“Exageramos um pouco o problema da fuga de cérebros”

IRS Jovem para manter as gerações mais novas em Portugal? "Soa um bocadinho a gota de água no oceano", atira o economista Luís Cabral. A prioridade deveria ser ter empregos adequados aos jovens.

Convém não exagerar os custos da fuga de cérebros“. As palavras são do economista e professor da Universidade de Nova Iorque Luís Cabral. Não é que não existam problemas, admite em entrevista ao ECO. Mas a tendência para esse talento voltar para Portugal é “muito superior” ao que acontece “na maior parte dos países que sofrem deste problema”. E, no regresso, estes profissionais trazem novas experiências e habilitações que geram valor, sublinha o também diretor académico do novo instituto de políticas públicas da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE), que será apresentado esta sexta-feira.

Ainda sobre os jovens, Luís Cabral defende que as medidas mais importantes são as que levam à criação de empregos adequados às habilitações desse talento, sendo as medidas fiscais (como o IRS Jovem) uma “gota no oceano“.

É preciso dar um benefício muito, muito grande para convencer a ficar uma pessoa que tem uma oferta para trabalhar em Londres ou em Munique, com uma perspetiva de carreira muito mais interessante, e um salário muito maior. Vai ser muito difícil fazer isso à custa de incentivo fiscal”, atira o economista.

Nesta entrevista, Luís Cabral deixa ainda um aviso quanto ao Orçamento do Estado para 2025: um chumbo seria mau para a economia e para o país.

Esta é uma de duas partes desta entrevista do professor Luís Cabral ao ECO. Na outra (que pode ler aqui), debruça-se sobre a produtividade, o IRC, a crise na habitação e o mercado de arrendamento, bem como a competitividade internacional.

As instituições sindicais protegem os empregados e não o emprego. Os grandes prejudicados são os jovens.

Falou em instabilidade legal no mercado de arrendamento [pode ler aqui]. A legislação laboral em Portugal tem mudado várias vezes nos últimos anos. Em 2023, o Governo aprovou dezenas de medidas. O novo Governo diz que quer revisitar essas mudanças. Faz sentido estar sempre a mudar a lei do trabalho?

É um bom exemplo. Tem semelhanças com o mercado de arrendamento. Mais uma vez, é juntar o inútil ao desagradável. Nem estamos a proteger os trabalhadores e os empregos, nem estamos a incentivar as empresas a criar empregos. Estamos num impasse. O caso do emprego tem um aspeto adicional, que é o facto de as instituições sindicais protegerem os empregados e não o emprego. Os grandes prejudicados são os jovens.

De que modo? Pode concretizar?

Nos anos 90, foi feito um estudo nos Estados Unidos muito interessante, que mostrou que, por cada emprego de uma pessoa de 50 anos que protejo com legislação laboral muito rígida, estou a destruir potenciais empregos criados para jovens licenciados. Uma empresa, quando está perante uma legislação laboral com muito pouca flexibilidade, fica mais relutante ao criar novos empregos. Quando crio um novo emprego, o custo não é apenas o salário a pagar e as contribuições, mas também a potencial responsabilidade que isso implica no futuro.

A taxa de desemprego jovem é cerca do triplo da taxa para o mercado global. A rigidez da lei laboral pode, então, ser um contributo negativo para isso?

Temos também verificado um êxodo da população jovem, nomeadamente com maiores graus de habilitações. Não existe um motivo único. A flexibilidade laboral é um elemento também. Por que é que não existe mais investimento que crie empregos em outras áreas que não simplesmente o turismo? Em parte, tem que ver com isso.

Luís Cabral, diretor académico do instituto de políticas públicas da Nova SBE, em entrevista ao ECO. Luís Ribeiro/ECO

Em relação aos jovens, que políticas públicas podemos adotar para evitar aquilo a que chama um êxodo? Os Governos têm apostado no IRS Jovem. Que avaliação faz dessa medida?

Não conheço em pormenor, mas penso que as medidas mais importantes são as que levem a um maior incentivo para criação de empregos. Porquê estar a tentar convencer um jovem a ficar em Portugal baixando o imposto, sendo que não existe um emprego [adequado]? É preciso dar um benefício muito, muito grande para convencer a ficar uma pessoa que tem uma oferta para trabalhar em Londres ou em Munique, com uma perspetiva de carreira muito mais interessante e um salário muito maior. Vai ser muito difícil fazer isso à custa de incentivo fiscal. Soa um bocadinho a gota de água no oceano. Temos de pensar mais em termos de longo prazo, e criar condições para que haja investimento que leve à criação de empregos com altos níveis de produtividade e que correspondam a essas habilitações. Por outro lado, também convém não exagerar os custos da fuga de cérebros.

Há pânico em excesso?

Grande parte da fuga de cérebros é international practical training [formação prática internacional]. Esta geração de portugueses, por causa do programa Erasmus principalmente, é a primeira verdadeiramente europeia. Têm amigos por todo o lado, já viveram em vários países, são fluentes em inglês, são licenciados. É uma geração muito bem qualificada e muito internacional. Exageramos um pouco o problema da fuga de cérebros. Grande parte são pessoas que vão adquirir mais contactos e mais habilitações, que poderão ter também um grande benefício para o país.

O problema é não voltarem para o país.

A tendência para voltar a Portugal é muito superior à da maior parte dos países que sofrem do problema da fuga de cérebros. Portugal é um país muito apetecível, é um grande trunfo que nós temos. Não quer dizer que não haja problemas, mas talvez não devamos dramatizar assim tanto quanto isso. Há que criar condições a médio e longo prazo para que essas pessoas ou fiquem em Portugal ou regressem ao país.

Se quiser contratar uma pessoa e dar mil euros para levar para casa, tenho de gastar 2.000 euros… Os incentivos para as empresas criarem empregos são muito baixos.

Falemos da tributação sobre os rendimentos do trabalho. Chegou a defender uma retirada da tributação do trabalho ao limite. Estamos a falar de um IRS zero? Porquê?

O problema é geral. Não é só de Portugal. A tributação do trabalho responde não tanto a um desenho ótimo e económico do sistema fiscal baseado em questões de eficiência, mas mais uma questão de eficácia. É fácil tributar o trabalho. A mobilidade laboral é menor que a mobilidade de capital. O trabalho é um direito fundamental da pessoa. Se continuarmos a tributar o trabalho da mesma forma, que é, para efeitos práticos, se quiser contratar uma pessoa e dar mil euros para levar para casa, tenho de gastar 2.000 euros… Os incentivos para as empresas criarem empregos são muito baixos. Os incentivos para as empresas conseguirem inovações que substituam esse trabalho são muito grandes.

Mas porquê baixar o IRS em vez do IRC, como já defendeu anteriormente?

O que gostaria de fazer era uma estrutura tributária que fosse um bocadinho mais favorável ao trabalho e menos ao lucro. Não se trata de tributar mais as empresas. É uma questão de reequilíbrio dessa carga fiscal. Não é necessariamente tributar mais as empresas como um todo, é mudar a estrutura da tributação. No presente e no futuro, isso seria importante, neste admirável mundo novo em que a inteligência artificial vai, cada vez mais, destruir muitos empregos.

A Confederação Empresarial de Portugal propôs ao Governo a possibilidade de as empresas darem um 15.º mês de salário, sem impostos e contribuições. Poderia ser um passo no caminho que sugere?

Há várias formas de implementar esta ideia geral de diminuir o fosso entre o que a empresa gasta e o que o trabalhador. Não olhei para a proposta, mas estou convencido de que criar um 15.º mês com isenção fiscal é o equivalente, para efeitos práticos, a reduzir a contribuição empresarial de cada emprego. Há várias maneiras de chegar a um fim.

Sei que vive nos Estados Unidos e não acompanha plenamente a política nacional. A menos de um mês da apresentação do Orçamento do Estado para 2025, a aprovação ainda não está garantida. O país deve estar preocupado?

É claramente um problema. Por analogia à incerteza legal no mercado da habitação e no mercado laboral, há aqui também um elemento de incerteza.

Em duodécimos, não conseguimos resolver o problema da produtividade, do crescimento e todos os demais que estão identificados?

Se um Orçamento não é aprovado a tempo, e entramos em duodécimos, isso gera um ambiente de instabilidade e incerteza governamental que é mau. Torna um Governo que poderia ter uma aposta mais de médio prazo num Governo mais de curto prazo médio. Em geral, é mau para a economia, é mau para o Governo, é mau para o país.

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