutal. Isto até nos leva a explorar novos modelos de ensino.

Novos modelos de ensino? De que modo?

Até aqui, o modelo de desenvolvimento e crescimento do sistema educativo passou muito por definirmos programas e aplicarmos esses programas a um conjunto de alunos. Não temos a capacidade de ter um um programa específico para cada aluno, de acordo com as suas necessidades e de acordo com o seu potencial. Hoje começam a existir instrumentos que nos permitem fazer isso.

Mas as universidades portuguesas estão a fazer essa transformação?

Posso falar do que conheço. Foi há pouco mais de um ano que, de repente, o ChatGPT teve um boom brutal. Chegamos a ver notícias de escolas e de universidades que baniram o ChatGPT. Na Nova IMS, o que fizemos não foi banir o ChatGPT. Entregámos aos nossos professores a capacidade de utilizarem a tecnologia que está por trás do ChatGPT para os alunos desenvolverem projetos com ele. Houve professores que nos trabalhos e relatórios deixaram de pedir apenas as referências bibliográficas, e passaram a pedir as prompts utilizadas para construir aquele relatório. Os professores e os colaboradores têm todos contas profissionais de ChatGPT e de Microsoft CoPilot. O que estamos a fazer é tirar partido desta tecnologia. Se for bem utilizada, esta tecnologia permite apoiar os alunos quase como com um tutor para cada um deles.

Acredita que esse modelo seria extensível a outras faculdades portuguesas, de outras áreas? O que falta para que seja alargado?

Julgo que depende muito da natureza das próprias instituições de ensino superior. Talvez, no nosso caso, estamos a ter alguma liderança, porque estamos em casa. Quando aconteceu este boom do ChatGPT, nunca nos passou pela cabeça considerar a possibilidade de o banir. Uma coisa é plágio, outra coisa é perceber que isto tem potencial imenso.

Miguel de Castro Neto, Dean da NOVA Information Management School (NOVA IMS), em entrevista ao ECO - 30AGO24
Miguel de Castro Neto, Dean da NOVA Information Management School (NOVA IMS), em entrevista ao ECO Hugo Amaral/ECO

Anunciam os vossos mestrados como uma ferramenta para que líderes e gestores transformem dados em insights estratégicos. Os gestores portugueses estão sensibilizados para o potencial dos dados?

Sensibilidade, têm, e estão muito atentos para este desafio. Mas quando falamos da necessidade de formação, não excluo ninguém dessa necessidade. O grande desafio é garantirmos que, dependendo da sua posição na organização, têm noção do espaço de oportunidades, do que se pode fazer, de como se pode fazer e dos ingredientes necessários para conseguirmos fazer. É fundamental que os líderes tenham essa noção.

Olhando para o futuro, que profissões vê serem criadas com recursos a estas novas tecnologias?

É a pergunta de um milhão de dólares. Eu próprio, que sou diretor da Nova IMS, já não consigo antecipar o que é que pode acontecer amanhã. Consigo olhar para o que conheço e perceber o que é que pode acontecer, mas as transformações, os novos negócios e as novas profissões que estão a surgir são de tal forma extraordinárias que é muito difícil prever. De acordo com o Fórum Económico Mundial, a inteligência artificial vai gerar até 2027 2,6 milhões de novos empregos. Uma das novas profissões, que já incorporamos com alguma oferta formativa, é o prompt engineering. As pessoas têm de ter competências para explorar o potencial [da tecnologia], porque deixamos de interagir com o mundo digital da forma que interagimos antes. Agora conversamos com o computador e isso está a gerar novas profissões. Não há nenhuma área de negócio que não tenha necessidade de incorporar estas competências. Como é que vai ser o futuro? Não sei, mas tenho uma certeza: será com inteligência artificial e com a ciência dos dados.

Ensinamos uma área que está em mutação permanente, em disrupção contínua. Portanto, diariamente temos de garantir que conseguimos acompanhar este desafio.

Está a comemorar agora dois anos na liderança da Nova IMS. Qual é o maior desafio de ser diretor desta escola?

O maior desafio de ser diretor desta faculdade é porque é um comboio em movimento. A realidade que nos rodeia está a mover-se a uma velocidade tal que somos desafiados diariamente a atualizar o que ensinamos. Ensinamos uma área que está em mutação permanente, em disrupção contínua. Portanto, diariamente temos de garantir que conseguimos acompanhar este desafio. Na Nova IMS, formamos fazedores, pessoas que são capazes de transformar a realidade. E o desafio é conseguir manter esta capacidade, num contexto de mudança contínua e aceleradíssima.

  • Diogo Simões
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