Costa desvaloriza ameaças de Trump: “Porque haveria de querer uma guerra comercial?”
A poucos dias de chegar à presidência do Conselho Europeu, Costa aponta Trump como uma das prioridades do seu mandato em Bruxelas. E sobre a Operação Influencer, desvaloriza. "Já ninguém fala disso".
A poucos dias de tomar posse como futuro presidente do Conselho Europeu, António Costa sentou-se com o Financial Times para uma entrevista para a rubrica “Lunch with the FT”, um momento no qual foram abordados os principais temas que vão marcar o primeiro mandato de dois anos e meio à frente da instituição que reúne os 27 Estados-membros – um deles, Donald Trump.
“Precisamos de falar com ele o mais rapidamente possível“, afirmou Costa, sublinhando que a União Europeia (UE) tem de estar “preparada” para a eventualidade de Trump estar mais “radical, mais assertivo” com as suas políticas agora que regressa à Casa Branca, ao fim de quatro anos. “Temos de encontrar um ponto de confiança e gerir as nossas diferenças. Se não fizermos isso, teremos um problema para o mundo inteiro. Não apenas para nós e para eles“, disse.
Em causa está a promessa deixada por Donald Trump, durante a campanha eleitoral, na qual prometia que se fosse eleito iria aplicar taxas aduaneiras às importações europeias na ordem dos 20%, enquanto as importações chinesas seriam taxadas em 60%.
A partir de Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, não esperou até já ter a sua equipa plenamente em funções para encetar um diálogo com o futuro presidente norte-americano, tendo já sinalizado a intenção de aumentar as importações de gás natural liquefeito (GNL) como moeda de troca. Mas será preciso ir mais longe, e António Costa, juntamente com a futura chefe da diplomacia, Kaja Kallas, ficarão encarregues de mitigar os potenciais impactos económicos provenientes do outro lado do Atlântico.
Não só económicos, como também militares, numa altura em que as tensões geopolíticas sobem de tom. Certo que Trump não terá esquecido a ameaça de abandonar a NATO a menos que os restantes países aumentem as despesas militares, Costa diz, ainda assim, que essa realidade só será possível com “uma Europa mais forte”.
“Não é do interesse dos Estados Unidos criar demasiados problemas económicos à Europa, porque depois será mais difícil pagar a nossa própria defesa“, argumenta o ex-primeiro-ministro, dizendo ter memória de ouvir Trump dizer que “não quer envolver os Estados Unidos em novas guerras. Porque quereria ele uma guerra comercial com a Europa?”, questiona.
Sobre a Ucrânia, Donald Trump prometeu, diversas vezes, que aquando da tomada de posse que seria capaz de pôr fim à guerra, prontamente – uma promessa que não convenceu muitos líderes europeus, sobretudo Costa.
“Tenho muita curiosidade em saber como é que Trump diz que, com dois telefonemas, consegue acabar com a guerra [na Ucrânia] em 24 horas”, comenta o futuro presidente do Conselho Europeu. “Espero que acabe a guerra de uma forma justa, mas que assegure uma paz duradoura, não apenas durante o tempo do nosso almoço.”
Mas não são apenas as crises externas que vão marcar o mandato de António Costa no Conselho Europeu. A nível político, entre os Estados-membros e o Parlamento Europeu assiste-se a uma viragem à direita e, em alguns casos, uma direita mais extremada que pode fragilizar o projeto europeu. Por um lado, a Alemanha está a poucos meses de ir a eleições antecipadas depois da “coligação semáforo” de Olaf Scholz ter caído por terra. As sondagens antecipam um regresso da CDU, numa altura em que o motor económico do bloco europeu resiste a uma recessão.
Por outro, a estabilidade política em França ainda não está a assegurada. Depois de uma vitória robusta do partido de Marine Le Pen nas eleições europeias, tendo levado à dissolução da Assembleia daquele país, a preocupação de que a líder do partido chegue à presidência, sucedendo a Emmanuel Macron, daqui a três anos, torna-se numa possibilidade. E numa altura em que a Europa deve focar-se em reforçar a sua competitividade face ao mercado externo, ter as duas principais peças da Europa num estado frágil torna o desafio ainda maior.
“Normalmente, a Europa funciona melhor em momentos de crise”, diz, aludindo à pandemia, altura em que foi emitida um dívida conjunta no bloco e a compra conjunta de armas para apoiar a Ucrânia. “Vai ser muito, muito, muito difícil”, admite. “Mas as pessoas têm uma mente mais aberta e são muito realistas quanto à dimensão dos problemas”, responde.
Mas para isso será preciso que os líderes políticos tenham essa disponibilidade. Há um ano, a mesa redonda do Conselho Europeu, contava com António Costa, Pedro Sánchez e Olaf Scholz como os socialistas de peso da UE. Mas com a saída do ex-primeiro-ministro e eventualmente do líder alemão, o líder espanhol ficará mais isolado na ala centro-esquerda, enquanto a direita ganha peso.
“A Europa é sinónimo de diversidade. Temos 27 líderes à volta da mesa. Todos eles com os seus próprios interesses nacionais, provenientes de famílias políticas diferentes”, afirma. “O que é extraordinário é que, apesar de tudo isto, estamos a avançar“, reforça Costa.
Operação Influencer? “Já ninguém fala disso”
Durante o almoço, António Costa teve também oportunidade de recordar o parágrafo da Procuradoria-Geral da Republica que, há um ano, levou à sua demissão e à detenção do seu chefe de gabinete, Vitor Escária. “Assumi que estava tudo acabado”, confessou, adiantando que, naquela altura, a expectativa seria “mudar de vida” e regressar aos estudos. O que acabou por fazer, mas não de forma permanente.
Costa não foi formalmente acusado. Embora a investigação continue em curso, não atropela (para já) as suas ambições políticas. E na Europa, essa era a principal convicção. “Quando os dirigentes [da UE] me voltaram a telefonar para falar do cargo, eu disse: ‘OK’”, rejeitando as noções de que a Operação Influencer tenha manchado a sua reputação política. “Penso que é muito claro para toda a gente em Portugal, já ninguém fala disso“, atira.
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