“Portugal tem de escolher duas ou três áreas para se destacar”

Sven Smit, presidente do McKinsey Global Institute, considera que o mundo está no limiar de uma nova era e alerta que "grande parte do sistema ocidental está em perigo".

Sven Smit, presidente do McKinsey Global Institute, defende que os países da dimensão de Portugal devem focar-se em duas ou três áreas que lhes permitam sobressair a nível mundial.

“Podem ser impostos, pode ser habitação; tenho a certeza que o turismo faz parte. Tem de haver algo, não mais de duas ou três áreas”, afirmou na conversa com o ECO nos escritórios da McKinsey, em Londres.

O senior partner da consultora americana considera que o mundo está no limiar de uma nova era, que será “mais bilateral, multipolar, com blocos regionais” e marcada pelo impacto do envelhecimento e diminuição da população, mas também da inteligência artificial e da automação, que permitirão aumentar a produtividade.

Os avanços tecnológicos e científicos são motivo de otimismo, mas alerta que “grande parte do sistema ocidental está em perigo”. Sven Smit apontou a ameaça do endividamento excessivo e defendeu que a solução deve centrar-se no reforço do crescimento económico.

“Neste momento a sustentabilidade da dívida não parece muito boa. A questão é: crescemos para sair do problema ou cortamos para sair do problema? Se crescermos para sair do problema, será melhor para todos”, diz.

Considera que estamos a entrar numa nova era mundial. O que é que a vai definir?

Nos últimos 35 anos, a ordem mundial era colaborativa, baseada em regras, na Organização Mundial do Comércio.

Era uma ordem mundial multilateral.

Multilateral e as empresas operavam sob regras acordadas globalmente. Há quem diga que vai existir uma desglobalização. Isso vai longe demais, na minha opinião. Estaremos interligados porque precisamos uns dos outros para muitas coisas, mas haverá menos concentração. Acho que as pessoas viram o risco de estarem 80% dependentes de uma única fonte. Isso não é saudável, como aprendemos com a Covid. O mundo aprende quando acontece, não lendo artigos científicos. Essa é uma lição na minha vida: o mundo não aprende a ler, aprende com a experiência.

Em situações bilaterais pode-se ir mais rápido e esse é um dos incentivos para adotar essa via. O outro é que se pode ser mais específico nos interesses. Depois há uma tendência para diversificar que já vemos a emergir, e não é só em relação à China.

Essa concentração não é fácil de mudar.

Sim, mas as pessoas estão a descobrir o que se pode fazer na Índia, o que se pode fazer no México. Vai levar tempo, mas as pessoas vão separar o que é mais estratégico e o que é menos estratégico. A nova ordem mundial será mais bilateral, multipolar, blocos regionais, item por item.

Estamos numa tendência de diminuição da população. Acho que é o maior problema que temos. Qualquer outro é menor que esse. Se pegarmos na taxa de fertilidade da Coreia do Sul, que é próxima de 1, após três gerações temos um décimo da população. Isso não funciona.

Será uma abordagem ainda mais transacional?

Pode-se chamar transacional de forma negativa, mas também se pode ver o transacional como positivo. No momento em que a transação é estabelecida, as coisas são feitas e aceleradas.

O que mais vai caracterizar a nova era?

Estamos numa tendência de diminuição da população. Acho que é o maior problema que temos. Qualquer outro é menor que esse. Se pegarmos na taxa de fertilidade da Coreia do Sul, que é próxima de 1, após três gerações temos um décimo da população. Isso não funciona.

Na Europa, também temos um problema de baixa taxa de fertilidade.

Com uma taxa de 1,4, levaria cinco gerações para reduzir a população para um décimo. Embora seja um período longo, começaremos a sentir os efeitos quando as primeiras gerações com baixas taxas de natalidade entrarem no mercado de trabalho. Esse será um elemento crucial da nova era que teremos de enfrentar.

O robô substituirá o pedreiro ou todos os pedreiros terão um robô e terão o dobro da produtividade? Eu gosto do segundo.

A tecnologia pode ajudar a mitigar alguns destes desafios.

O digital ainda não está a substituir as pessoas; está a complementar o trabalho humano, tornando os processos mais rápidos e eficientes. Se pensarmos em IA, robôs, carros autónomos e por aí fora, poderíamos imaginar um mundo com um robô humanoide atrás de cada pessoa. Nesse mundo, poderíamos ser ajudados em termos de quanto output podemos ter por pessoa. Isso teria um enorme potencial para a produtividade, mas também será uma mudança muito grande, porque 50% dos empregos vão mudar e 50% das tarefas desaparecerão.

Isso terá grandes implicações sociais e políticas.

Penso que será em grande parte para o bem, mas há riscos. Podemos fazê-lo mal e podemos fazê-lo bem. O robô substituirá o pedreiro ou todos os pedreiros terão um robô e terão o dobro da produtividade? Eu gosto do segundo.

A IA generativa necessita de grandes quantidades de energia. Isso pode ser um problema?

A energia faz girar o mundo. Sempre que temos energia barata e acessível, a vida é muito melhor. Estávamos num caminho de ‘transição a qualquer custo’, o que levava a que a energia tendesse a ficar mais cara, pelo menos durante algum tempo. Agora estamos a caminhar para uma via mais pragmática, aquilo a que chamamos quadrilema, que faz parte da nova era em que vamos precisar de muito mais energia. Se toda a gente vai ficar mais rica, vamos precisar de mais energia. Se queremos IA, vamos precisar de muita energia. Isto significa que daremos prioridade à energia de baixo custo, seja nuclear, energia solar barata, baterias mais baratas.

A última parte da nova era é que se olharmos para o mundo do dinheiro, tivemos um período excecional em que as taxas de juro eram zero.

Neste momento a sustentabilidade da dívida não parece muito boa. A questão é: crescemos para sair do problema ou cortamos para sair do problema? Se crescermos para sair do problema, será melhor para todos.

Não vamos voltar a esse período?

Não tenho a certeza, mas neste momento a sustentabilidade da dívida não parece muito boa. A questão é: crescemos para sair do problema ou cortamos para sair do problema? Se crescermos para sair do problema, será melhor para todos. Todas estes temas no limiar de uma nova era são questões que não se resolvem em três anos. Como é que fazemos a IA e automação bem? Não é uma questão para três anos, é uma questão para 30 anos. Como é que se resolve esta nova ordem mundial? Não vamos ver a luz daqui a três anos. Serão feitos 100 acordos bilaterais e a soma total dos acordos bilaterais será o futuro, mas levará 15 anos. Resolver o problema da fertilidade? Ainda ninguém viu uma boa solução. Se tivermos uma daqui a 15 anos, será ótimo. Se realmente conseguirmos energia abundante super-rápido, isso não acontecerá num ano. O dinheiro barato não voltará daqui a um ano. A taxa de longo prazo é 4,9%. São 30 anos de dinheiro caro ou com custo normal, como lhe quiser chamar.

Diz-se que quando um quinto da mudança já aconteceu consegue-se ver a direção e já sentimos o futuro. Quando estamos em baixo na vida pessoal, podemos começar a sentirmo-nos melhor mesmo quando ainda estamos sob a influência do passado. Acredito que podemos sentir clareza mais cedo de que já estamos no que será a nova era. Digo sempre que os líderes atuais nunca passaram por um momento como este.

Sven Smit, Chair do McKinsey Global Institute.

Como é que os líderes das empresas devem navegar este momento?

O primeiro ponto é que quando há grandes mudanças existem muitas oportunidades. Está ligado ao acordo bilateral certo? Está a compreender a evolução demográfica ou a evolução da automação e a sua empresa está preparada para o fazer bem? É a empresa que tem o maior retorno de capital e por isso não está preocupada com as taxas de juro? Tem energia a preços acessíveis? Pode ser uma boa notícia para Portugal e Espanha, se onde o sol brilha a energia for mais barata.

Como é que um país pequeno na periferia da Europa pode agarrar estas oportunidades?

Qualquer país pequeno tem de ter duas ou três áreas que sejam assinaturas pelas quais o mundo o conhece. Ninguém se recorda de um país pequeno por 15 coisas. Lembramo-nos da Suíça pelas montanhas, por terem uma governação baseada em referendos…

Portugal tem de escolher em que é que vai ser especial. Podem ser impostos, pode ser habitação; tenho a certeza que o turismo faz parte. Tem de haver algo, não mais de duas ou três áreas.

E um sistema financeiro apelativo para as fortunas.

E, de alguma forma, é bom com dinheiro. Portugal terá sempre o turismo. Acho que teve um período — que pelo menos eu reconheço-o — onde era um pouco mais favorável aos negócios. Havia regras fiscais mais favoráveis para as pessoas que vinham para o país, os ‘vistos gold’… É preciso ter fatores que nos tornem especiais face aos outros. Portugal tem de escolher em que é que vai ser especial. Podem ser impostos, pode ser habitação; tenho a certeza que o turismo faz parte. Tem de haver algo, não mais de duas ou três áreas. Não consigo dar uma resposta exata para Portugal agora, mas sendo um país pequeno tem de se destacar, para que também as empresas se destaquem.

Mudando de assunto. Há uma grande preocupação em relação ao agravamento das taxas aduaneiras com a chegada de Donald Trump à Presidência dos EUA. É justificada?

Vejo-as como uma das fichas num tabuleiro com múltiplas dimensões. Na negociação com a Europa, os Estados Unidos vão pensar em defesa, na NATO, na Ucrânia, em energia, automóveis, taxas aduaneiras… Sabe Deus que temas poderão ser juntados à mistura. No fim, haverá um pacote que só será assinado se existir interesse mútuo. Acho que há também uma forte intenção em trabalhar numa simetria: se a taxa de um produto é 100 não vai ficar em 20. Será 100 para 100, 20 para 20, ou zero para zero. As taxas aduaneiras serão um dos itens. Até pode acontecer que existindo acordo em relação aos outros temas nem sequer existam taxas.

A administração Trump tem uma agenda de desregulação. A União Europeia deve fazer o mesmo?

A Europa fará o seu caminho. O Relatório Draghi, o que escrevemos sobre competitividade europeia, tudo sugere que parte da resposta está na desregulação. O nosso trabalho mostra que o retorno dos ativos na Europa é 3 pontos percentuais inferior ao dos ativos nos EUA. Para um investidor profissional ter menos 3 pontos…

Na Europa investimos menos, fazemos menos Investigação e Desenvolvimento, e, por isso, temos menos crescimento. É um ciclo que não se quebra.

Não escolhe a Europa.

Não escolhe a Europa. Investimos menos, fazemos menos Investigação e Desenvolvimento, e, por isso, temos menos crescimento. É um ciclo que não se quebra. Temos de descobrir na Europa a forma de ultrapassar algumas das desvantagens que levam a esse retorno mais baixo, para que existam incentivos ao investimento. Queremos que os semicondutores ou outras tecnologias venham para a Europa? Todos gostariam disso. Mas quando as pessoas fazem os seus cálculos, olham para o break-even na Ásia, nos EUA, no Médio Oriente… Quer seja o preço da energia, a regulamentação do mercado de trabalho, o tempo e complexidade do licenciamento ou os custos do licenciamento, estes são fatores que impedem as pessoas de colocar uma fábrica de semicondutores ou uma fábrica de baterias.

A Europa tem de trabalhar na melhoria destas condições.

Olho para muitos processos de investimento de clientes. Eles dizem que mesmo que um terço do custo inicial seja subsidiado isso não altera o suficiente o ponto de break-even. E, na verdade, dizem que não precisam de subsídios porque podem arranjar o dinheiro, desde que o retorno seja equivalente ao dos EUA. Temos de enfrentar esta questão para que investir na Europa se torne interessante.

As empresas queixam-se do tsunami regulatório relacionado com as regras ambientais e de sustentabilidade. A União Europeia deve recuar em algumas das exigências ou simplificar as regras?

Simples é quase sempre melhor. Penso que a Europa tem de encontrar o modelo certo. Num dos nossos relatórios mostrámos que no modelo europeu existe geralmente uma imposição para ser implementada num determinado momento. “Tem de cumprir isto em 2035”. E depois as empresas internalizam o custo. Nos EUA, o IRA [Inflation Reduction Act] fez outra coisa: subsidia a inovação, o que leva ao investimento. Não estou a dizer que um é melhor que o outro, mas há uma grande diferença no resultado de onde as pessoas vão colocar o seu dinheiro, onde vão colocar as suas fábricas. Por isso, penso que a Europa precisa de olhar para a forma como regula muitas coisas.

Penso que grande parte do sistema ocidental está em perigo. Não é só a Europa. Se os EUA não conseguirem sustentar um crescimento elevado, a dívida será complicada de gerir.

Temos um contexto político cada vez mais fragmentado na Europa. Vê vontade suficiente para fazer as mudanças que o Relatório Draghi recomenda?

Ao nível da UE, penso que o impulso é bastante grande. A questão é saber se os países também o farão ao mesmo ritmo. Alguns países podem agir mais rapidamente do que outros e obter os benefícios, mas penso que o nível de crise é mais elevado do que costumava ser, o que poderá significar que os responsáveis poderão superar alguma fragmentação. Mas a Europa terá mais complexidade em fazê-lo do que os EUA.

Sem um aumento do ritmo de crescimento económico o estado social europeu pode estar ameaçado?

Penso que grande parte do sistema ocidental está em perigo. Não é só a Europa. Se os EUA não conseguirem sustentar um crescimento elevado, a dívida será complicada de gerir. Se existirem défices de 8% ou de 7% durante muito tempo, o mercado obrigacionista vai reagir a isso. Para mim, é sempre melhor crescer para sair do problema. Isto não significa que não se deva cortar nas despesas ou, sobretudo, ser mais eficiente com os gastos.

Vê a Europa mais com uma atitude de crescer para sair do problema ou cortar para sair do problema?

Vejo uma mudança a acontecer. Não é a Europa como um todo, mas país a país. Fizemos um relatório que basicamente conclui que cada ponto de crescimento cria mais dinheiro para resolver problemas, do que cria problemas adicionais. O contrário também é verdade. Cada ponto de retração destrói mais dinheiro do que resolve problemas. Até há uns anos isto não era 100% partilhado na Europa. Parecia que o problema diminuiria se crescesse menos. Acho que essa ideia quase desapareceu. Agora, quando se diz que é melhor crescer, não se está automaticamente organizado para crescer.

Há uma diferença importante.

Se a mentalidade estiver contra si, nem sequer o fará. Agora a mentalidade está aí e temos um diagnóstico que é urgente. Então talvez o façamos.

Vivemos tempos de desesperança, com guerras em várias partes do mundo, mas sei que tem uma visão otimista. Em que se baseia esse otimismo.

Se recuarmos de 1910 até onde estamos agora, ou de 1924 até ao presente, vemos que tipo de problemas atravessámos e quanto progresso foi feito. E não estou tão certo de que os nossos problemas sejam agora maiores do que alguns dos problemas que enfrentámos nesses 100 anos. Se colocarmos nessa perspetiva, será que os nossos problemas de hoje são maiores do que, por exemplo, o que aconteceu após 1924? O que aconteceu entre 24 e, digamos, 45 foi maior do que o que estamos a viver agora.

Tivemos no passado 200 anos de reveses para o mundo. Acho que não temos 200 anos de reveses pela frente.

Mas temos problemas graves também.

Olhe para o progresso que aconteceu. A curva tecnológica está a acelerar e o progresso é impulsionado por isso. O problema agora parece grande ao microscópio. É uma imagem pesada. Por que razão o telescópio agora seria menor do que era quando se olhava em 1924? Não sei. Então, se pensarmos apenas em 1925 a 2025, e se pensarmos em 2025 a 2125.

Não é linear.

Estamos num momento não linear que é o limiar de uma nova era. As sociedades no limiar já fizeram isto? Sim. Mas será que o mundo inteiro fará isso? Não. Isso aconteceu no passado com cidades singulares, países singulares. O Império Romano acabou, mas isso não foi o fim do mundo. Tivemos no passado 200 anos de reveses para o mundo. Acho que não temos 200 anos de reveses pela frente.

Mas estamos a ver alguns reveses.

Alguns reveses, mas também alguns avanços. A automação é um avanço. Acho que a ciência é um avanço. A disponibilidade de energia ainda está apertada, mas virá. Os materiais estão apertados. A geopolítica é complexa. Ainda acho possível que o mundo bilateral faça algumas coisas mais rapidamente.

Não estamos a entrar num mundo mais perigoso?

Mais perigoso do que há dez anos? Sim, estamos a disparar uns contra os outros muito mais do que há dez anos. Mas, depois de mais tiros, será que a situação se estabiliza em ainda mais tiros ou numa paz muito mais estável? Não sei.

Esperemos que mais estável.

Todos esperamos que sim. Tudo está um pouco em fluxo, temos estes pontos de tensão e quando eles assentarem ficará mais estável. Mas sabemos que sair de uma guerra e reconciliar-se com isso leva 10, 20, 30, 40 anos. Para as pessoas que estão no ponto crítico dessas guerras e estão a sofrer, é triste o tempo longo que vai demorar.

*O jornalista viajou a convite da McKinsey

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