Falta de regulação e de ação estão a travar o biometano, alerta o setor

Falta um enquadramento legal mais claro e a concretização do plano nacional para o biometano, assinala o setor, no rescaldo de um concurso com maus resultados para este gás.

O biometano ficou muito aquém das expectativas no último concurso de gases renováveis, cujos resultados foram conhecidos em meados de fevereiro. Os representantes do setor apontam como justificação os atrasos na concretização do plano nacional para este gás, assim como a falta de um enquadramento regulatório que promova o desenvolvimento dos projetos. Ainda assim, mostram-se confiantes no futuro deste gás em Portugal.

A Direção Geral da Energia e Geologia (DGEG) selecionou em meados de fevereiro as empresas que irão receber as verbas do leilão de 140 milhões de euros para apoio a projetos de gases renováveis. Entre elas, houve várias com projetos de hidrogénio verde vencedores, mas conta-se apenas uma candidatura na área do biometano, da Dourogás Renovável, que foi admitida.

A Dourogás Renovável assegurou a adjudicação de 1.990 megawatts-hora (MWh), o que significa que a capacidade adjudicada para este gás renovável ficou 75 vezes abaixo do limite previsto no âmbito do concurso, os 150 gigawatts-hora (GWh).

A maior distribuidora de gás no país, a Floene, aponta como a “grande justificação” para o resultado (negativo) do leilão, no caso do biometano, o facto de a estratégia para o hidrogénio verde estar mais avançada do que a do biometano.

No momento do leilão, para este último gás, “faltavam ainda a concretização das regras, dos mecanismos e do enquadramento legislativo/regulatório necessários para o real desenvolvimento dos projetos”.

Numa carta aberta entregue à Assembleia da República e ao Governo, na semana passada, várias personalidades e entidades do setor afirmam que o Plano de Ação para o Biometano, que data de fevereiro de 2024, “é uma oportunidade única para o nosso País, que não pode ficar no papel”, pelo que “é urgente, inadiável e indispensável a sua implementação, com ações e medidas concretas”.

"Urge implementar o Plano de Ação para o Biometano, com metas claras e ambiciosas, articulado com um melhor enquadramento legal e regulatório.”

Carta Aberta pelo Biometano

Neste sentido, os signatários apontam que “urge implementar o Plano de Ação para o Biometano, com metas claras e ambiciosas, articulado com um melhor enquadramento legal e regulatório (desde logo, para a produção e injeção de biometano na rede)”.

Os mesmos consideram necessário um reforço de incentivos fiscais e financeiros, nomeadamente ao investimento em unidades de produção e respetivas ligações, assim como a simplificação de processos de licenciamento. Pedem ainda o envolvimento e coordenação de vários ministérios e entidades e a criação de estratégias de apoio a iniciativas e parcerias locais e regionais.

A Floene, na voz do responsável pelas operações (COO) Miguel Farias, sublinha ainda que a constituição do Grupo de Acompanhamento e Coordenação do Plano de Ação para o Biometano (GAC-PAB) foi lançada em fevereiro deste ano mas que a considera incompleta, já que ficam de fora as entidades reguladoras dos resíduos (ERSAR) e da energia (ERSE), assim como representantes das autarquias e os operadores das redes de distribuição, grupo no qual a Floene se insere.

De momento, o despacho que prevê a criação deste grupo inclui 16 membros, que se desdobram entre representantes do Governo, dos agricultores e de associações empresariais e de proteção ambiental.

A própria regulamentação da sua utilização [dos resíduos] é pouco esclarecedora, o que não garante a estabilidade necessária para que o setor se desenvolva em todo o seu potencial.

Nuno Moreira

CEO da Dourogás

No entender de Nuno Moreira, CEO da Dourogás, a circularidade, que considera uma das grandes vantagens do biometano, pode ao mesmo tempo representar “um desafio acrescido para a sua produção”, visto implicar o envolvimento de vários agentes, a começar pelo acesso à matéria-prima.

O biometano pode ser produzido a partir de resíduos orgânicos como os resíduos urbanos ou agropecuários, mas “existe ainda alguma dificuldade de acesso a estes resíduos”, acrescenta o CEO da Dourogás.

A própria regulamentação da sua utilização [dos resíduos] é pouco esclarecedora, o que não garante a estabilidade necessária para que o setor se desenvolva em todo o seu potencial”, pontua. Por fim, entende que é importante que o setor seja olhado como um todo e que estes concursos evoluam a par com investimentos nas infraestruturas.

Valores de apoio no concurso foram limitados

A Dourogás Renovável assegurou a adjudicação dos 1.990 MWh de capacidade de produção de biometano ao preço de 62 euros por MWh. A nota do Governo que anunciava o lançamento do leilão aponta que era o preço máximo a praticar no caso do biometano.

De acordo com o Plano Nacional de Biometano, indica contudo Nuno Moreira, o valor de 62 euros consegue custear a limpeza do biogás, mas não a sua produção. Esta última implica a construção de novos digestores, as infraestruturas que transformam resíduos em biogás e, lê-se no mesmo plano, estes custos representam o dobro do valor. Miguel Farias afere que, para a purificação de biogás, o preço definido neste concurso é adequado, mas para projetos de raiz “o preço terá de ser superior” e dependerá do tipo de resíduo utilizado e valorizado.

No caso da Dourogás Renovável, questionada sobre o motivo pelo qual o concurso se afigurou como interessante para submeter a candidatura, o CEO indica que “a experiência e os resultados que a Dourogás tem produzido [desde que se iniciou no biometano, em 2010] mostra que temos todas as capacidades para podermos para apresentar e concretizar projetos eficientes”, e confirma que já possuía um digestor anterior à candidatura.

O COO da Floene acrescenta que os promotores de projetos de hidrogénio verde já garantiram fundos também no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e têm processos de licenciamento mais simples, em comparação com o biometano.

O gestor da Dourogás sugere ainda que a taxa de carbono cobrada ao sistema de gás – que atualmente financia sobretudo o défice tarifário elétrico – seja utilizada para ajudar a descarbonizar o setor do gás, apoiando projetos de biometano.

Setor espera mais sucesso no futuro

“Esperamos por novos procedimentos que analisaremos para perceber quais os moldes em que poderão ter mais sucesso”, afirma Nuno Moreira. Além disso, defende que é necessário perceber as razões que condicionaram as candidaturas dos promotores e agir no sentido de as corrigir, “apoiando e criando condições mais adequadas”.

Questionado sobre se o futuro do biometano em Portugal está em causa, face aos recentes desenvolvimentos, Nuno Moreira crê que não: “Portugal tem feito um caminho notável no setor da energia e acreditamos que o biometano será mais um bom exemplo”.

O facto de sermos os últimos dá-nos oportunidade de implementar as melhores práticas da Europa. Mas é urgente acelerarmos e recuperarmos o tempo em atraso.

Miguel Faria

COO da Floene

Miguel Faria concorda que as perspetivas são positivas: “Estamos certos de que o próximo leilão de biometano será um sucesso. Criadas as condições, os projetos aparecerão – e em força”. O mesmo sublinha que está a registar-se “um grande interesse neste mercado”: ao longo de 2024, os pedidos de injeção de biometano na rede aumentaram 500%.

Para o COO da Floene, “é expectável” que Portugal siga o exemplo de outros Estados-membros. Em França, todas as semanas têm sido ligadas duas a três unidades de biometano, assinala, enquanto em Espanha nasceram 30 projetos em 2024.

O facto de sermos os últimos dá-nos oportunidade de implementar as melhores práticas da Europa. Mas é urgente acelerarmos e recuperarmos o tempo em atraso”, conclui.

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