BCE “apazigua” discurso e deixa a porta aberta a novos cortes nas taxas de juro em 2025
O Banco Central Europeu retira do seu discurso menção a manter "taxas restritivas por tempo necessário", sinalizando assim uma maior flexibilização da política monetária no próximo ano.
Na última reunião do ano, na quinta-feira, o Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (BCE) decidiu voltar a cortar as taxas de referência em 25 pontos base, como era antecipado pelo mercado. Foi a quarta redução das taxas de juro este ano, após ter iniciado o novo ciclo de política monetária em junho com o primeiro corte. Ao mesmo tempo, anunciou uma revisão em baixa das perspetivas de crescimento e da inflação para este ano e o próximo.
No entanto, o maior destaque dos analistas foi para a ausência da frase “manter as taxas de juro suficientemente restritivas durante o tempo que for necessário“, que era comum encontrar nos vários comunicados do Conselho do BCE após mais uma reunião de política monetária. A palavra “restritividade” não desapareceu do léxico do BCE, mas o tom mudou.
“Isso significa que está a manter a porta aberta para mais cortes nas taxas”, escreveu numa nota de research Carsten Brzeski, Global Head of Macro do ING.
A instituição liderada por Christine Lagarde salientou antes que “a restritividade das condições de financiamento está a diminuir, dado que as recentes reduções das taxas de juro decididas pelo Conselho do BCE estão a tornar gradualmente a contração de novos empréstimos menos onerosa para as empresas e as famílias“. Porém, deu nota de que “as condições de financiamento continuam a ser restritivas, porque a política monetária permanece restritiva e os anteriores aumentos das taxas de juro ainda estão a ser transmitidos ao stock de crédito em dívida“.
Pedro Brinca, professor na Nova SBE, refere que esta justificação do BCE vai ao encontro do que se pode ler nos livros de economia, em que “a política monetária demora 12 a 18 meses a ter efeito no mercado”, notando que “o que gera a inflação que temos atualmente não são as taxas de juro que temos hoje, mas as taxas que tínhamos há um ano.”
Hann-Ju Ho, economista sénior do Lloyds Bank, também considerou que a linguagem do BCE deixa “a porta aberta para novas reduções no Ano Novo“. Numa nota de research enviado aos clientes do banco inglês, o especialistas refere que, “embora a presidente Lagarde tenha reiterado a linha de política dependente de dados e de reunião a reunião, sem qualquer compromisso prévio com uma trajetória de taxa específica, os mercados aumentaram as já bastante agressivas expectativas de corte de taxa no primeiro semestre de 2025, mais próximos de 50 pontos base para janeiro e mais de 100 pontos base no total até meados de 2025 do que anteriormente.”
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Certo é que, na conferência de imprensa após a reunião do Conselho do BCE, Christine Lagarde revelou que a decisão de reduzir as taxas em 25 pontos base — colocando as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de depósito, às operações principais de refinanciamento e à facilidade permanente de cedência de liquidez em 3%, 3,15% e 3,40%, respetivamente — foi unânime, mas existiram “discussões sobre um corte mais agressivo de 50 pontos base”.
“A julgar pelos comentários de hoje, o BCE procura agora levar as taxas de juro para níveis neutrais, onde quer que esse nível neutro possa estar”, assinalou Carsten Brzeski.
No decorrer da conferência de imprensa, Lagarde revelou que as últimas projeções da equipa de analistas do BCE apontam para uma taxa de juro neutra entre 1,75% e 2,5%. Para o analista do ING existe um risco elevado das previsões macroeconómicas do BCE serem demasiado otimistas, pelo menos no curto prazo, pelo que “passar para uma posição neutral poderá não ser suficiente”.
“Por mais que o BCE tente apontar corretamente o dedo aos Governos para utilizarem reformas estruturais para melhorar as perspetivas de crescimento, com os problemas políticos em França e na Alemanha, o risco de que o banco ainda tenha de fazer o trabalho pesado é elevado, pelo menos durante os próximos meses. É por isso que esperamos mais cortes e chegaremos a 1,75% no próximo verão“, prevê.
O BCE estima que os países da moeda única vão crescer 0,7% em 2024, 1,1% em 2025 e 1,4% em 2026 e que a taxa de inflação se irá situar em 2,4% este ano, em 2,1% em 2025 e 1,9% em 2026. No entanto, as projeções ainda não incluem o eventual impacto da crise política em França ou as anunciadas tarifas do presidente norte-americano eleito, Donald Trump.
Segundo Dean Turner, economista-chefe da UBS Global Wealth Management para a Zona Euro e Reino Unido, o cenário aponta para que o BCE continue a reduzir as taxas em todas as reuniões até junho, levando a taxa de depósitos para 2%. “Na atual situação, os riscos inclinam-se no sentido de o BCE ter de fazer mais e não menos, para apoiar a economia em 2025. No entanto, é mais provável que isto resulte em novos cortes mais tarde em 2025 do que em movimentos maiores a curto prazo“, considerou.
A presidente do BCE alertou para o estado da economia europeia, notando que a recuperação “está a ser mais lenta do que o esperado” e que “o crescimento [económico] está a perder ímpeto”, uma vez que as exportações estão a ter um desempenho “fraco” e “as empresas estão a reter investimentos” devido à incerteza económica. Lagarde referiu também que o mercado de trabalho na Zona Euro continua resiliente, embora “a procura de mão-de-obra continue a enfraquecer”.
No que toca à inflação prevê que “flutue próximo do nível atual no curto prazo” e destacou que “a maioria das medidas de expectativas de inflação estão em torno de 2%”, o que é um sinal positivo.
Contudo, alertou que existem riscos tanto ascendentes como descendentes para a inflação. “Os riscos descendentes para a inflação incluem a baixa confiança, o stress geopolítico e o baixo investimento. Por outro lado, os salários, os lucros e a geopolítica estão entre os riscos ascendentes”, explicou.
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