Pequenos passos, grandes avanços: tornar a justiça mais rápida e eficiente

  • Rute Alves
  • 10 Dezembro 2024

É necessário discutir ideias concretas para acelerar a justiça em Portugal. Uma justiça rápida não é um privilégio, é um direito. E é possível alcançá-la.

Um dos entraves aos negócios em Portugal apontado por investidores é a lentidão da justiça.

São os juízes portugueses pouco qualificados? Os oficiais de justiça trabalham menos? E os advogados não querem uma justiça célere? A lentidão da justiça não é culpa de quem julga nem de quem ajuda a julgar. A responsabilidade recai sobre as leis e os métodos.

Quando se fala de arbitragem na comunicação social é geralmente para a associar à justiça dos que podem pagar pela rapidez das decisões. Será que a questão é simplesmente económica? Não é. Poderá começar-se por refletir sobre os métodos usados na resolução alternativa de litígios e importá-los para a justiça estadual. Há ajustes que, sem comprometer direitos, podem trazer grandes avanços.

As diferenças entre processos judiciais (de natureza civil) e arbitragens são muitas, mas destaco dois métodos específicos da arbitragem que contribuem para a sua celeridade e que poderiam ser adotados pela justiça estadual, ambos quanto à produção de prova – o momento para a junção de documentos e a adoção de depoimentos escritos.

Uma das regras em arbitragem é que não deve haver surpresas do ponto de vista da prova junta. Não se podem “guardar trunfos” de forma estratégica, isso significa, em primeiro lugar, que os documentos devem ser juntos quando os factos são alegados. Os documentos aceites posteriormente são uma exceção que abrange apenas aqueles cuja existência é superveniente.

O cumprimento desta regra permite que as cartas estejam em cima da mesa cedo no litígio e que não existam documentos juntos ao processo em fase posterior que alterem a narrativa e conduzam à necessidade de produção de mais prova e, assim, acabem por atrasar o processo.

Na lei processual civil, em teoria, a regra é a mesma, mas prevê-se a possibilidade de junção de documentos até vinte dias antes da data da audiência final, desde que se pague uma multa. Esta exceção admite a adoção de estratégias dilatórias. Para que os juízes se preparem adequadamente para decidir o processo e a contraparte se pronuncie, sem necessidade de múltiplos requerimentos e despachos, é essencial que a documentação seja dada a conhecer o quanto antes.

O respeito pelas partes do momento para a junção de documentos nas arbitragens resulta, em grande medida, do facto de estas reconhecerem e quererem a celeridade do processo. Já nos tribunais judiciais, a possibilidade de junção de documentação tardia não só constitui um atraso, como é consequência de uma certa consciencialização da morosidade do sistema, o que representa um círculo vicioso.

Em segundo lugar, surgem os depoimentos escritos, frequentemente utilizados em arbitragens nacionais e internacionais, em que as testemunhas redigem o depoimento diretamente ou são ouvidas pelos advogados que o transcrevem e juntam ao processo.

Estes depoimentos contribuem igualmente para que os factos sejam conhecidos na sua integridade antes da audiência e que esta seja apenas “um teste” ao conhecimento das testemunhas, não o momento onde se descobrem factos. Com isto se reduzindo o número de testemunhas a ouvir e as sessões de audiência, bem como permitindo uma inquirição mais eficiente, quando esta exista, centrada nos temas abordados no depoimento escrito.

Nos tribunais judiciais, os depoimentos escritos estão previstos apenas se houver impossibilidade ou grave dificuldade de comparência da testemunha no tribunal e, havendo acordo das partes, o juiz assim o autorize.

Em 2021, a Proposta de Lei n.º 92/XIV/2 previa a possibilidade de apresentação de depoimentos escritos, mesmo sem acordo entre as partes, e a possibilidade da renovação dos depoimentos perante o juiz, mas a proposta não chegou a entrar em vigor. O que representou a perda de uma oportunidade.

Além da maior eficiência e celeridade que acarreta, a utilização de depoimentos escritos não afasta a aferição da credibilidade das testemunhas em audiência e a verificação do princípio da imediação, que é muitas vezes invocado contra a adoção destes depoimentos. Do ponto de vista de justiça material, a experiência em arbitragem permite concluir que as declarações por escrito são credíveis. As testemunhas que assinam os depoimentos tentam lembrar-se dos factos, procuram documentação e investigam. As testemunhas simplesmente chamadas para audiência estão frequentemente nervosas e não se lembram dos factos.

Dito isto, é necessário discutir ideias concretas para acelerar a justiça em Portugal. Uma justiça rápida não é um privilégio, é um direito. E é possível alcançá-la. Reunir o conhecimento e experiência de quem trabalha nas diferentes áreas de resolução de litígios e adotar soluções já testadas que implicam riscos reduzidos é um primeiro passo.

Pequenos passos recolhem normalmente maior consenso e podem potenciar grandes avanços.

  • Rute Alves
  • Consultora sénior da PLMJ

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