“Faltam incentivos reais às fusões e aquisições de empresas”

O sócio fundador da RFF Advogados, Rogério Fernandes Ferreira, considera que as reformas na legislação processual tributária levam tempo a produzir efeitos concretos.

Com uma carreira de mais de 35 anos dedicados ao direito fiscal, Rogério Fernandes Ferreira é fundador da RFF Advogados, a primeira boutique de fiscal do país, criada em maio de 2012. No currículo, o advogado inclui uma passagem pelo Governo como secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com o socialista e líder do Executivo, António Guterres.

Agora, em julho, o Governo criou uma comissão para acelerar os processos entre a Autoridade Tributária e os contribuintes. A Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das ­Garantias dos Contribuintes terá de apresentar “um projeto de alterações legislativas no prazo de seis meses que será presidida pelo advogado fiscalista. Começou a carreira como advogado em prática individual na Fernandes Ferreira – Advogados (de 1989 a 2000) passando depois como sócio de capital da Sérvulo Correia & Associados. De 2004 a 2012, foi sócio de capital e coordenador da área de prática fiscal na PLMJ.

Rogério Fernandes Ferreira, sócio fundador e managing partner da RFF Lawyers, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Concorda com o Ministro das Finanças de que este é um bom orçamento?

É um orçamento sitiado no contexto de uma minoria parlamentar e que, ainda assim, nos deixa alguns bons sinais. É o caso da economia das alterações fiscais, que são felizmente parcas, da descida da taxa do IRC, da atualização dos escalões de rendimento acima da inflação, da descida consistente da dívida pública, ou da mera inexistência dos “cavaleiros orçamentais”, isto é, de normas extra orçamentais que têm pululado em orçamentos anteriores e que pouco ou nada têm a ver com receitas ou despesas públicas. Tudo aspetos meritórios e a lei do Orçamento não podia continuar a ser uma banca de alterações por atacado.

Este é um OE em que pouco se discutem as propostas concretas, mas apenas tática política?

É, de facto, lamentável o número de muitas das questões laterais trazidas a público e que criam ruído numa discussão que devia ser serena, informada e sobre a política financeira e orçamental do ano seguinte, não permitindo uma reflexão tranquila sobre escolhas públicas.

Este poderia ser um OE do PS?

Creio que não, ou o PS teria de explicar porque não propôs, nos últimos anos, reduzir a taxa geral do IRC, para dar um exemplo, mas é uma proposta que pretende conciliar vontades políticas diferentes.

As reformas na legislação processual tributária levam tempo a produzir efeitos concretos. Além disso, têm sido feitas alterações ao longo dos anos, demonstrando a atenção dada à necessidade de alguma atualização.

Rogério Fernandes Ferreira

Sócio fundador da RFF

Os jovens são os principais beneficiários deste OE?

O IRS jovem é uma das medidas mais simbólicas. Mas não sou otimista. A retenção dos jovens, a maternidade, ou a demografia não se resolvem por decreto, nem por via fiscal. E esta medida levanta para além de problemas de discriminação estrutural em função da idade, como afastarão os jovens adultos com ou mais anos, após 10 anos de investimento por via de redução do IRS, o que só um novo exit tax poderia vir a resolver.

E as empresas, como foram tratadas neste Orçamento?

Para além da descida de um ponto percentual na taxa nominal geral do IRC e das taxas de tributação autónoma das despesas das empresas, propõe-se um reforço importante nos incentivos à capitalização das empresas, o que é positivo. Mas a redução de 1% da taxa nominal geral do IRC, sendo uma medida simbólica, sinaliza um importante impacto na generalidade das médias empresas que pagam impostos e, principalmente, no posicionamento e na comunicação internacional de Portugal. Ainda que a manutenção das derramas, municipais e estadual, mantenham o imposto como progressivo, quando devia ser proporcional e não penalizar a fusão das empresas, que aliás devia ser incentivado, em vez de penalizado por esta via. Não podemos continuar a proteger as micro e as pequenas empresas de modo a impedi-las de pagar impostos e de se tornarem médias ou grandes. Continuam a faltar incentivos reais às fusões e às aquisições de empresas.

Rogério Fernandes Ferreira, sócio fundador e managing partner da RFF Lawyers, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

A confiança no aumento da receita por via dos impostos indiretos é excessiva?

Creio que, neste momento, a estimativa das receitas dos impostos sobre o consumo dependerá bem mais do comportamento da inflação do que da esperança no aumento do consumo privado, sendo curioso verificar que, apesar de a receita do IRS diminuir em 5,8%, os impostos diretos sobem, mas muito à custa de “outros” impostos que nem os deputados sabem concretamente quais são e quanto valem e onde certamente se encontrarão muitas das novas contribuições que pululam anualmente pelos orçamentos há já muitos anos, alguns há mais de uma década, e que que teimam em se manter e não ousar dizer o seu nome próprio nome. O nosso Professor Sousa Franco chamava-lhes receitas parafiscais, mas agora são contribuições financeiras setoriais, que violam amiúde o princípio da igualdade como o Tribunal Constitucional já veio a reconhecer, além de outros princípios que se tem escusado de apreciar.

As alterações ao nível das tributações autónomas são uma compensação suficiente pela descida de apenas um ponto percentual do IRC?

A tributação autónoma das despesas com viaturas ligeiras de passageiros e outras despesas poderá ter algum impacto em muitas empresas, mas não é algo que possa ser visto como “emblemático” na transversalidade de um imposto sobre o lucro das empresas como é o IRC em Portugal, nem, sequer, como “bandeira” em termos de competitividade internacional, dado o caráter seu caráter esdrúxulo de imposto sobre a despesa e que é apenas justificável enquanto norma anti abuso.

A arbitragem tributária é um mecanismo alternativo e complementar de resolver litígios fiscais, mas está longe de substituir a justiça tributária estadual, até porque não é aplicável a todos os casos.

Rogério Fernandes Ferreira

Sócio fundador da RFF

A modelação do IRS Jovem tornou a medida melhor? Mais justa?

Já lhe deixei a minha opinião sobre esta medida, de que discordo pelas razões já apontadas, mas há que reconhecer que a aplicação das isenções previstas no IRS jovem deixará de estar dependente da conclusão de ciclos de estudos de ensino superior, o que, sendo mais transversal, tornará o regime mais justo, abrangerá um maior número de pessoas e torná-lo-á menos burocrático, mas isso não lhe retira o seu caráter estrutural discriminatório.

O IRS jovem é demasiado caro para não se ter a certeza se fixa os jovens em Portugal?

Atualmente, um em cada três jovens formados em Portugal já emigrou. Somos um país pequeno, sem indústria relevante, de serviços, com fraca capacidade para competir em economias ocidentais e de mercado e noutras com crescimentos acentuados. Por isso, a estratégia adotada nos últimos anos tem sido a de apostar na educação. Mas a verdade é que não há milagres, é impossível impedir por decreto a saída dos nossos jovens sem beliscar a liberdade individual, pelo que todas as medidas que incentivem a permanência em Portugal dos nossos “talentos” em Portugal e nos permitam atrair outros jovens talentos para um país que, além do mais, tem problemas demográficos graves e falta de pessoal especializado, deveriam ser muito bem-vindas e acarinhadas.

Rogério Fernandes Ferreira, sócio fundador e managing partner da RFF Lawyers, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Quais os riscos deste OE?

O principal risco deste Orçamento do Estado está no equilíbrio orçamental, atenta a redução da receita que promove, resultante das medidas de alívio fiscal, como no IRS, no IRC e noutros benefícios, e o aumento da despesa pública que implica, o que, numa conjuntura internacional recessiva ou instável, pode suscitar problemas.

Foi nomeado presidente da Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos Contribuintes. Será apresentado em janeiro?

Vamos ver, certamente durante o primeiro trimestre do próximo ano, estamos a terminar, agora, este mês, a fase das audiências – e foram muitas -, onde ouvimos muitos agentes da justiça tributária – incluindo magistrados, contribuintes e Administração tributária, em sentido amplo. Segue-se depois o relatório, de que temos já uma primeiríssima versão, e as medidas e alterações a apresentar ao Governo. As medidas serão concretas e pontuais, esta comissão de reforma, mais do que reformar, pretende aperfeiçoar e clarificar.

Já nos pode dar umas luzes do que podemos esperar desse pacote legislativo?

Ainda não.

Creio que este não é um OE que poderia ser do PS, porque aí teria de explicar porque não propôs, nos últimos anos, reduzir a taxa geral do IRC, para dar um exemplo, mas é uma proposta que pretende conciliar vontades políticas diferentes.

Rogério Fernandes Ferreira

Sócio fundador da RFF

Qual a importância do contencioso tributário para a definição de relação jurídica fiscal que se estabelece entre o Estado e os contribuintes?

O contencioso tributário é fundamental para assegurar uma relação justa e equilibrada entre o Estado e os contribuintes, garante que, em situações de divergência, os direitos dos cidadãos são respeitados, repondo a justiça na aplicação dos impostos e assegurando a transparência e a legalidade nas ações do Estado, reforçando a confiança na justiça e no sistema fiscal.

O funcionamento célere e eficiente da justiça tributária arbitral não provocou uma falta de investimento na justiça tributária estadual?

Creio que não. A arbitragem tributária é um mecanismo alternativo e complementar de resolver litígios fiscais, mas está longe de substituir a justiça tributária estadual, até porque não é aplicável a todos os casos. Além disso, até ao momento, não há indicadores, nem estatísticos, nem orçamentais, que demonstrem que o seu funcionamento tenha desviado recursos ou investimentos da justiça estadual. Trata-se, antes, de uma alternativa que visa garantir uma resposta mais rápida e informal em determinados casos que o legislador define e a Administração tributária se auto-vincula.

Rogério Fernandes Ferreira, sócio fundador e managing partner da RFF Lawyers, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Houve uma falta de vontade política para a reforma legislativa da legislação processual tributária até aqui?

Não vejo que se trate, propriamente, de falta de vontade política. As reformas mais estruturais do contencioso tributário surgiram sempre no âmbito e no final de uma reforma estrutural do sistema fiscal e, concretamente, dos impostos diretos e são muito parcas. O Código de Processo das Contribuições e Impostos, de 1963, é o último diploma da reforma do Professor Teixeira Ribeiro. E, tal como aliás se diz no seu preâmbulo, a reforma do professor Pitta e Cunha de 1988 ficaria inacabada sem o Código de Processo Tributário de 1991. O nosso atual Código de Procedimento e do Processo Tributário, em vigor desde 2000, só surge em virtude da aprovação da Lei Geral Tributária de 1999 e, um pouco mais tarde, do Regime Geral das Infrações Tributárias. De resto, as alterações ao processo e ao procedimento tributários têm sido muitas, anuais, mas pontuais e não sistémicas. O contencioso tributário, que é de (mera) anulação, com alguns outros laivos, é simples e ainda funciona bem. Mas pode funcionar melhor. As reformas na legislação processual tributária levam tempo a produzir efeitos concretos. Além disso, têm sido feitas alterações ao longo dos anos, demonstrando a atenção dada à necessidade de alguma atualização. A constituição desta Comissão para a Revisão do Processo e Procedimento Tributário e das Garantias dos Contribuintes decorre deste compromisso dos seus membros para este aperfeiçoamento e evolução.

Vê algumas melhorias nesta área dos TAF depois de oito anos de PS no poder?

Houve progresso na redução das pendências processuais nos TAF ao longo destes anos, mas ainda não é suficiente, muito à custa de novos juízes. Com a reforma em curso esperamos que o cenário melhore de forma mais significativa, agilizando o sistema legal, tornando-o mais eficiente e célere. O esforço tem sido feito, mas ainda este caminho a percorrer.

A tributação autónoma das despesas com viaturas ligeiras de passageiros e outras despesas poderá ter algum impacto em muitas empresas, mas não é algo que possa ser visto como emblemático.

Rogério Fernandes Ferreira

Sócio fundador da RFF

Falando agora do mercado da advocacia, o futuro está nas boutiques especializadas para se ser verdadeiramente especializado?

A diferenciação possível num mercado global e concorrencial com novos players de relevo, como as grandes consultoras e os escritórios internacionais, será precisamente a da especialização e a do aprofundamento do conhecimento da lei, do cliente e do mercado, nacional e internacional.

Uma PLMJ, VdA ou Morais Leitão podem garantir a mesma atenção aos clientes que uma RFF Lawyers?

(risos) …são estruturas mais pesadas e impessoais, mas, principalmente, menos especializadas do que os escritórios boutique, como o nosso ou, mesmo, do que os das consultoras num futuro próximo. O que lhes sobra de abrangência, falta-lhes em sofisticação de análise no que não se especializaram, na relação mais direta com o cliente, no sigilo, na agilidade e capacidade de adaptação e na resposta em matérias mais específicas e concretas.

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