“Seguros de saúde devem alargar o âmbito para reduzir pagamentos dos portugueses”
As famílias pagam quase 10 mil milhões de euros por ano em saúde, para além dos 16 mil milhões que pagam pelo SNS. José Pina, líder da operadora Future Healthcare, quer maior abrangência dos seguros.
Apesar do incremento dos orçamentos de saúde, os portugueses pagam uma fatia muito significativa, cerca de 10 mil milhões de euros por ano que não estão intermediado por nenhum tipo de subsistema ou seguro, nem tem qualquer tipo de apoio financeiro diz José Pina, líder do Grupo FH (Future Healthcare) que fundou em 2003 “com a ambição de proporcionar às pessoas as melhores condições de saúde, vida e bem-estar”. É Engenheiro Mecânico pelo Técnico, tem Mestrado em Negócios Internacionais pelo ISCTE e, após 10 anos de experiência como Consultor na Deloitte e Accenture, optou por fundar o seu negócio que hoje está em seis países e protagoniza uma das principais operações de saúde em Portugal com uma rede médica de 28 mil médicos, 1.270 clínicas e 82 hospitais. Adiou conversações com a gigante britânica Bupa, que estava interessada em comprar o grupo FH, e prosseguiu o seu caminho na prestação de serviços médicos a seguradoras, subsistemas de saúde e empresas e também na área da investigação tecnológica, com destaque nos avanços em telemedicina que tem disponibilizado ao mercado.
Está também entre os fundadores da nova Mútua Portuguesa de Saúde (MPS) e concedeu uma entrevista a ECOseguros.
Como vê a evolução do setor privado de saúde em Portugal?
O setor privado de saúde tem tido um crescimento incrível nos últimos anos. Hoje em dia, a oferta privada de saúde através dos principais grupos hospitalares, clínicas, unidades privadas teve um aumento exponencial nos últimos anos e continuam novos hospitais a serem desenvolvidos e construídos. O mercado de seguros de saúde também tem tido um crescimento muito, muito apreciável, em 2023 aumentou 18%, em 2024 e irá seguramente também crescer acima de 15/16% e quase 4 milhões de pessoas já estão cobertas por algum tipo de seguro de saúde.
Em Portugal toda a saúde terá um volume de dinheiro envolvido em Portugal de cerca de 30 mil milhões de euros, dos quais 16 mil milhões são os nossos impostos a pagar ao Serviço Nacional de Saúde. Curiosamente, os seguros são mais falados do que propriamente volumosos. Mas há uma componente enorme de pagamento out-of-the-pocket, do dinheiro próprio dos utentes. Ou seja, os portugueses além de impostos e seguros pagam muito do seu bolso para saúde. Há uma solução para isso?
Têm de haver soluções para isso. Outros países podem servir de exemplo como a Alemanha, França e mesmo Holanda, em que o volume de out-of-the-pocket bastante reduzido. Apesar do incremento dos orçamentos de saúde, os portugueses pagam uma fatia muito significativa, cerca de 30%, desse dinheiro que não está intermediado por nenhum tipo de subsistema ou seguro, nem tem qualquer tipo de apoio financeiro. Os próprios seguros, apesar do seu impacto, ao chegarem a quase 4 milhões de pessoas, só financiam cerca de 5% desse volume de financeiro. No futuro, uma das soluções passará por alargar o conceito de seguro de saúde, aliado a dedução fiscal, para que parte desse financiamento possa ser mais intermediado por seguros de saúde e aí reduzir o out-of-the-pocket dos utentes. Tudo isto tem muito a ver com a relação entre público e privado que é um tema muito importante que há que gerir politicamente.
Qual é o caminho para essa relação público/privado?
Uma melhor coexistência e uma maior articulação entre o setor privado e o setor público. Esse caminho tem dois benefícios. Um é reduzir o nível de ineficiências, muitas vezes há exames duplicados, há diagnósticos que se têm que fazer duas vezes, porque a pessoa transita muitas vezes entre o privado e o público de uma forma não coordenada. Isso obriga a um esforço financeiro, e um esforço para o utente também, que tem que muitas vezes de ser sujeito duas vezes ao mesmo tipo de exame. O segundo tema é claramente dever existir uma maior transferência de pagamentos para setor privado. Pode ser ou uma redução de impostos, ou é voluntário, ou assegurado pelas empresas. Nós acreditamos que vai haver ainda um espaço muito grande de crescimento nessa transferência e no aumento da cobertura dos custos.
Temos hospitais de primeira linha, temos seguradoras de primeira linha, temos o serviço público também muito reconhecido, em algumas áreas, internacionalmente. Essa realidade deu-nos a oportunidade de podermos expandir internacionalmente
Houve aumento acentuado dos custos dos prestadores de saúde em 2022 e as seguradoras de saúde foram apanhadas na curva e tentaram retificar em 2023, aumentando os prémios de seguros saúde. Não conseguimos distinguir muito bem esses aumentos entre o que é preço, volume, ou aumento da margem de prestadores. Vê uma oportunidade para empresas como a FH evoluírem na cadeia de valor e começarem a prestar serviços diretamente através de empresas participadas ou mesmo diretamente?
No nosso caso não está nos planos fazermos investimentos em unidades de saúde. Temos um investimento que para nós é muito importante e estratégico na área da saúde digital, de serviços de saúde através de telemedicina e temos um programa evolutivo para acrescentar outro tipo de programas de melhoria da condição de saúde, prevenção. Acreditamos que no futuro, a melhoria da saúde vai passar também pela prevenção e nesse sentido, termos um médico muito próximo do cliente 24 horas por dia é algo que estamos a procurar fazer e desenvolver. Hoje em dia a nossa clínica já abrange cerca de 400.000 clientes, temos uma uma posição importante na nossa atividade.
A FH já está em quatro países europeus e dois na América Latina. Qual é a estratégia para esta expansão?
Portugal um país relativamente pequeno e a FH já tem uma posição importante. É um país que, do ponto de vista de saúde, é bastante evoluído, contrariamente ao que os portugueses possam pensar. Temos hospitais de primeira linha, temos seguradoras de primeira linha, temos o serviço público também muito reconhecido, em algumas áreas, internacionalmente. Essa realidade deu-nos a oportunidade de podermos expandir internacionalmente para continuar a crescer e também para diversificar também. Para irmos além de estarmos só focados num país relativamente pequeno.
Como tem sido esse caminho?
Tem sido árduo, qualquer caminho de internacionalização tem as suas dores. Começámos há cerca de cinco, seis anos e neste momento temos operações em Espanha, onde adquirimos uma companhia muito importante, que presta serviços a 12 seguradoras. Temos uma operação na Roménia que começámos do zero e onde neste momento já temos três clientes muito importantes. A Roménia é um país onde estamos a crescer bem e com grandes perspetivas. A Polónia tem custado mais a arrancar, é um projeto que está um pouco mais lento. Na América Latina, temos Equador e México, e ainda é muito México, onde temos um novo cliente que nos dá também grande perspetiva de futuro. Foi basicamente uma estratégia de crescimento de negócio de perceber que em Portugal desenvolvemos competências que são adequadas para levar o negócio a outros países.
Estar num país é construir uma rede de prestadores….
Tem de se construir a rede de prestadores. Embora, no caso do México, só estamos com a tecnologia. Nós temos uma empresa tecnológica dentro do grupo que desenvolveu toda a nossa plataforma informática e essa empresa começou também a prestar serviços para fora do grupo. No México tivemos a oportunidade de implementar toda a nossa tecnologia para a gestão de uma seguradora importante.
A entrada nesses mercados será de aquisições de quem tem relacionamento com serviços médicos?
Procurarmos sócios estratégicos em empresas de grande dimensão no mercado e que possam usar a nossa tecnologia ou desenvolver projetos com a construção de rede médica nesses países. Nós construímos a rede médica em Espanha e na Roménia.
Em Portugal, nesta altura, operam neste setor FH, Multicare, Médis e Advance Care. Será que a cobertura dos serviços médicos já está assegurada ou são demais?
Não são demais. Neste momento cada um tem o seu espaço próprio e um desenvolvimento muito positivo, portanto é que é sinal que ninguém está a mais. Já encontrar espaço para entrar um novo player, parece-me um pouco difícil, dada a dimensão que cada uma dessas empresas já tem. Nós já operamos com mais de 1 milhão de clientes em Portugal e qualquer uma dessas três também tem um volume significativo de clientes. Devemos ser a terceira ou quarta em termos de dimensão, por isso torna-se difícil começar um negócio de novo aqui em Portugal.
A Mútua Portuguesa de Saúde (MPS) é o último fenómeno em seguros de saúde e a FH esteve bastante empenhada na sua fundação. Como vai a FH conjugar a MPS com a sua carteira de clientes?
É mais uma iniciativa do mercado na qual, é verdade, estivemos envolvidos desde o princípio como fundadores. Acreditamos que vai ocupar um espaço próprio, que tem mais a ver com os subsistemas. O setor bancário tem o SAMS, um sistema privado para quadros e colaboradores do setor bancário, mas todos os outros setores de atividade não têm nada de semelhante. A MPS tem como objetivo criar um subsistema privado para outros setores de atividade e daí o envolvimento de entidades como a CIP, ou a Confederação de Turismo e outros.
E qual o papel a desempenhar na MPS?
É, desde o início, o de sermos os gestores operacionais, da mesma forma que somos gestores operacionais de empresas de seguros, nossas clientes. É o caso da Companhia de seguros Vitória, da Aegon Santander e do próprio Banco Santander. Na área dos planos de saúde da EDP, da Vodafone e do ACP que nos acompanha desde o início.
Temos de levar inovação aos nossos clientes embora inovação que trazemos para o mercado muitas vezes nos custa alguns anos até conseguir sedimentar e transformar em negócio
A FH tem a marca seguradora de Saúde Prime. É para continuar?
A saúde prime é a nossa marca própria. Tem alguns anos e um crescimento relativamente modesto, porque reconhecemos que a nossa prioridade tem sido conseguir atender a todos estes novos clientes que temos tido e são bastante exigentes. Muitas vezes a nossa marca pode ter ficado um pouco mais lenta no seu crescimento. No entanto, é estratégica e é muito importante por ser a marca que nos dá capacidade de aprender e de desenvolver algumas iniciativas com inovação para testar o mercado.
Por exemplo…
Com a marca Saúde Prime colocámos no mercado os equipamentos de observação médica remota que são usados em telemedicina. Ou seja, isso permite-nos desenvolver iniciativas diretamente, com outros clientes seria mais difícil conseguirmos essa capacidade. Claramente é um projeto estratégico e vamos continuar a desenvolver e continuar a querer fazer crescer.
Quem é que tem a obrigação de liderar a inovação? A FH deve levar inovação aos seus clientes ou apenas viabiliza e operacionaliza as ideias dos clientes?
Temos de levar inovação aos nossos clientes. Procuramos sempre estar muito atentos ao que se passa no mercado, à inovação e temo-lo feito em diversas circunstâncias. É exemplo o cartão virtual, lançado há mais de dez anos, tecnologia que hoje em dia toda a gente usa. Outro exemplo está aqui referido de observação médica remota. É inovação que trazemos para o mercado e que muitas vezes nos custa alguns anos até conseguir sedimentar e transformar em negócio.
Como está a FH quanto a Inteligência Artificial (IA)?
Estamos muito comprometidos em toda a vaga de inteligência artificial que está a ser disruptiva em muitos setores. Já temos um programa de alargamento e de aceleração de inteligência artificial, porque vai ter um impacto muito significativo em setores como a saúde, como já está a ter nos seguros e nos serviços financeiros, como um todo e também na capacidade de relacionamento com os clientes.
A Inteligência Artificial não substitui pessoas, aumenta as capacidades das pessoas. Isso implica transformar a forma como trabalhamos e as capacidades que temos em lidar com as tecnologias.
Está a ver aplicações mais imediatas da inteligência artificial no setor?
Existem áreas muito óbvias no nosso setor como o processamento de sinistros e agilização de processos internos. Estamos a usar a inteligência artificial para automação de pagamentos e já temos uma percentagem muito significativa de pagamentos que fazemos sem qualquer intervenção humana. Na decisão clínica não, não por causa de tecnologia, mas porque tem restrições à utilização de IA. Na análise de fraude e análise de comportamentos de clientes estamos a usar e também para agilização interna de processos mais concretos. Portanto, há uma árvore de possibilidades de transformação que a inteligência artificial nos traz.
A pessoa que souber manejar inteligência artificial terá futuro? Ou seja, a inteligência artificial não substitui a pessoa?
Não substitui, aumenta as capacidades das pessoas. Temos de usar inteligência artificial para aumentar essas capacidades e para retirar do dia a dia coisas que são repetitivas e pouco eficientes. Isso implica transformar a forma como trabalhamos e as capacidades que temos em lidar com as tecnologias.
Falou-se que a gigante operadora de saúde Bupa estava a adquirir a FH. Como está essa situação?
O processo foi suspenso por um conjunto de circunstâncias. Achámos melhor fazermos uma restruturação societária antes de avançarmos para abrir a um parceiro estratégico. O que não significa que não poderá evoluir no curto médio prazo. Temos continuado a nossa vida normal, fazendo alguns rearranjos societários para depois retomarmos esse processo a curto médio prazo. Não sei se com a Bupa ou com o outro parceiro porque muitas vezes não sabemos qual é evolução de cada player.
A ideia é parceiro ou ser vendida na totalidade?
A ideia é um parceiro estratégico para continuar o desenvolvimento internacional que é muito exigente na estrutura de capital. A FH, neste momento é uma empresa familiar e estamos num setor de atividade em que os nossos clientes são todos grandes, grandes entidades, grandes multinacionais e entendemos que chegou à altura de dar dimensão que já tem a empresa, de ter outro modelo, uma estrutura mais robusta.
Será através de aumentos de capital?
A empresa tem tido sempre equilíbrio e todo o investimento é realizado através do reinvestimento dos seus resultados. Não é uma necessidade financeira, é simplesmente perceber que estamos num mundo muito turbulento e lidamos com empresas com exigências de capital muito elevadas. Faz parte do caminho normal de qualquer empresa passar uma fase de crescimento, de quase empreendedorismo, para uma estrutura mais corporativa.
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