“É uma cola entre nós.” Como o voluntariado está a ajudar as empresas a reter talento

Da saúde à energia, a escassez de talento tem afetado as empresas nacionais. Voluntariado corporativo não é apenas positivo para a sociedade: também contribui para fidelizar as pessoas.

Maria João Vicente estava “há um ou dois anos” a trabalhar na CUF quando surgiu a oportunidade de voluntariar as suas competências e ajudar no plano de marketing de um centro comunitário. O voluntariado já não era novidade na sua vida — desde “muito jovem” que o fazia –, mas viu com “bons olhos” a empresa incentivar este tipo de iniciativas. Daí, nunca mais parou.

Foram-se somando experiências. A mais recente foi ter como “sombra” alunos do ensino secundário que queriam ir ganhando “umas luzes” sobre como funciona o mercado de trabalho. A próxima deverá ser ajudar a combater a solidão dos mais velhos, através da literacia digital.

“As ações são pontuais”, diz o ECO. “Mas criam uma cola entre nós“, sublinha, garantindo que, através destas iniciativas, nasce a perceção de que se está efetivamente a “trazer valor acrescentado” à sociedade. Fortalece-se, deste modo, o elo de ligação com o empregador.

No Dia do Voluntário, trabalhadores do grupo José de Mello partilham experiências sobre programa e conhecem instituições parceiras.

Com 14 anos de história, o programa de voluntariado do grupo José de Mello (do qual faz parte a CUF) é um dos mais antigos do país. Hoje tem cerca de 20 instituições parceiras (incluindo três novas este ano) e já envolveu mais de 600 empregados.

“O programa de voluntariado tem proporcionado oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional aos nossos colaboradores, que trabalham diariamente em empresas distintas e que encontram neste programa transversal um espaço comum que permite reforçar laços de união e sentimento de pertença”, salienta o administrador executivo Pedro Rocha e Melo.

Segundo o responsável, há quatro vias através das quais este programa tem melhorado a fidelização do talento (o que é essencial, numa altura em que tanto se fala em escassez de trabalhadores em Portugal).

Primeiro, há uma melhoria da reputação da empresa e um “reforço do vínculo emocional e profissional” dos trabalhadores, que têm “orgulho do papel socialmente ativa que a organização assume”. Depois, há um maior alinhamento com os valores da empresa.

[O voluntariado tem] impacto no clima organizacional, fortalecendo o espírito de equipa e o ambiente de colaboração, que conduz a uma sensação de bem-estar e a satisfação no trabalho.

Pedro Rocha e Melo

Administrador executivo da José de Mello

Além disso, o voluntariado corporativo impacta o clima organizacional, “fortalecendo o espírito da equipa e o ambiente de colaboração”.

Por fim, contribui para “o crescimento pessoal e profissional dos colaboradores, na medida em que promove o desenvolvimento de competências como liderança, trabalho em equipa, resolução de problemas, gestão do tempo, e empatia“, enumera Pedro Rocha e Melo.

E esta não é uma experiência única no mercado de trabalho nacional. As primeiras iniciativas de voluntariado da Siemens em Portugal foram dinamizadas há 20 anos. “Algumas das ações mais antigas implementadas foram em instituições de ensino”, adianta fonte oficial da multinacional, que salienta que o voluntariado é “uma forma de o colaborador sentir que faz parte de um projeto que tem um impacto verdadeiramente positivo na sociedade“, fidelizando-o.

“Quanto mais diversificadas e diferentes forem as iniciativas, maior identificação existe por parte do colaborador. De forma a implementar uma estratégia de voluntariado funcional e bidirecional para os colaboradores, é útil definir horas e dias de voluntariado, que possam ser realizados pelos colaboradores dentro do horário de trabalho”, assinala a mesma fonte.

Na Siemens há 13 anos, Andreia Ribeiro tem vivido na pele essa experiência. “É como entrar numa roda humana”, sublinha. “O que importa é que estamos todos juntos a concretizar algo“, afirma, lembrando a ação que a levou a pintar as paredes de um lar de idosos e, ao chegar a casa, deparou-se com a seguinte mensagem de um amigo: “hoje, a Siemens veio cá fazer o bem”.

Andreia diz-se, portanto, ligada à Siemens (onde é controller manager), também porque reconhece que é uma empresa que tem consciência da importância de criar esse legado. “E isso faz toda a diferença“, sublinha.

85% a fazer voluntariado corporativo

Da saúde e tecnologia para os seguros, o grupo Ageas Portugal deu a saber na primavera deste ano que 85% dos seus trabalhadores tinham feito voluntariado corporativo ao longo de 2023. Agora, ao ECO, Eduardo Caria, responsável de pessoas, explica que os empregados tanto podem escolher ações dentro como fora do horário laboral, “de acordo com as suas disponibilidades e interesses”.

Há três modalidades dentro desse programa. Voluntariado em equipa, no âmbito que ações de solidariedade social que respondem a “necessidades específicas de entidades parceiras”. Por exemplo, remodelações ou atividades com utentes, que acabam por “fortalecer o espírito de equipa“.

Voluntariado individual, através de uma plataforma que permite aos mediadores tornarem-se “embaixadores de causas sociais, atuando como voluntários em projetos por todo o país”. Ou até voluntariado que envolve familiares, amigos e parceiros, “amplificando o impacto do programa”.

“Acreditamos que esta diversidade de opções e a flexibilidade incentivam a participação e permitem que cada colaborador encontre a forma ideal de contribuir, alinhando o voluntariado com os seus valores pessoais”, sublinha Eduardo Caria, que indica que, por ano, no total são “doadas” mais de 13 mil horas ao serviço à comunidade.

“O voluntariado corporativo desempenha um papel crucial na fidelização de talentos no Grupo. Ao participarem em ações solidárias, promovidas pela Fundação Ageas, na sua comunidade local e em parceria com outras entidades sociais, os colaboradores vivenciam os valores de diversidade, inclusão e responsabilidade social, desenvolvendo um forte sentimento de propósito e pertença à organização“, defende o responsável.

Rui Rijo, que está ao serviço da Ageas Portugal há quase uma década, confirma-o. “Adoro trabalhar num sítio que sei que tem preocupações sociais e que, muitas vezes, usa o seu know how para isso. Isso fideliza-me muito”, conta ao ECO. Neste momento, por exemplo, está a voluntariar as suas competências na área da comunicação, mas também já participou em iniciativas de artesanato com pessoas portadores de deficiência, lembra.

Acreditamos que esta diversidade de opções e a flexibilidade incentivam a participação e permitem que cada colaborador encontre a forma ideal de contribuir, alinhando o voluntariado com os seus valores pessoais.

Eduardo Caria

Responsável de Pessoas e Organização do Grupo Ageas Portugal

Modelos diferentes

Entre as empresas com operação em Portugal, há diferentes modelos de voluntariado corporativo (e todas as ouvidas pelo ECO concordam que ajuda na retenção de trabalhadores). Por exemplo, no caso da Galp, a participação é em horário laboral, cedendo a empresa 48 horas (o equivalente a seis dias de trabalho) para que cada trabalhador faça ações deste tipo.

“As iniciativas são promovidas e geridas pela equipa de impacto social — Fundação Galp — e os colaboradores têm oportunidade de participar individualmente, junto da causa que lhes é mais próxima, ou ainda em equipa, no desenvolvimento de iniciativas em que são convidados pelas suas lideranças a passarem um dia em equipa focado em projetos de impacto na comunidade”, salienta Sandra Aparício, responsável da Fundação Galp.

“Ao longo destes anos de existência [desde 2011], foram mais de 13 mil voluntários, que dedicaram mais de 155 mil horas de voluntariado ao serviço da comunidade. Desde 2023 que todos os membros da Comissão Executiva participam em ações de voluntariado. Adicionalmente, mais de 70% da equipa de liderança participa no programa de voluntariado”, detalha a mesma.

Também no setor da energia, mas na EDP, o modelo é o seguinte: todos os trabalhadores “em todas as geografias” podem usar o equivalente a seis dias laborais por ano para este fim, aos quais acrescem o equivalente a cinco dias de trabalho para voluntariado de competências, voluntariado internacional ou para assumirem “o papel de gestores de projetos de projetos de voluntariado ou embaixadores do programa”, esclarece Marta Bastos Santos, coordenadora do programa, que adianta que, em 2023, por exemplo, 34% dos empregados da empresa estiveram envolvidos em iniciativas deste tipo.

“As iniciativas de voluntariado contribuem para melhorar as relações entre equipas, aumentam os níveis de satisfação, bem-estar e empatia, e promovem o desenvolvimento de competências pessoais e profissionais, como o autoconhecimento, adaptabilidade, resiliência e superação de obstáculos”, defende a mesma, que entende que o voluntariado não é, portanto, apenas uma forma de “retribuir à comunidade”, mas também de é “crucial para reter os trabalhadores”.

Hoje há estudos que indicam que cerca de 70% dos colaboradores não está disposto a trabalhar numa empresa que não tenha um propósito claro. E nas gerações mais novas isso ainda se torna mais evidente.

João Maria Condeixa

Diretor de external affairs da J&J Innovative Medicine Portugal

Vamos a mais um modelo diferente de voluntariado corporativo? Na Johnson & Johnson, há uma bolsa de horas de voluntariado por cada trabalhador, estando a empresa a evoluir “para o voluntariado de competências fazendo um match entre a oferta (os skills de que dispomos) e a procura (necessidades das entidades) para que seja mais fácil cada um participar e dar o seu contributo aos parceiros com que trabalhamos”, explica o diretor de external affairs, João Maria Condeixa.

Para o responsável, não há dúvidas de que as pessoas (especialmente, as gerações mais jovens) querem mesmo trabalhar em empresa com um “propósito claro” e que, por isso, fazer a diferença na vida das comunidades é também um trunfo para reter as mãos que fazem o negócio funcionar.

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