Pela primeira vez em 10 anos o BCE não está a comprar obrigações dos países da Zona Euro
O Banco Central Europeu aperta definitivamente o cinto, suspendendo a compra de dívida soberana. Decisão coloca pressão sobre as taxas de juro de longo prazo e sobre a economia europeia.
Pela primeira vez em uma década o Banco Central Europeu (BCE) não está a comprar obrigações do Tesouro dos países da área do euro. Esta situação marca o fim de uma era na política monetária europeia que teve início com as medidas não convencionais implementadas por Mario Draghi durante a crise da dívida soberana europeia.
Esta situação ocorre tanto no âmbito da suspensão da compra dos títulos de dívida soberana ao abrigo do programa de compra de ativos (APP) como do programa de compras de emergência por pandemia (PEPP), colocando assim o BCE em “pleno modo de quantitative tightening (QT)”, lembrou Frederik Ducrozet, diretor do departamento de research de macroecnomia da Pictet Wealth Management, na sua conta da rede social “X”.
Significa que a política monetária do BCE, cuja implementação tem lugar esta quarta-feira, entrou oficialmente num processo de contração quantitativa (QT) para reduzir a quantidade de dinheiro em circulação na economia do euro, para conter ainda mais as pressões inflacionistas no mercado e colocar a política monetária num estado mais neutro.
Bas van Geffen, estratega do Rabobank, estima que os fluxos de reembolso do PEPP possam duplicar nos próximos meses como resultado da suspensão das compras do BCE, aumentando de 7,5 mil milhões de euros por mês para cerca de 15 mil milhões de euros.
“As alterações previstas garantirão que o nível de transparência proporcionado pelos dados publicados no futuro continue a ser adequado”, justificou o BCE num comunicado de 13 de dezembro, salientando que “a publicação da repartição entre mercado primário e secundário para os programas do setor privado do PEPP será descontinuada, para alinhar as práticas com as recentes alterações ao regime de publicação dos programas do setor privado do APP.”
É importante notar que a suspensão das compras do BCE em 2025 no mercado não surge de forma surpreendente. “O Eurosistema deixou de reinvestir a totalidade dos pagamentos de capital dos títulos vincendos adquiridos ao abrigo do PEPP, reduzindo a carteira do PEPP em 7,5 mil milhões de euros por mês, em média”, voltou a anunciar Christine Lagarde, presidente do BCE, na conferência de imprensa da última reunião do Conselho do BCE de 2024 a 12 de dezembro, sublinhando ainda que “o BCE irá descontinuar os reinvestimentos ao abrigo do PEPP no final de 2024.”
Para Bas van Geffen, estratega do Rabobank, esta situação deve ter um impacto limitado no mercado, justamente por o BCE ter comunicado com bastante antecedência esta situação, notando que o primeiro anúncio da suspensão do reinvestimento das obrigações vencidas da carteira PEPP para finais de 2024 remonta a dezembro de 2023, e a cada reunião do Conselho do BCE essa informação ter sido referida de forma repetitiva.
No entanto, não significa que esta situação não tenha impacto na economia europeia, dado que irá reduzir a liquidez no mercado, pressionado com isso as taxas de juro, condicionando o crescimento económico e o mercado de trabalho, e funcionará também como elemento de fortalecimento da moeda.
O impacto desta mudança da política monetária do BCE é ainda mais notável quando se considera a escala das operações anteriores realizadas pelo banco central. Até novembro de 2024, o BCE ainda detinha 1,62 biliões de euros em obrigações na carteira do PEPP e 2,7 biliões de euros em obrigações do APP. A redução gradual destes ativos terá um efeito profundo na liquidez do mercado e nas condições de financiamento dos países da Zona Euro.
“Estimamos que os fluxos de reembolso do PEPP possam aumentar de entre 7,5 mil milhões a 10 mil milhões de euros por mês a partir de janeiro, para uma média mensal de cerca de 15 mil milhões a 17 mil milhões de euros”, escreve Bas van Geffen. Esta projeção indica um ritmo acelerado de redução do balanço do BCE, o que poderá pressionar as taxas de juro de longo prazo em toda a Zona Euro.
É importante notar que o BCE já reduziu significativamente o seu balanço. Desde o final de 2022 que o processo de QT já permitiu ao BCE já reduzir o seu balanço em cerca de 2,5 biliões de euros, ou cerca de 28%. Esta redução substancial demonstra o compromisso do BCE em normalizar a sua política monetária após anos de estímulos extraordinários.
Fim das compras do BCE pressiona economia europeia
O fim das compras de obrigações ocorre num momento delicado para algumas economias da Zona Euro. Basta lembrar que França, em função da crise política que vive desde há vários meses, tem atualmente as suas obrigações a 10 anos a negociar com uma yield acima dos 3% e com um spread face aos seus pares alemães em níveis historicamente elevados, acima dos 81 pontos base.
Além de França, também a Alemanha, o motor da economia da Zona Euro, continua a mostrar sinais de grande dificuldade. Os últimos dados indicam que o clima empresarial voltou a piorar em novembro e “o estado de espírito da indústria alemã a manter-se sombrio em outubro.”
Desta forma, a saída de cena do BCE do mercado de dívida europeia poderá criar desafios adicionais para países com níveis de dívida mais elevados, como sucede justamente com França que fechou o primeiro semestre do ano passado com uma dívida pública de 3,23 biliões de euros, cerca de 112% do PIB.
A decisão do BCE de acelerar o seu programa de quantitative tightening, mesmo enquanto corta as taxas de juro no decorrer de uma desaceleração do crescimento da economia da Zona Euro, sugere uma mudança significativa na abordagem do banco central.
Para Portugal, a pressão decorrente da suspensão das compras do BCE deverá ser menos sentida que na maioria dos países da área do euro. Não apenas pelo caminho que tem sido trilhado ao longo dos últimos anos marcado por uma redução do rácio da dívida face ao PIB, mas particularmente pelo trabalho desenvolvido pelo Instituto de Gestão de Crédito Público (IGCP), particularmente em 2024, na procura de novos compradores para obrigações do Tesouro por forma a substituir o papel do BCE.
É disso exemplo o roadshow realizado pelo IGCP pelo continente asiático em novembro para captar novos investidores, especialmente do Japão, para compensar a saída gradual do BCE na estrutura da carteira de detentores de dívida nacional, em função da política de desalavancagem de balanço da autoridade monetária da Zona Euro.
Apesar do fim das compras do BCE, é importante notar que a autoridade monetária da área do euro mantém ferramentas para lidar com potenciais tensões nos mercados.
“Se o alargamento francês levar a qualquer contágio, o BCE ainda pode recorrer ao Instrumento de Proteção de Transmissão (TPI), que foi inventado especificamente para contrariar o alargamento injustificado dos spreads“, lembra Bas van Geffen.
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