Licenciamento de postos de carregamento de elétricos “é uma tortura”, critica líder da Endesa em Portugal

  • Lusa
  • 8:57

"Temos projetos parados por causa do processo de licenciamento, ou porque se está à espera do ponto de ligação, ou que a Câmara dê um papel", diz Guillermo Soler, diretor-geral da Endesa em Portugal.

O diretor-geral da Endesa em Portugal disse que a empresa tem investimentos em postos de carregamento de veículos elétricos parados devido ao processo de licenciamento que é “uma tortura” e mais longo do que a obra.

“O processo de licenciamento é uma tortura – e é uma tortura em Espanha e em Portugal – nós temos projetos parados por causa do processo de licenciamento, ou porque se está à espera do ponto de ligação, ou que a Câmara [Municipal] dê um papel”, lamentou Guillermo Soler, em entrevista à agência Lusa.

O responsável apontou que o processo administrativo para a instalação de pontos de carregamento de veículos elétricos é mais longo do que a própria instalação dos equipamentos.

No entanto, ressalvou, a partir do momento em que os postos estão instalados, o sistema de mobilidade elétrica está mais desenvolvido do que em Espanha, salientando também a vantagem da rede Mobi.E, que agrega a maioria dos postos de carregamento disponíveis para utilização pública em todo país.

Na semana passada, o presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), Pedro Faria, defendeu o reforço da rede de carregamentos de veículos elétricos, durante uma conferência promovida pela Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE), em Lisboa.

Pedro Faria relatou casos em que um ponto de carregamento está pronto a operar, mas leva quase dois anos a conseguir que lá chegue a potência necessária. “Atualmente, temos uma situação inaceitável nas autoestradas, ninguém vai mudar para mobilidade elétrica se vê cinco carros na fila para carregarem na estação de serviço, estamos com uma dificuldade muito grande”, alertou.

Neste tema, a associação entende que a lei deve ser revista, para agilizar a instalação e entrada em funcionamento dos postos, e deu o exemplo de França, onde a concessão das estações de serviço foi separada da dos postos de carregamento elétrico.

Interesse para leilão de distribuição de baixa tensão

A Endesa vai olhar com interesse para o leilão de distribuição de eletricidade em baixa tensão, que foi parado pelo atual Governo para rever o modelo. “É algo que nós vamos olhar com interesse, com cautela também, para perceber qual é o modelo e quais vão ser as regras de funcionamento deste leilão, para ver se nos interessa entrar ou não”, afirmou Guillermo Soler.

O anterior Governo do PS tinha previsto publicar o leilão de distribuição de eletricidade em baixa tensão até ao final deste ano, mas o atual Governo decidiu ‘pôr o pé no travão’, para reformular o modelo.

A Endesa, que em Portugal não atua na distribuição de energia, acredita que “as redes têm um desafio espetacular pela frente”, não só no que diz respeito à baixa tensão, mas também às de média e alta tensão. “A grande dificuldade na expansão dos projetos renováveis em Portugal, mas também em Espanha, é normal, é algo conhecido por todos os atores e pelo Governo, é a limitação das redes”, apontou Guillermo Soler.

O responsável defendeu que é preciso fazer um esforço de investimento para preparar as redes com capacidade para absorver todos os objetivos de renováveis que estão previstos até 2030 e também preparar as redes de baixa tensão para o “consumo do futuro”, que é “absolutamente digital” e “totalmente diferente do atual”.

Relativamente ao leilão de baixa tensão, a Endesa diz que tem de perceber se vai fazer sentido do ponto de vista económico e de rentabilidade e explicou que o grupo de trabalho, que tem de apresentar à ministra a sua proposta até 15 de dezembro, tem como objeto, basicamente, procurar o equilíbrio entre o melhor modelo para ter as melhores redes preparadas no curto prazo e respeitar o interesse económico dos municípios, por um lado, e das empresas que têm de participar.

“Em projetos da dimensão, como os que a Endesa está a desenvolver, e não estamos a falar de projetos pequenos, a preparação das redes e este investimento que tem de se fazer é fundamental, senão vamos provocar um funil, que por muita vontade de investimento que tenham as empresas, no fim não conseguem concretizar os projetos”, afirmou o responsável.

Guillermo Soler salientou que as empresas têm determinado valor disponível para investir e, “se não há condições de investimento no mercado português, que é altamente interessante, porque, ainda por cima, tem uma regulação muito estável, vão ter de pôr o dinheiro em outro lugar”. O responsável destacou ainda a demora nos processos de licenciamento para projetos renováveis, que podem levar mais de um ano, mas disse acreditar que este tema é uma prioridade para o atual Governo, que parece estar a procurar soluções.

Adicionalmente, para a Endesa, Portugal deve também trabalhar na criação de um mercado de capacidade, para armazenar energia renovável em baterias. “Vamos ter que desenvolver este mercado de capacidade que, fundamentalmente, tem de passar por incentivos económicos para os ‘players’ desenvolverem as baterias” e que devem ser equivalentes em Portugal e em Espanha, para não “romper a visão de mercado ibérico”, defendeu.

Estabilidade nos preços é “fator diferencial” para clientes

O diretor-geral da Endesa considerou, na mesma entrevista à Lusa, que a estabilidade nos preços da energia é um fator diferencial para os clientes, que estão cada vez mais informados dos seus direitos e do funcionamento do mercado. “Sobretudo nos últimos anos, é um fator diferencial e é um dos elementos que os clientes mais valorizam neste momento, a garantia de preço”, apontou Guillermo Soler.

A Endesa, que está em Portugal na área comercial de forma ininterrupta há mais de duas décadas, é atualmente o segundo operador em número de clientes no mercado elétrico e tem como objetivo manter-se nesta posição. “Somos dos poucos operadores que, quando oferecemos um contrato a um cliente, garantem os preços durante um ano, […] e não é uma prática comum, porque já sabemos que os mercados grossistas apresentam oscilações relevantes”, realçou o responsável da elétrica.

Guillermo Soler destacou ainda que o cliente português “está muito mais informado dos seus direitos e de como funciona o mercado” do que o espanhol e que isso também se deve ao trabalho da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

“Creio que temos um bom regulador em Portugal, que define muito bem as regras, de uma forma muito transparente e todos sabemos como temos de trabalhar”, afirmou, comparando, a título de exemplo, com o setor das telecomunicações, onde são permitidas fidelizações de clientes. “O cliente doméstico português sabe que pode entrar e sair e procurar melhores propostas a qualquer momento”, sublinhou.

Guillermo Soler, diretor-geral da Endesa em PortugalLusa

Questionado sobre a melhor forma de conseguir preços de eletricidade mais estáveis e previsíveis para as famílias, o diretor-geral considerou que a contribuição das energias renováveis é fundamental, porque afetará diretamente a composição do preço grossista.

O responsável apontou que a nova proposta de desenho do mercado elétrico europeu introduz alguns elementos que visam precisamente evitar as oscilações de preços, sobretudo em momentos de crises, como, por exemplo, a promoção da utilização dos contratos de longa duração de venda de energia (PPA).

Guillermo Soler vincou que um mercado de capacidade que permita armazenar energia renovável em grandes quantidades também ajuda a evitar situações como a que aconteceu este ano, com uma revisão excecional de tarifas em junho, que levou ao aumento dos preços.

“Nós tomámos uma decisão muito relevante no mês de maio, ao tomarmos conhecimento da revisão excecional das taxas, que consiste em não aplicar a taxa social no setor doméstico durante o ano de 2024 e estamos a falar de um impacto nas nossas demonstrações de resultados de algo semelhante a dois milhões e meio de euros que não passamos para os clientes”, disse o responsável.

Os custos da tarifa social de eletricidade passaram a ser partilhados entre produtores, comercializadores e restantes agentes no mercado de consumo de energia elétrica, após a Comissão Europeia ter dado razão à queixa da EDP. Esta medida permite que os comercializadores repercutam este custo na fatura aos clientes, se assim entenderem.

“Neste momento, o regulador está a definir as tarifas para entrada em vigor em 01 de janeiro, em princípio, a primeira proposta deverá ser conhecida em meados do mês de outubro, e quando tivermos essa proposta, vamos avaliar qual vai ser a nossa estratégia [para a tarifa social em 2025]”, explicou Guillermo Soler.

Abandona gás para produção de eletricidade em 2040

A Endesa decidiu abandonar a produção de eletricidade com gás natural em 2040 e apostar na eletrificação. “Nós, em 2040, vamos abandonar o gás, como uma medida de descarbonização clara e estratégica e apostamos na eletrificação”, anunciou o diretor-geral da Endesa em Portugal, que assumiu a liderança da empresa em fevereiro de 2023, sucedendo a Nuno Ribeiro da Silva.

Em Portugal existem quatro centrais de ciclo combinado a gás natural – Ribatejo, Lares, Pego e Tapada do Outeiro – que dão capacidade ao sistema elétrico nacional para reagir quando faltam as fontes de energia renovável.

A Endesa apontou que nenhuma elétrica anunciou ainda a mesma decisão, porque é uma decisão audaz e sem retorno, tal como aconteceu com o carvão. “Em geração, em Portugal, a principal premissa é a descarbonização, encerrámos a Central do Pego, que era a carvão, e a de Las Puentes, em Espanha, que eram as duas últimas duas centrais a carvão da Península Ibérica, e temos um objetivo de deixar o gás no ano de 2040, ou seja, do ponto de vista estratégico na geração, a descarbonização é o principal”, realçou o responsável.

A Central Termoelétrica do Pego, no concelho de Abrantes (Santarém), da qual a Endesa era acionista, deixou de produzir energia a partir do carvão em novembro de 2021, após uma decisão do Governo, no âmbito da estratégia de descarbonização nacional que, segundo representantes sindicais, afetou 150 trabalhadores e 350 familiares, numa localidade de 2.500 habitantes.

A Endesa ganhou o concurso de transição justa para a reconversão da Central Termoelétrica do Pego, com um projeto de investimento de cerca de 700 milhões de euros, que combina a hibridização de fontes renováveis (solar fotovoltaica e eólica) e o seu armazenamento, com iniciativas de desenvolvimento social e económico.

Dada a complexidade do projeto, a empresa decidiu dividi-lo em quatro blocos, que estão em diferentes fases de tramitação ambiental, com vista à entrada em funcionamento em 2027, sendo que o primeiro bloco de Aranhas, para energia eólica equivalente ao consumo de 350.000 habitações durante um ano, aguarda os resultados da consulta pública.

“Creio que o trabalho de preparação desta permissão ambiental foi feito com uma consideração e uma sensibilidade muito alta, estamos confiantes que não vamos ter grandes problemas, mas há que esperar pelo resultado da consulta pública”, disse Guillermo Soler.

O projeto para o Pego prevê que, num único ponto de ligação à rede, seja introduzida eletricidade proveniente de diferentes tecnologias e daí a entrada em funcionamento em termos comerciais esteja prevista para 2027, para que sejam realizados os testes necessários a garantir que esta hibridização funciona corretamente.

“Num dia em que faça sol, será possível injetar energia [solar] no ponto de ligação, mas se, adicionalmente, nesse dia também tivermos vento, a limitação do ponto de ligação vai obrigar a guardar energia em baterias”, explicou o diretor-geral, realçando que este processo “tem uma complexidade que não é unicamente a de desenvolver o parque eólico, ou fotovoltaico, ou a bateria, ou o eletrolisador”.

Além do “projeto estrela” no Pego, a Endesa tem em Portugal outros dois projetos de menores dimensões que deverão estar prontos a operar sensivelmente ao mesmo tempo que o do Pego, depois de ter ganhado o leilão solar flutuante na albufeira do Alto da Rabagão, em Montalegre, e também o parque fotovoltaico Pereiro, no Algarve, obtido a partir do leilão de 2020.

“No total, nestes três projetos, estamos a falar de um investimento de 925 milhões de euros para Portugal e estamos a falar de 1 gigawatt (GW) de potência instalada no país, que já é uma potência muito relevante”, salientou Guillermo Soler.

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