“Veni, Vidi, Vici”: A Gestão do Risco de Liquidez no Setor Segurador
Nuno Oliveira Matos justifica como uma gestão eficaz é a habilidade de enfrentar a incerteza e assegurar estabilidade, independentemente do contexto económico!
O Internal Liquidity Adequacy Assessment Process (ILAAP) é um processo regulatório fundamental na gestão do risco de liquidez e de funding nas instituições de crédito, complementando o Internal Capital Adequacy Assessment Process (ICAAP), que se concentra na adequação de capital. O ILAAP, supervisionado pelo Banco Central Europeu (BCE), no âmbito do Supervisory Review and Evaluation Process (SREP), visa garantir que as instituições de crédito adotam estratégias robustas para identificar, avaliar e mitigar os riscos de liquidez, tanto em condições normais quanto de stress. As suas principais componentes incluem a definição de estratégias de liquidez, alinhadas aos indicadores regulatórios como o Liquidity Coverage Ratio (LCR) e o Net Stable Funding Ratio (NSFR), uma governança eficaz com a participação da gestão de topo, testes de stress rigorosos e planos de contingência bem estruturados. Este processo torna-se ainda mais relevante quando observámos crises recentes, como o ocorrido com o Credit Suisse e as dificuldades enfrentadas por bancos regionais dos Estados Unidos da América o ano passado, eventos que evidenciaram a vulnerabilidade do sistema financeiro global e reavivaram as preocupações com a estabilidade financeira resultantes de debilidades na gestão do risco de liquidez.
Embora a gestão do risco de liquidez nas instituições de crédito seja essencial para a estabilidade financeira, a gestão do risco de liquidez nas empresas de seguros não é menos relevante. Por isso, tem recebido crescente atenção regulatória. No ramo vida, o risco de liquidez está frequentemente associado a resgates atípicos de apólices de poupança, influenciados tanto pelo design dos produtos quanto pelas condições do mercado. Já nos ramos não vida, as necessidades de liquidez decorrem principalmente da severidade dos sinistros, com destaque para os ramos catastróficos.
No contexto segurador, a gestão do risco de liquidez apresenta diferenças estruturais em relação ao setor bancário. As empresas de seguros recorrem a uma gestão de ativos e passivos, que visa alinhar os ativos com as responsabilidades técnicas em termos de duration e perfil dos fluxos de caixa.
Neste contexto, a gestão de ativos e passivos e a realização de testes de stress tornam-se cruciais para a gestão eficiente do risco de liquidez, razão pela qual a International Association of Insurance Supervisors (IAIS), em 2022, veio sublinhar a necessidade da gestão do risco de liquidez ter um foco crescente em testes de stress e planos de mitigação. A IAIS desenvolveu métricas de liquidez, como o Insurance Liquidity Ratio (ILR), para monitorizar o risco de liquidez no setor segurador. Essas métricas são parte de um esforço mais amplo para melhorar a supervisão do risco sistémico do setor segurador a nível global. As métricas de liquidez incluem duas abordagens principais: o Exposure Approach (EA) e o Company Projection Approach (CPA), que avaliam a disponibilidade de fontes de liquidez em relação às necessidades de liquidez ao longo de vários horizontes temporais.
De facto, tanto no setor bancário quanto no segurador, a complexidade dos mercados e a crescente volatilidade das condições económicas exigem uma abordagem estratégica integrada para a gestão do risco de liquidez. O fortalecimento da governança, a implementação de planos de contingência eficazes e a utilização de ferramentas de mitigação, como testes de stress e métricas de liquidez, são essenciais para garantir a resiliência operacional das instituições de crédito e das empresas de seguros, ao mesmo tempo que atendem às exigências regulatórias e mitigam os riscos potenciais de liquidez, contribuindo para a estabilidade financeira global.
As empresas de seguros devem inclusivamente ter políticas escritas que cubram ações para lidar com o risco de liquidez, a composição dos ativos para atender às responsabilidades técnicas e um plano para lidar com mudanças nos fluxos de caixa esperados
É nesta senda que o documento “Consultation Paper on the Proposal for Regulatory Technical Standards (RTS) on Liquidity Risk Management Plans” da European Insurance and Occupational Pension Authority (EIOPA) é publicado no passado dia 1 de outubro de 2024, no qual se propõe normas técnicas regulatórias para a boa gestão do risco de liquidez nas empresas de seguros.
A Diretiva Solvência II já exige que as empresas de seguros incluam o risco de liquidez no seu sistema de gestão de riscos. As empresas de seguros devem inclusivamente ter políticas escritas que cubram ações para lidar com o risco de liquidez, a composição dos ativos para atender às responsabilidades técnicas e um plano para lidar com mudanças nos fluxos de caixa esperados. Contudo, a revisão de Solvência II vem reforçar essas exigências, ao introduzir análises de liquidez de curto prazo, projetando os fluxos de caixa de entrada e saída em relação aos ativos e passivos das empresas de seguros. Quando solicitado pelas autoridades de supervisão, a análise deve ser estendida para cobrir o médio e longo prazos. O objetivo é garantir que as empresas de seguros mantêm níveis de liquidez adequados para cumprir com as suas obrigações financeiras, sobretudo as respeitantes às responsabilidades técnicas, mesmo em condições de stress.
As normas propostas, no âmbito da revisão de Solvência II, incorporam o plano de gestão do risco de liquidez nos requisitos de gestão de risco existentes. A análise de liquidez deve ser consistente com a avaliação própria da empresa de seguros sobre o risco de liquidez, considerando os limites de tolerância ao risco aprovados. Isso garante uma análise sensível ao risco e uma implementação proporcional dos planos de gestão do risco de liquidez.
Somente as empresas de seguros com ativos superiores a 12 biliões de euros estarão obrigadas a realizar análises de liquidez a médio e longo prazos. As autoridades de supervisão devem avaliar se outras empresas de seguros também devem realizar essas análises, considerando a natureza, escala e complexidade dos riscos. As projeções de fluxos de caixa devem cobrir períodos de até três meses para a análise de curto prazo e de três meses a pelo menos um ano para a análise de médio e longo prazos. A estrutura do plano deve incluir uma avaliação geral, projeções de fluxos de caixa, buffers de ativos líquidos e indicadores de risco de liquidez.
As empresas de seguros devem fornecer informações quantitativas e qualitativas sobre as projeções de fluxos de caixa em condições normais e de stress, distinguindo entre diferentes tipos de fluxos de caixa de entrada e saída. As empresas de seguros devem manter buffers de ativos líquidos para cobrir qualquer shortfall de liquidez. As empresas de seguros devem desenvolver e manter indicadores de risco de liquidez para identificar, monitorizar e gerir potenciais stress de liquidez.
A EIOPA realizou uma avaliação de impacto para analisar os custos e os benefícios das normas propostas. A abordagem híbrida, que combina critérios quantitativos e qualitativos, foi considerada a mais eficaz para identificar empresas de seguros que podem enfrentar riscos de liquidez a médio e longo prazos. A estrutura com requisitos mínimos de conteúdo foi a opção preferida, pois equilibra a consistência das informações com a minimização dos custos adicionais para as empresas de seguros.
A verdadeira resiliência do setor segurador vai além da simples conformidade regulatória. Reside, sobretudo, na capacidade de gerir os riscos de forma proativa. O maior teste de uma gestão eficaz é a habilidade de enfrentar a incerteza e assegurar estabilidade, independentemente do contexto económico!
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