Auditoria e madrugada de tempestade no FC Porto
O FC Porto despediu o treinador no meio de uma crise sem precedentes, espelhada por contas que mostram uma SAD em falência técnica e de uma auditoria forense com resultados alarmantes.
O FC Porto atravessa uma das fases mais turbulentas da sua história recente. Na madrugada desta segunda-feira, o clube anunciou o despedimento do treinador Vítor Bruno, após uma derrota por 3-1 frente ao Gil Vicente que deixou a equipa no terceiro lugar da Liga, a quatro pontos do líder Sporting.
“A FC Porto – Futebol, SAD informa que iniciou negociações com o treinador Vítor Bruno para a cessação, com efeitos imediatos, do contrato de trabalho desportivo que vigorava desde o início da presente época”, refere a SAD azul e branca em comunicado.
Vítor Bruno, que assumiu o comando técnico em junho de 2024 após a saída de Sérgio Conceição, deixa o clube com um registo de 18 vitórias, três empates e oito derrotas em 29 jogos. A gota de água terá sido a derrota em Barcelos, que motivou uma reunião de emergência no Estádio do Dragão durante a madrugada desta segunda-feira com a presença do presidente André Villas-Boas, equipa técnica e todo o plantel.
Mas os problemas do FC Porto vão muito além das quatro linhas. Uma auditoria forense realizada pela Deloitte aos últimos 10 anos de governação de Jorge Nuno Pinto da Costa a que o ECO teve acesso revela um cenário financeiro alarmante, que aponta para uma série de operações que terão lesado o FC Porto em cerca de 60 milhões de euros.
A auditoria forense estima que o FC Porto terá sido lesado em cerca de 50 milhões de euros entre as épocas 2014/2015 e 2023/2024, por conta de ter contratado cerca de 47% de comissões em excesso com transferências de jogadores.
A auditoria, que abrangeu o período de 2014/15 a 2023/24, focou-se em três áreas críticas: venda de bilhetes (bilhética), transferências de jogadores e despesas de representação dos membros das administrações de Pinto da Costa.
No campo da bilhética, a auditoria identificou irregularidades graves na venda de bilhetes à claque dos Super Dragões e às Casas do clube. O relatório estima perdas de 5,1 milhões de euros nas cinco épocas analisadas (2017/18, 2018/19, 2021/22, 2022/23 e 2023/24) relacionadas com a comercialização de bilhetes dos jogos da equipa principal.
Entre as irregularidades mais flagrantes, destaca-se mais de 2 milhões de euros de “dívidas por saldar relativas aos bilhetes vendidos aos Super Dragões para jogos disputados na condição de visitado e visitante nas épocas analisadas”, sublinhando ainda que não foi possível estimar o volume de negócio decorrente da revenda ilegal destes bilhetes.
Além disso, a auditoria revelou que, “na quase totalidade dos jogos disputados na condição de visitado, verificou-se que todos os bilhetes vendidos aos Super Dragões foram objeto de desconto sobre o respetivo valor facial, contrariamente ao estipulado nos Protocolos.”
Negócios paralelos com a compra e venda de jogadores
No capítulo das transferências de jogadores, as conclusões são igualmente preocupantes. A auditoria estima que o FC Porto terá sido lesado em cerca de 50 milhões de euros entre as épocas 2014/2015 e 2023/2024, por conta de ter contratado cerca de 47% de comissões em excesso, totalizando 155,8 milhões de euros em vez dos 105,9 milhões que seriam expectáveis segundo os referenciais da FIFA.
Segundo os auditores, “27% dos movimentos de saídas e 61% dos movimentos de entradas apresentaram comissões acima do standard de mercado [quando o máximo deveria ser de 10% do valor de transação], com montantes adicionais de 17,4 milhões de euro e 21,1 milhões de euro, respetivamente”.
A concentração de intermediários nas transferências também foi alvo de escrutínio, com a auditoria forense a apontar para que “50% das comissões totais foram atribuídas aos oito principais intermediários (80 milhões de euros), com os três primeiros a receberem 35% do total (56 milhões de euro)”, além de que “foram assinados 16 mandatos de exclusividade com cinco intermediários para jogadores-chave”, lê-se no documento.
A análise dos auditores da Deloitte refere inclusive uma análise aprofundada de 55 jogadores que “revelou várias ‘red flags’, incluindo a ausência de documentação de suporte para decisões de transferências, comissões acima dos referenciais FIFA e pagamentos em incumprimento.”
No plano das despesas de representação, a auditoria forense identificou 3,6 milhões de euros em gastos não elegíveis de acordo com o regulamento interno da SAD do Dragão, sublinhando que “parte significativa das despesas foi utilizada para fins pessoais” como joias, bens de luxo, material desportivo e informático, e ainda:
- Viaturas: Cerca de 1,12 milhões de euros referentes ao uso simultâneo de vários veículos, mesmo por familiares, e aproximadamente 250 mil euros de despesas em combustível e portagens sem limite máximo estabelecido.
- Refeições: Cerca de 700 mil euros de “refeições profissionais” sem justificação objetiva.
- Viagens: Aproximadamente 700 mil euros em viagens privadas para destinos não relacionados com o FC Porto.
- Trabalhos especialistas: Cerca de 500 mil euros em obras e mobiliário para uso privado por parte da anterior administração
Contas no vermelho e sob alerta máximo
As revelações apontadas pela auditoria forense da Deloitte surgem num momento particularmente delicado para o FC Porto. A SAD do clube apresentou prejuízos de 21 milhões de euros na última época da presidência de Pinto da Costa, que terminou em maio de 2024, ao mesmo tempo que as contas mostravam que a SAD permanece numa situação de falência técnica com capitais próprios negativos de 230,6 milhões de euros no final de junho de 2024.
Para agravar o cenário, o último empréstimo obrigacionista lançado pela SAD portista junto dos pequenos investidores ficou aquém das expectativas. Dos 30 milhões de euros pretendidos, apenas foram captados 21 milhões de euros, refletindo uma crescente desconfiança do mercado relativamente à saúde financeira do clube.
André Villas-Boas, que assumiu a presidência do FC Porto em maio de 2024, enfrenta agora o desafio hercúleo de recuperar a credibilidade financeira do clube e recolocar a equipa na rota das vitórias. A auditoria forense foi uma das suas promessas eleitorais, visando trazer transparência à gestão do clube.
O novo presidente do clube azul e branco já implementou algumas medidas para tentar equilibrar as contas, incluindo a renegociação da dívida e a venda de 30% dos direitos do estádio, num negócio que pode render 100 milhões de euros. No entanto, o caminho para a recuperação afigura-se longo e árduo.
Os resultados da auditoria forense lançam uma sombra sobre a gestão passada e colocam em causa a sustentabilidade financeira do clube a longo prazo. E a saída de Vítor Bruno do comando da equipa de futebol é apenas a ponta do iceberg de uma crise profunda que se estende muito além das quatro linhas.
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