Sangria nas obrigações ofusca ganhos nas bolsas. Trump 2.0 “guia” mercados para a incerteza
O sell-off nas bunds alemãs contagiou o mercado da dívida global e está a gerar preocupação, ofuscando o bom desempenho das bolsas europeias, que seguem em máximos apesar da ameaça das tarifas.
De sobressalto em sobressalto. Assim tem sido a negociação nos mercados financeiros mundiais, nesta nova era de Trump na presidência dos EUA. Depois do abalo das tarifas — com novos desenvolvimentos esta semana — , dos EUA terem ameaçado retirar-se das negociações para o fim da guerra na Ucrânia e a retirarem as ajudas ao país, forçando a Europa a assumir a dianteira e a anunciar um reforço do investimento na defesa, o sell-off nas obrigações está a minar a confiança dos investidores. E a ofuscar o brilho das ações europeias face às norte-americanas.
Depois de terem registado o maior disparo desde 1990 na última quarta-feira, os juros das bunds alemãs a dez anos, a taxa de referência, voltaram a tocar novos máximos durante a última sessão, com a yield germânica a subir para 2,929%, o valor mais elevado desde 2023.
Yields alemãs disparam após anúncio de fundo de 500 mil milhões
As taxas de juro alemãs têm estado a reagir à possibilidade do novo governo alemão criar um fundo de 500 mil milhões de euros para financiar as despesas com defesa e infraestruturas, para ajudar a acelerar a retoma da maior do euro. Este anúncio está a levar os investidores a pedir um cupão mais elevado para emprestar dinheiro à Alemanha, com a escalada dos juros germânicos, o mercado de referência do euro, a contagiar os juros da dívida de outros países.
A taxa de juro das gilts britânicas a dois anos fixou máximos de janeiro de 2021, enquanto a taxa a 30 anos tocou no valor mais elevado desde janeiro de 2015. No Japão, a taxa de referência a 10 anos atingiu máximos de 16 anos e a taxa a 10 anos das norte-americanas treasuries segui a acompanhar o movimento de subida, apesar de os mercados continuarem a antecipar novos cortes de juros por parte da Reserva Federal dos EUA. O juro a 10 anos das obrigações portuguesas seguia a negociar acima de 3,37%.
“A realidade é que ainda não acho que a enormidade das notícias (alemãs) tenha chegado perto de ser totalmente compreendidas e digeridas pelos investidores globais“, disse Jim Reid, do Deutsche Bank, citado pela Reuters.
“Esta é uma mudança sísmica das proporções mais épicas e talvez apenas dinheiro rápido e investidores ágeis tenham respondido até agora”, acrescentou o mesmo especialista. Também o ING concorda que “os 500 mil milhões de euros para investimentos em infraestruturas nos próximos 10 anos vão definitivamente impulsionar o crescimento alemão“.
Para Mark Haefele, diretor de investimentos da UBS Global Wealth Management, estes investimentos adicionais “só podem começar a infiltrar-se na economia no final deste ano e em 2026”. “Mas, apesar dessas ressalvas, o ousado plano fiscal tem o potencial de impulsionar o crescimento e dar suporte aos ativos da Zona Euro“, acrescentou, mencionando uma possível melhoria da confiança e um cenário mais otimista para as ações.
Os juros das obrigações mantiveram o movimento de subida, mesmo depois de o Banco Central Europeu ter anunciado um novo corte das taxas de juro de 25 pontos base. A redução, amplamente esperada pelo mercado, reduziu a taxa de referência de 2,75% para 2,5%, com a entidade monetária a apontar uma política menos restritiva. Apesar deste anúncio, a presidente Christine Lagarde destacou que há “riscos em todo lado” que impedem o BCE de se comprometer com novos cortes, com os analistas a realçarem que uma nova descida em abril não está certa para já.
Bolsas europeias seguem na dianteira
O recente sell-off nas obrigações tem ofuscado o bom desempenho das bolsas europeias, que somam e seguem, distanciando-se das praças norte-americanas, que já negoceiam no vermelho. Apesar de algum nervosismo durante a sessão, os principais índices europeus fecharam o dia em alta, com o alemão Dax a brilhar, com um novo recorde, elevando os ganhos acumulados desde o início do ano.
A bolsa alemã regista o melhor desempenho em 2024, com um ganho de quase 18%, enquanto o espanhol IBex-35 sobe cerca de 14% e o francês CAC-40 ganha mais de 11%. O índice europeu Stoxx 600, que agrega as 600 maiores capitalizações da região, também apresenta uma valorização expressiva, próxima de 10%, negociando em território de máximos. Já o português PSI segue com um ganho mais tímido, de apenas 4,9%, arrastado mais uma vez pelas ações do grupo EDP.
Depois de anos de underperformance face aos EUA, a Europa segue agora com um desempenho superior ao registado pelos índices norte-americanos, que já negoceiam com sinal de menos: o S&P 500 cai 1,76%.
Apesar do anúncio de uma série de tarifas por parte dos EUA, os mercados acionistas europeus têm reagido positivamente à resposta europeia às medidas de Donald Trump. Bruxelas comunicou esta semana um plano para mobilizar 800 mil milhões de euros para a defesa europeia, catapultando as ações do setor.
A sustentar a negociação na região tem estado ainda o forte desempenho do setor da banca, assim como a recuperação do setor automóvel, depois de os EUA terem decidido adiar por um mês a imposição das tarifas aduaneiras sobre o setor.
Ao contrário do que aconteceu no seu primeiro mandato, quando agia com o objetivo de sustentar os mercados e celebrava os recordes de Wall Street, o chamado efeito Trump parece ter desaparecido.
Desde que Trump regressou à Casa Branca a 20 de janeiro, as políticas tarifárias do republicano abalaram os mercados, minaram a confiança dos consumidores e das empresas e aumentaram os receios que estas medidas tenham um impacto negativo na economia e na inflação, que mantinha uma tendência descendente rumo ao target da Fed.
Assim, enquanto os mercados acionistas atravessam um período conturbado, o mercado da dívida apresenta-se como um foco importante para a administração republicana, com Trump determinado em reduzir a despesa.
“Hoje, as taxas de juros tiveram uma bela queda — uma queda grande, bela — já estava na hora”, disse Trump na terça-feira. “E no futuro próximo, quero fazer o que não foi feito em 24 anos: equilibrar o orçamento federal — vamos equilibrá-lo.”
Para George Cipolloni, gestor da Penn Mutual Asset Management não faz sentido “mergulhar a economia numa recessão só para reduzir a taxa a 10 anos”.
Trump mantém nuvem negra
Olhando para a frente, apesar da maioria dos analistas continuar a identificar espaço para ganhos nas ações, há uma nuvem de incerteza que continua a pairar sobre os mercados. “A atenção está agora focada em anúncios comerciais, já que os mercados ainda não descontaram totalmente o potencial das políticas de Trump. Esperamos que a volatilidade persista com qualquer notícia adicional sobre tarifas”, escreve a Amundi, numa nota de research.
Para a equipa de especialistas liderada por Mahmood Pradhan, head of global macro da Amundi Investment Institute, a apesar desta incerteza, “o ambiente de mercado provavelmente permanecerá suportado pelo atual cenário económico positivo no primeiro semestre do ano, mas a incerteza é grande. À medida que avançamos para a última parte do ano, o impacto das tarifas sobre o crescimento económico e a inflação pode levar a revisões de lucros, potencialmente prejudicando o sentimento de risco“.
Já no mercado cambial, o dólar, que recuou esta semana para mínimos de quatro meses face ao euro, deverá manter-se robusto. “Temos uma perspetiva positiva para o dólar”, diz a Amundi, realçando que antecipa que a nota verde ganhe face ao euro, “devido a fundamentais macroeconómicos contrastantes e políticas divergentes dos bancos centrais”.
A moeda única negoceia atualmente em torno de 1,08 dólares, acumulando uma valorização superior a 4% esta semana, naquela que é a melhor série de cinco dias desde março de 2009.
Já os mercados emergentes deverão continuar a ser mais penalizados pela política tarifária de Trump, em detrimento dos mercados desenvolvidos.
Entre os chamados ativos de refúgio, o ouro continua a brilhar — ainda que já tenha brilhado mais — e segue a negociar acima de 2.900 dólares por onça, animado pela procura por proteção num quadro de crescente instabilidade política e económica.
“A magnitude, o timing e o âmbito das tarifas recentemente anunciadas pela administração dos EUA permanecem pouco claros, mas a reação inicial do mercado tem sido previsível”, realça a Amundi, apontando que o seu “impacto de longo prazo é incerto“.
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