“Vasco Vieira de Almeida fez o que quis, disse o que quis, e foi o que quis”
Leia o discurso da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, na entrega do Advocatus Lifetime Achievement a Vasco Vieira de Almeida que decorreu esta quinta-feira, no CCB.
Nestes minutos que me são dados para me juntar à merecida homenagem a Vasco Vieira de Almeida, apenas umas breves linhas serão minhas.
Para falar de uma pessoa como Vasco Vieira de Almeida, faltar-me-ia a eloquência necessária para retratar, com justiça, a sua vida. Prefiro, por isso, falar de Vasco Vieira de Almeida usando as palavras do próprio: “Sou aquilo que sou. Se há coisa que consegui na vida foi ser plenamente eu próprio, para o bem e para o mal.” Este foi o seu lema de vida. E cito, de novo, Vasco Vieira de Almeida:
“Estou bem comigo próprio, e devo isso muito à maneira como fui educado, à procura da liberdade interior, à ideia de que a pessoa não deve fugir se tem uma responsabilidade, um compromisso, ou um dever; mas segui o princípio de que uma pessoa não se deve pôr em bicos de pés. Isto pacifica muito as pessoas por dentro.”
O nosso homenageado confessa que sempre teve um objetivo fundamental na vida: “a independência total, a possibilidade de fazer e dizer aquilo que quiser.”
Assim foi. Vasco Vieira de Almeida fez o que quis, disse o que quis, e foi o que quis ser: banqueiro, ministro, marxista ortodoxo, só marxista, advogado, fez fortuna, perdeu e voltou a ganhar. Vasco Vieira de Almeida sempre teve pensamento próprio. Por isso, um dos seus amigos, Vítor Cunha Rego, dizia: “no liceu havia o grupo salazarista, o grupo comunista, o grupo republicano, e o Vasco Vieira de Almeida”.
A vida de Vasco Vieira de Almeida já deu um livro, ou vários. Mas também dava um filme, de bom cinema. Seria um filme com um elenco de luxo: João Pulido Valente, Vítor Cunha Rego, Fernando Martins de Carvalho, João e Carlos Monjardino, Arménio Ferreira, Augusto Sobral, Mário Soares, amigos desde os 14 anos que, diz, lhe “moldaram a vida”. Mas também entrariam nesse filme Cupertino de Miranda, Manuel Bulhosa, André Gonçalves Pereira, entre muitos outros atores conhecidos. E a família, claro. Sempre a sua família, onde Freitas Branco e Lopes Graça apareciam para jantar.
O personagem principal seria um homem culto, inteligente, sagaz, trabalhador, com sorte ao amor e que nem sequer se pode queixar de ter tido “azar no jogo (da vida)”.
Digam o que disserem dele, diz que o lhe que correu mal foi culpa sua. O que lhe correu bem foi mérito de quem esteve à sua volta: a começar pela família. Vasco Vieira de Almeida: livre, independente, grato, corajoso e desassombrado: “Há gente que na vida quer ser rica ou conhecida. Nunca fui assim. Interesso-me por tanta coisa que não posso levar-me excessivamente a sério em nenhuma delas.” Como se enganou Vasco Vieira de Almeida!
E esta não foi a única vez. Também se enganou quando disse: “Não vou deixar marca em lado nenhum. Tenho interesses tão variados que é impossível. Se me tivesse concentrado nalguma coisa…”
No seu espírito a independência é quase doentia. “Apenas me preocupo com aquilo que eu penso.” Voltemos, então, à independência de espírito:
Quando esteve no Banco Português do Atlântico, convidado pelo seu fundador, Cupertino Miranda, recebia, como empregado, ações que nunca negociou, nem vendeu. No 25 de Abril estavam guardadas num cofre. Quando vai para o governo, a primeira decisão que Vasco Vieira de Almeida tomou foi a de fechar a bolsa – impedindo qualquer venda de ações. O banco foi nacionalizado e todas aquelas ações ficaram reduzidas a pó.
Quando perdeu a riqueza que tinha juntado, não desesperou. Começou de novo. Trabalhou num gabinete emprestado por André Gonçalves Pereira, porque não tinha dinheiro para pagar a renda. Lembra desses tempos:
“Estive um ano à espera do primeiro cliente, que não me aparecia. Todos os dias saía com a minha pasta e ia de autocarro para o escritório. E passava o tempo a estudar porque não me apareciam clientes. Até que um dia surgiu a Renault que queria fazer uma fábrica de automóveis em Portugal.”
E foi assim que começou a carreira de um grande advogado. Pela abrangência do seu conhecimento, exerceu a profissão com uma notável aproximação à realidade. Fundou um dos escritórios mais importantes do país, formando gerações e gerações de advogados e juristas, granjeando reputação, respeito, admiração e influência.
E já que estamos entre advogados, e tendo eu feito parte da classe, termino com palavras muito sábias do nosso homenageado sobre esta profissão: “Recuso totalmente a visão de que um advogado é um prestador de serviços. Em primeiro lugar, todo o advogado tem de agir também como cidadão; se não o fizer não é um bom advogado. Não pode abdicar da sua função social, tem de bater-se por valores civilizacionais. Não pode ser neutro, porque isso é a degradação da sua função.”
Não preciso de dizer mais, a não ser felicitar o próprio e a sua família, os seus colegas e amigos e, mais uma vez, o ECO e a Advocatus por esta excelente iniciativa.
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