Trump deixa mercados à deriva. Volatilidade é a única certeza

Os avanços e recuos nas tarifas causaram instabilidade na negociação neste arranque de semana, com os analistas a alertarem para os riscos que a imposição de taxas aduaneiras tem para as ações.

Depois de uma primeira reação negativa à imposição de tarifas por parte dos EUA ao Canadá, México e China, o recuo (por agora) nas taxas aduaneiras ao México e Canadá devolveu algum otimismo aos investidores. Mas o alívio poderá ter “perna curta”. Tudo vai depender da evolução das negociações, também com outros parceiros comerciais, como a União Europeia. Os analistas antecipam vários cenários – uns mais negativos, outros menos – , mas uma coisa é certa: a volatilidade vai continuar a marcar passo na negociação.

A promessa de tarifas marcou a campanha eleitoral de Donald Trump e o novo presidente norte-americano não perdeu tempo a implementar as novas taxas aduaneiras. Há duas semanas na Casa Branca, o republicano aproveitou o início do novo mês para impor tarifas de 25% sobre as importações canadianas e mexicanas e de 10% sobre os bens que chegam da China. Quanto à Europa, Trump já avisou que novas taxas não deverão tardar.

Uma primeira reação às tarifas de Trump acelerou um sell-off nas ações europeias e americanas, após os índices terem batido novos recordes, com o setor automóvel europeu a cair um máximo de quase 4%, enquanto o dólar ganhou distância para o euro, que recuou para mínimos de dois anos, para negociar em torno de 1,025 dólares. Ainda no mercado cambial, o dólar canadiano tombou para mínimos de 20 anos.

O anúncio de um acordo com o México – e com o Canadá já depois do fecho de Wall Street – para adiar as tarifas pelo prazo de um mês trouxe algum alívio aos mercados, com as ações dos setores mais penalizados a aliviarem parte das descidas, mas não o suficiente para impedir um fecho negativo, com todas as praças do Velho Continente a perderem valor.

O índice alemão DAX caiu 1,5%, o espanhol IBEX 35 desceu 1,3%, o francês CAC 40 desvalorizou 1,2%, o neerlandês AEX perdeu 0,62%, o italiano FTSE MIB recuou 0,69% e o britânico FTSE 100 resvalou 1,04%. Já o Euro Stoxx 50, das cotadas da zona euro, fechou com uma desvalorização de 1,26%.

Quem esteve a ganhar foi a volatilidade. O índice VIX, o chamado índice do medo, acelerou para máximos de uma semana para 20,41 pontos, tendo depois aliviado para 18,43 pontos, bem acima da média 15,8 pontos do último ano. E a expectativa é que o sobe e desce dos mercados continue a refletir o nervosismo dos investidores até perceberem o rumo da política comercial norte-americana.

David Kelly, estratega global chefe da JPMorgan AM, realça que, ainda que o desfecho desta guerra comercial “permaneça muito incerto”, os investidores “têm todos os motivos para estarem preocupados com uma guerra comercial”.

“Uma guerra comercial tem o potencial para transmitir um impulso estagflacionário a este ambiente de investimento, aumentando a inflação e as taxas de juro, ao mesmo tempo que prejudica o crescimento e os lucros“, avisa o especialista.

“No nosso cenário base, não esperamos que as tarifas de 25% sobre o Canadá e o México sejam sustentadas por um período prolongado”, antecipam os analistas do UBS, num comentário diário. Os especialistas acreditam que “a administração Trump não gostaria de pôr em risco o crescimento económico dos EUA ou arriscar uma inflação mais elevada ao manter as tarifas em vigor durante um período sustentado, e uma volatilidade significativa no mercado de ações poderia levar a uma mudança de abordagem”.

O banco assume, contudo, que o tema das tarifas deverá continuar a pesar, no curto prazo, nos mercados e a criar incerteza. Dito isto, o UBS refere que, embora continue a acompanhar de perto a política comercial, o cenário base continua a indicar que o S&P 500 suba para 6.600 até ao final do ano.

É pouco provável que as tarifas sobre o Canadá e o México sejam sustentadas, o crescimento económico dos EUA deverá representar um vento favorável para as ações e continuamos a acreditar que a IA apresenta um poderoso vento estrutural favorável para os lucros e os mercados acionistas”, defende o banco suíço.

Os especialistas da Generali Investments também se mostram confiantes numa “rápida suspensão das tarifas, à medida que os países visados ​​tomam medidas para resolver as crises do fentanil e da imigração. Mas espera-se um processo complicado”.

Os especialistas avisam, porém, que a incerteza em torno da política comercial “permanece elevada”.

Da complacência ao pessimismo

Apesar das ameaças de tarifas por parte de Donald Trump, os mercados assumiram uma complacência em relação à imposição de novas taxas aduaneiras, pelo que o avanço das tarifas levou vários bancos de investimento a rever as suas estimativas.

O Goldman Sachs, por exemplo, calcula que as tarifas, a materializarem-se de forma sustentada, poderão “custar” entre 2% e 3% aos lucros das empresas do S&P 500. Já o Morgan Stanley prevê que os mercados acionistas permaneçam sob pressão.

Quanto à economia, o gigante de Wall Street antecipa que as medidas anunciadas por Trump poderão reduzir o PIB em 0,4% e aumentar a inflação em 0,7%, enquanto o Morgan Stanley estima “um impacto ainda mais severo, com potencial para reduzir o PIB dos EUA até 1,1%”.

Apesar deste recuo nas estimativas, muitos especialistas continuam a duvidar que Trump leve as tarifas avante, caso isso custe crescimento à economia.

Depois de uma semana em que a IA agitou os mercados, levando gigantes do setor, como a Nvidia a afundar, agora são as tarifas a levar o sentimento dos investidores do pessimismo ao alívio no espaço de poucas horas. Sem grande visibilidade quanto àquele que poderá ser o desfecho das negociações entre os EUA e grandes parceiros comerciais, nem sobre quais as concessões, os mercados deverão continuar a oscilar ao sabor das notícias que saem da Casa Branca.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Trump deixa mercados à deriva. Volatilidade é a única certeza

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião