Guerra das tarifas acorda fantasma da inflação e incerteza nos juros
Aceleração da inflação nos EUA no curto prazo é esperada pelos economistas. Fed deverá "esperar para ver", enquanto na Zona Euro a dúvida é sobre o ritmo da descida dos juros
O ‘monstro’ da inflação ainda não estava totalmente adormecido e as tarifas impostas pelos Estados Unidos aos produtos provenientes do Canadá, México, China e eventualmente da União Europeia podem ser o suficiente para o despertar novamente. Uma nova onda inflacionista à escala da última crise parece descartada para já, mas caso a guerra comercial se concretize o ritmo de subida dos preços deverá voltar a aumentar e os bancos centrais poderão pôr em modo pausa – mesmo que temporariamente – a descida dos juros.
Michael Medeiros, estratega macroeconómico da Wellington Management, explica que a economia sugere que “as taxas alfandegárias são inflacionistas no curto prazo, mas desinflacionistas no médio prazo devido às implicações negativas no crescimento”. No entanto, alerta que esta posição não tem em conta o ponto de partida atual da inflação – que se tem situado acima da meta dos bancos centrais – ou o comportamento das expectativas de inflação.
“As expectativas de inflação são agora tão importantes como as leituras de inflação. Isto traduz-se em taxas de inflação iniciais mais elevadas“, refere.
As taxas alfandegárias são inflacionistas no curto prazo, mas desinflacionistas no médio prazo devido às implicações negativas no crescimento.
Os economistas estão convictos de que a inflação irá acelerar no curto prazo nos Estados Unidos, mas não só. Como o ECO explica aqui, um estudo do Peterson Institute for International Economics prevê que um agravamento das tarifas resulte também numa aceleração da inflação para todos os países envolvidos. No caso dos EUA – e considerando as taxas aplicadas à China, Canadá e México – acrescenta 0,54 pontos percentuais ao cenário base para este ano, com o impacto a diluir-se nos anos seguintes. No caso do México, a inflação seria 2,27 pontos mais elevada e no Canadá 1,68 pontos mais elevada.
Já o Abn-Amro prevê que a inflação subjacente norte-americana irá subir entre 0,6 pontos e 0,7 pontos nos próximos meses. “Uma parte significativa do impacto da inflação global seria evitável, uma vez que as importações de energia, que representam mais de 30% das importações do Canadá, estariam “apenas” sujeitas a uma tarifa de 10%”, apontam os analistas do banco numa nota de research. No entanto, recordam que as importações de petróleo bruto do Canadá representam 60% do total das importações de petróleo dos EUA, levando provavelmente a aumentos impopulares nos preços da gasolina.
No curto prazo, as tarifas podem aumentar ligeiramente o consumo à medida que os consumidores aceleram as compras para evitar pagar os preços mais altos no futuro. No entanto, os economistas do ING alertam que a redução dos rendimentos familiares, especialmente das famílias com rendimentos mais baixos, tornar-se-á visível nos próximos meses.
“Embora os aumentos de preços de alimentos perecíveis, como pepinos, alface ou carne, possam ser sentidos quase imediatamente, o impacto sobre os bens duradouros pode ser desfasado“, advertem.
Como exemplo apontam o que ocorreu em 2018, quando foram necessários cerca de três meses para que os preços das máquinas de lavar roupa subissem, à medida que os retalhistas esgotavam os seus stocks pré-tarifários. Posteriormente, os preços ao consumidor dos equipamentos de lavandaria aumentaram 12%, deixando os consumidores a suportar o peso dos aumentos tarifários.
“Além disso, os fabricantes nacionais aumentaram os seus preços, tendo um impacto ainda maior para os consumidores, até que os ajustes na cadeia de abastecimento e o aumento da concorrência acabaram por baixar novamente os preços”, explicam.
Filipe Garcia, economista e presidente do IMF – Informação de Mercados Financeiros, acredita que o impacto das tarifas à China será limitado na inflação dos EUA, tendo em conta a tipologia de bens. Em declarações ao ECO, assinala contudo que o México, Canadá, China e Zona Euro representam 60% das importações dos EUA, pelo que aí o impacto na inflação e na quantidade de bens será mais evidente. “Itens como produtos petrolíferos, farmacêuticos, alimentos frescos e veículos poderiam ter impacto na inflação sobretudo se estivermos a falar de tarifas de 25%“, aponta.
O economista destaca que pode haver impacto na inflação da Zona Euro, mas “mais pela via da valorização do dólar – o peso da China nas importações da Zona Euro é de 20,8% e é uma economia muito dolarizada -, do que propriamente pelo encarecimento das exportações dos EUA, assumindo que estamos a falar de tarifas de 10%”.
Para George Brown e David Rees, economistas na Schroders, as previsões para o crescimento e a inflação evoluem na direção “estagflacionária”. Num comentário enviado aos mercados, assinalam que é esperado um enfraquecimento das perspetivas de crescimento dos EUA acompanhado por uma inflação mais elevada e um resultado de crescimento/inflação mais baixo para o resto do mundo.
Apesar de reconhecer que “um cenário de maior protecionismo a nível global é inflacionista, no sentido em que maior fricção comercial internacional implica preços mais altos dos bens, mas também menos quantidade transacionada”, Filipe Garcia acredita que o impacto será mais ao nível da quantidade transacionada do que do preço. “Ou seja, o crescimento arrisca ser mais afetado do que a inflação“, refere o economista em declarações ao ECO.
Bancos centrais vão esperar para ver?
A Euribor desceu na terça-feira a três, a seis e a 12 meses, nos dois prazos mais curtos para novos mínimos desde fevereiro de 2023 e dezembro de 2022, e nos dois prazos mais longos para níveis abaixo de 2,5%, na ressaca dos avanços e recuos de Donald Trump. De acordo com uma nota de research do banco UBS, os desenvolvimentos da política comercial norte-americana “não fizeram mais do que aumentar o risco de que o Banco Central Europeu (BCE) tenha de reduzir ainda mais as taxas de juros para apoiar a economia”.
Filipe Garcia destaca que o protecionismo tem impactos de alta de inflação no curto prazo, mas de moderação da procura a médio prazo. Neste sentido, acredita que para já não terá impacto na ação do BCE. “No caso do BCE, a trajetória de queda dos juros é clara e comunicada e parece-me que as tarifas não deverão inverter esse caminho. Quando muito, poderá haver uma desaceleração do ritmo de cortes“, prevê.
O economista defende que, sendo as tarifas uma ameaça ao crescimento e estando a Zona Euro já numa situação delicada, não deverá haver “condições para o BCE alterar o rumo da política monetária“.
No caso do BCE, a trajetória de queda dos juros é clara e comunicada e parece-me que as tarifas não deverão inverter esse caminho. Quando muito, poderá haver uma desaceleração do ritmo de cortes.
Já no caso da Reserva Federal norte-americana (Fed), a instituição estará em modo “esperar para ver”, o que para o economista é “muito correto”. “Os efeitos na inflação dependerão da dimensão e espectro das tarifas, mas há outros fatores como por exemplo as dinâmicas migratórias. A eventual escassez de mão de obra nos EUA poderá ser mais inflacionista do que as tarifas”, adverte Filipe Garcia.
Por seu lado, os economistas da Oxford Economics consideram que a Fed “terá receio de continuar o ciclo de flexibilização”, prevendo que mantenha as taxas por mais tempo do que o previsto para avaliar o impacto que têm em ambos os lados do seu duplo mandato.
“A resposta da Fed às tarifas não é simples, mas não acreditamos que uma política monetária mais restritiva esteja nos planos, uma vez que aumentaria o peso das tarifas sobre a economia. Se o impacto sobre a inflação fosse transitório, então o custo para a economia seria demasiado elevado”, argumentam.
Já Michael Medeiros, estratega macroeconómico da Wellington Management, prevê que a Fed estará mais focada na protecção contra uma inflação mais elevada a curto prazo. “Uma política prudente da Fed seria manter as taxas estáveis, mas se as expectativas de inflação aumentarem significativamente nos próximos meses, não pode ser descartada uma subida das taxas de juro“, aponta.
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