Do mercado de capitais à união bancária. Que desafios terá Maria Luís Albuquerque em Bruxelas?
Mitigar a fragmentação do mercado de capitais, concretizar uma união bancária e impulsionar o investimento privado são algumas das missões para a futura comissária dos Serviços Financeiros.
Maria Luís Albuquerque foi proposta por Ursula von der Leyen para ser a próxima Comissária dos Serviços Financeiros e União da Poupança e Investimento, uma pasta de relevo numa altura em que o bloco europeu está focado em recuperar a perda de competitividade face a mercados como os Estados Unidos e a China.
Para a presidente da Comissão Europeia, a antiga ministra das Finanças “é a pessoa indicada” para ter nas mãos a missão de “desbloquear uma quantidade substancial” de investimento privado necessário para salvaguardar a estabilidade financeira dos 27 Estados-membros e criar melhores oportunidades para a população e as empresas. A importância deste pelouro surge numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) estima que a UE perca cerca de 470 mil milhões de euros por ano em investimento que não é feito na UE dada a inexistência de uma união de mercado de capitais.
A missão de Maria Luís Albuquerque vem delineada numa carta elaborada pela própria presidente da Comissão. Nesse documento, Ursula von der Leyen explicita que a antiga governante ficará encarregue de desenvolver uma União da Poupança e Investimento, que inclui concretizar o mercado de capitais e a união bancária.
“A sua ação centrar-se-á em apoiar as pessoas a pouparem melhor, em promover o capital para a inovação, em desbloquear as finanças digitais, em assegurar a competitividade do setor financeiro e em tirar partido do financiamento sustentável”, lê-se na missiva da líder alemã. Para isso, Maria Luís terá de atacar a “fragmentação do mercado de capitais” – diagnóstico feito também pelo antigo primeiro-ministro e ex presidente do BCE, Mario Draghi, no relatório que entregou em Bruxelas, na semana passada.
“Uma das principais razões para uma intervenção financeira menos eficiente na Europa reside no facto de os mercados de capitais continuarem fragmentados e de os fluxos de poupança para os mercados de capitais serem mais reduzidos”, alertou o economista. No mesmo relatório, Draghi salientou que “integrar os mercados de capitais da Europa para melhor canalizar as elevadas poupanças das famílias para investimentos produtivos na UE será essencial” para desencadear uma recuperação económica face à competição estrangeira.
A aspirante a comissária deverá conseguir mitigar essa fragmentação com a criação de “novos produtos de poupança e investimento simples e de baixo custo” na UE e ainda analisando a “viabilidade de incentivos fiscais para esses produtos”.
Assim, e agora com o relatório de Draghi a pressionar ainda mais o Executivo comunitário, Maria Luís Albuquerque terá de delinear uma estratégia que vise concretizar, finalmente, o plano para um mercado de capitais que está na gaveta há vários anos. E a experiência que traz do setor privado será essencial.
Quem o disse foi a própria presidente de origem alemã, que durante a conferência de imprensa, desdramatizou o facto de Maria Luís Albuquerque ter transitado da pasta das Finanças no Governo de Pedro Passos Coelho para integrar a Global Arrow, uma empresa de gestão de ativos, e mais tarde, em 2022, para Morgan Stanley.
Maria Luís Albuquerque vai ser excelente no portefólio. Tem um vasta experiencia como ministra das finanças e também no setor privado. Sabe as dificuldades tanto do campo político e como o do investimento privado. É uma pasta difícil, mas é a pessoa indicada.
A governante, que desde o início esteve na corrida para uma pasta económico-financeira, terá ainda outras missões. Entre elas, ficará encarregue de rever o atual quadro regulamentar para garantir que “as empresas europeias inovadoras e de rápido crescimento” e startups possam financiar a sua expansão na Europa, ao invés de migrarem para outros países. Este obstáculo foi também identificado por Mario Draghi que deu nota de que, desde 2008, perto de 30% dos unicórnios com origem na Europeia abandonaram o bloco e a maioria foi para os Estados Unidos.
Simultaneamente, Maria Luís ficará responsável por trabalhar “em medidas de absorção de riscos para atrair o financiamento privado dos bancos comerciais, dos investidores e do capital de risco” e “explorar formas de aumentar o financiamento sustentável”, dado que a União Europeia ambiciona ser líder neste setor.
A União Bancária e o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos também constam na lista de prioridades do plano de ação para a futura comissária portuguesa, ao mesmo tempo que impulsionará a proteção dos consumidores por via de uma aposta em programas de literacia financeira.
E numa altura em que a transição digital vai dando largos passos — ainda que aos olhos de Draghi, não sejam largos o suficiente — os pagamentos digitais deverão continuar a evoluir com a ajuda da inteligência artificial.
O combate à corrupção será uma missão transversal em quase todas as pastas atribuídas por von der Leyen. No caso da candidata portuguesa, a missão prende-se lançar a Autoridade de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo (AMLA, na sigla em inglês), embora não detalhe que recursos lhe serão alocados para concretizar esta meta.
Ao mesmo tempo, Maria Luís trabalhará com a futura chefe da diplomacia, Kaja Kallas, para a elaboração de sanções. Além da número dois da Comissão, para executar o plano de ação delineado por von der Leyen, Maria Luís Albuquerque trabalhará em estreita colaboração com Stéphane Séjourné, o candidato francês para Vice-Presidente Executivo para a Prosperidade e Estratégia Industrial.
Bruegel: Pasta será uma “das mais impactantes”
O think tank sediado em Bruxelas emitiu um conjunto de recomendações para os 26 aspirantes a comissários. No caso de Maria Luís, a pasta dos Serviços Financeiros “está entre as mais impactantes de toda a Comissão” por ser das poucas pastas cujas responsabilidades têm mais impacto a nível europeu, do que nacional. Mas existem desafios.
Desde logo, a ausência de uma União Bancária é para o Bruegel “a principal lacuna do quadro político da UE em matéria de serviços financeiros”, pois permite uma “perpetuação” da vulnerabilidade estrutural da zona Euro e ainda “uma fragmentação do setor bancário”. Assim, o Bruegel pede a Maria Luís que “não desista” da iniciativa e que até a inscreve-a na agenda da União Europeia “explicitamente”.
Igualmente “fragmentado”, e até “subdesenvolvido”, está o mercado de capitais apesar das várias tentativas levadas a cabo por anteriores Comissões.
Assim, o Bruegel recomenda que Maria Luís seja, acima de tudo, “consistente” nas suas políticas e avance com a transição para um “sistema coerente de regulamentação financeira da UE” e, em especial, de supervisão, “que esteja em conformidade com o princípio da subsidiariedade”.
Além disso, recomenda que seja feita uma reforma à Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (AEVMM) “para a tornar um supervisor financeiro eficaz, o que, sem dúvida, não é possível na sua conceção atual”. O think tank chega mesmo a recomendar que a nova AEVMM deverá criar gabinetes nos principais centros financeiros da UE, “se não em todos os Estados-membros” para permitir uma maior conetividade com os participantes no mercado.
Há ainda recomendações a nível do desenvolvimento de uma estratégia para o euro digital, que a sua antecessora, Mairead McGuinness, não conseguiu concretizar e um apelo para que a regulamentação dos critérios ESG (ambiental, social e de governação) continue a ser trabalhada.
Comissão pede “preparação” para audição
As responsabilidades atribuídas por von der Leyen não são, no entanto, imunes a alterações. Afinal de contas, o mandato da Comissão Europeia é de cinco anos, e numa altura em que o bloco europeu e o mundo enfrentam grandes transições, será expectável que o plano de ação de cada comissário vá sendo adaptado.
Certo é que Ursula von der Leyen será rigorosa com a sua equipa e exigirá à comissária dos Serviços Financeiros que faça reportes da evolução do seu trabalho a cada seis meses.
Mas até lá, Maria Luís Albuquerque terá de enfrentar o escrutínio do Parlamento Europeu. Von der Leyen aconselha à futura comissária que se “prepare para as audições”.
A nomeação da ex-ministra das Finanças ao cargo não é, no entanto, definitiva. Maria Luís Albuquerque terá ainda de passar por um processo de escrutínio no Parlamento Europeu que começará com uma avaliação da idoneidade pela Comissão dos Assuntos Jurídicos (JÚRI) e a resposta a um questionário geral por escrito.
Antes disso, os indigitados entregarão aos eurodeputados um conjunto de elementos, nomeadamente, a declaração de interesses, o currículo e a carta de missão. Esta última será também entregue ao Conselho Europeu. Só depois de estarem reunidas todas as condições é que começarão as audições presenciais pelos respetivos comités. O processo deverá arrancar em outubro para que a nova Comissão entre em funções a 1 de novembro.
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