Luís Pedro Duarte, líder da associação portuguesa de 'data centers', explica como o "estrangulamento" de outros mercados será catalisador de investimento no país.
O “estrangulamento” da rede elétrica que já se faz sentir em alguns dos principais mercados de data centers poderá beneficiar Portugal enquanto destino alternativo, argumenta o presidente da PortugalDC, Luís Pedro Duarte, que estima que o país possa captar mais de 12 mil milhões de euros de investimento neste setor nos próximos cinco anos. Uma parte significativa será canalizada para infraestruturas aptas aos requisitos da inteligência artificial (IA), vaticina.
O presidente da PortugalDC considera também que a Operação Influencer — a investigação judicial em curso que envolve o projeto de construção de um campus de data centers de grande dimensão em Sines, e que foi notícia nacional por ter culminado no pedido de demissão do então primeiro-ministro António Costa –, pode ter contribuído para aumentar a literacia nacional sobre a função que desempenham estas infraestruturas: “Bem ou mal, a palavra acabou por estar na agenda dos portugueses”, observa.
A PortugalDC foi fundada em 2023 e conta atualmente com 88 membros, entre os quais 60 portugueses e 13 espanhóis, as duas nacionalidades mais representadas. Entre os membros encontram-se 11 operadores de data center, dos quais oito com número de identificação fiscal português.
Já há sítios em que já não há capacidade para construir mais data centers de alta densidade. Não há capacidade na rede elétrica. Ou começam a desligar cidades para ligar data centers, ou então já não chega para todos.
Os data centers que Portugal tem estado a atrair já estão adaptados às exigências da inteligência artificial?
Já estão adaptados, mas não todos. Do ponto de vista macro, há dois tipos de data center: os edge, instalados nas grandes cidades e próximos dos clientes, e os hyperscalers. Os que estão nas cidades têm uma necessidade enorme de conectividade. São infraestruturas que não estão ligadas só a um operador. Estão vocacionados não tanto para um poder computacional gigante, mas para estarem próximos dos clientes e terem uma grande capacidade de comunicações. Também têm processamento, mas não é aquele processamento intensivo como é o processamento da inteligência artificial.
Os data centers que estão deslocados — como o da Start Campus, ou o da Merlin, que está a ser feito em Castanheira do Ribatejo –, não dependem tanto das telecomunicações. A oferta que têm é de alta capacidade computacional. Estamos a falar de dez mais ordens de grandeza de capacidade computacional e outro nível de exigências de arrefecimento, como o liquid cooling, que são tubagens de líquido gelado que entram dentro dos bastidores onde estão alojados os servidores.
Essa diferença de paradigma é diretamente proporcional à dimensão do investimento que é necessário nuns e noutros. Portugal tem previsto para os próximos cinco anos mais de 12 mil milhões de euros de investimento e 80% disso há de ser dos data centers de uso intensivo da IA e desta capacidade computacional de alta densidade. São dados da própria associação.
Portugal ainda é mais um ponto de passagem no fluxo global de informação ou esse paradigma já começa a mudar? Ainda somos só um local de trânsito?
Eu diria que é um caminho. Ainda somos, sim. Associado a isto, Portugal tem uma característica ímpar que é o facto de estar posicionado numa zona limítrofe da Europa que permite ter acesso aos cabos submarinos transatlânticos. Nós temos 12 cabos submarinos e as telecomunicações para a Europa fazem-se muito através desta ligação que passa por Portugal. Existem data centers que são nossos associados, como é o caso da Equinix, em que um dos serviços que têm para oferecer é a ligação aos cabos submarinos. Do ponto de vista geográfico estão numa situação bastante adequada para isso. A própria Altice também tem essa capacidade.
Então e porque é que ainda não somos mais do que um ponto de passagem? O que é que está a faltar?
Na Europa, o mercado de data centers é dominado pelos FLAP [Frankfurt, Londres, Amesterdão e Paris], que são as regiões com maior concentração de data centers. Espanha também já tem um elevado crescimento de instalação de data centers, sendo que Espanha atualmente já não tem infraestruturas para conseguir acomodar mais um grande crescimento. O estrangulamento é a capacidade de energia elétrica. Os data centers, especialmente estes de uso intensivo computacional, têm uma demanda gigante de energia elétrica e isso é algo que está a acontecer por toda a Europa. Nos FLAP, já há sítios em que já não há capacidade para construir mais data centers de alta densidade. Não há capacidade na rede elétrica. Ou começam a desligar cidades para ligar data centers, ou então já não chega para todos.
E esses podem vir para cá?
Podem vir para cá. Portugal tem capacidade. Portugal é conhecido até pela capacidade de produção de energia verde, portanto existe agora essa capacidade. Nunca teremos a capacidade que terá um grande país da Europa, mas temos capacidade para isso. Além disso, a seca em termos energéticos que se está a verificar noutros países da Europa leva a que só agora é que estejam a aparecer mecanismos regulatórios para garantir que a energia é distribuída não só dentro do setor dos data centers de uma forma que seja adequada e equilibrada, mas também de equilíbrio entre os data centers e o resto do tecido empresarial que habita nesses países. Ou seja, não podemos cair também numa situação em que, de repente, vêm os data centers e secam as indústrias todas à volta. Isso também não será adequado para uma economia.
Identifica alguma barreira ao investimento, ao nível até mesmo do licenciamento, mas não só?
Diria que o licenciamento é um deles, ou seja, as entidades que atribuem os licenciamentos até há bem pouco tempo não sabiam sequer o que é que era um data center. O setor precisa de um enquadramento específico para ser tratado de uma forma adequada. Portugal acordou para os data centers com a Operação Influencer. Até aí, ninguém sabia o que é um data center. A partir da Operação Influencer, bem ou mal, a palavra data center acabou por estar na agenda dos portugueses. E uma das barreiras tem de facto a ver com o licenciamento. Falou-se na altura da questão dos projetos de interesse nacional, e tem de ser algo que tem de ser enquadrado, regulado. Temos a questão da energia, a capacidade de energia que o país tem de ser regulada na atribuição de licenças e de slots de energia, e toda a componente de sustentabilidade que também faz parte desta diretiva europeia também é muito importante.
Sendo um setor de uso intensivo de energia, é bom que também esteja adequadamente balizado no que diz respeito à sustentabilidade, senão vamos ter um setor que é altamente poluente. O que não é o caso, porque, sendo um setor de ponta, tem também toda a investigação e desenvolvimento que é feito à roda deste setor, que é muito elevado. É um setor onde são aplicadas as últimas tecnologias no que diz respeito a poupança de energia, eficiência e sustentabilidade.
Acaba de declarar que “Portugal acordou para os data centers com a Operação Influencer”. Acha que teve um impacto negativo na imagem ou que até pode ter beneficiado, porque colocou estas infraestruturas no mapa?
Eu acho que provocou um abanão. A Operação Influencer rebenta pouco depois de termos feito a escritura da associação. Estávamos ali na fase inicial da criação e quando rebenta a Operação Influencer, nós apagámos as luzes e entrámos em modo stealth [discreto] e não quisemos dar muito nas vistas. Não quisemos que a associação, que ainda era ali uma jovem criança, ficasse colada a toda a perturbação que estava ali à volta da Operação Influencer.
Portanto, houve ali um primeiro impacto que foi negativo. Mas depois?
Depois acho que tenha acabado por ser positivo porque de facto trouxe para a agenda. E a partir do momento que houve a possibilidade de ter assento nos media, de ter a criação de eventos com a comunidade, tudo isso passa a ser diferente. Até que chegamos, passado um ano, a este pico exponencial de visibilidade. De repente temos vários jornais a nos contactarem, rádios… existe aqui todo um novo interesse que acaba por aparecer na altura certa e eventualmente possa ter sido aqui de alguma forma alavancado pela Operação Influencer. Apesar da primeira turbulência, depois acabou por talvez ajudar, sim.
A Operação Influencer versa sobre alegações de que um grande investimento, a Start Campus, terá recorrido aos serviços de uma espécie de um influenciador, alegadamente, para desbloquear algumas coisas que estavam a andar mais lentamente… Isso diz alguma coisa sobre as dificuldades que o setor enfrenta nesse ponto de vista do licenciamento?
Diz, porque o setor público não estava preparado. Não existe um Código de Atividade Económica para centros de dados. Repare, existe a figura do licenciamento industrial, mas não existe uma figura específica para este tipo de atividade. Se calhar interessava que existisse. Um licenciamento unicamente industrial tem a bondade de regular aquele tipo de atividade, que tipicamente também pode ser mais poluente. Quando chegamos a um organismo público, dizem que não sabem o que é isto e que não sabem tratar.
Esse é um papel da associação, promover uma literacia à volta dos data centers, não só na população em geral mas também nas instituições públicas, e entre quem edita as leis e as normas. Permitirá também fazer a criação de emprego à volta do setor e a regulação que nós falamos. E um dos desígnios que também temos, que é uma das nossas bandeiras, é o designado host in Portugal — não só a construção de data centers em Portugal, mas vai além disso: nós temos data centers, por favor alojem os vossos servidores cá. Porque também nada pior é do que termos infraestruturas que depois não são utilizadas. Ou seja, termos um Ferrari que é usado para ir ali à mercearia ao fundo da rua.
Há muito espaço vazio nos data centers aqui em Portugal? Ou seja, eles existem, mas depois têm salas vazias?
Sim, sim. A associação não tem esses dados em concreto. Nós trabalhamos mais naquilo que diz respeito à capacidade que está instalada em cada data center e aquilo que é o pipeline de cada data center em termos de capacidade. Hoje em dia pode ser de 1.000, no espaço de cinco anos pode passar a 5.000.
Mas diria que há uma subutilização dos data centers em Portugal, é isso?
Há casos com mais sucesso ou casos com menos sucesso, sim.
As entidades que atribuem os licenciamentos até há bem pouco tempo não sabiam sequer o que é que era um data center.
Estamos agora a viver um período de crise política, com a queda de um Governo com apenas um ano. Isto não é muito amigo do investimento, não é? Acha que pode ter aqui um impacto de levar alguns players a repensar a forma como olham para Portugal?
Para os investidores estrangeiros este tipo de situação é sempre desagradável porque, no fundo, quem está a investir quer estar longe de tumultos e de insegurança e Portugal tem sido um país onde as pessoas de uma forma geral têm uma boa literacia no que diz respeito a inglês, é um país soalheiro, com mar e tudo e mais alguma coisa, que são características absolutamente diferenciadoras. Não temos guerras…
Mas até recentemente também não tínhamos instabilidade política e agora andamos de miniciclo em miniciclo.
Exatamente. Isso pode ter um efeito nefasto para o investimento estrangeiro, sem dúvida. Não é de facto nada positivo e acaba por trazer insegurança para os investidores e para o setor. Um dos nossos parceiros institucionais é a AICEP, promotora do investimento estrangeiro em Portugal. Eles fazem o que nós fazemos para mais uma série de setores portugueses e nós gostaríamos que eles incluíssem na sua carteira a divulgação e a promoção deste setor enquanto parte do setor económico português.
E estão a fazê-lo?
Sim, mas isto faz tudo parte de uma literacia que tem de ser promovida pela associação. A própria AICEP também tem de passar a conhecer o que são os data centers, que importância é que têm… A literacia é muito interessante porque ela é feita ao nível da população em geral, ao nível das instituições públicas e privadas e ao nível até do próprio setor da educação.
Se eu fosse um investidor estrangeiro e isto não fosse uma entrevista, que estivesse a pensar investir num data center em Portugal, mas estivesse agora a repensar por causa da crise política, que argumentos usaria para me tentar convencer?
É um pitch? Ora, temos um posicionamento geográfico de excelência, que nos permite ter uma posição absolutamente diferenciadora na Europa no que diz respeito à conectividade com os cabos submarinos. Temos uma rede de telecomunicações com uma alta capilaridade, estamos a falar da rede terrestre. É sobejamente conhecida a nossa capacidade em relação às telecomunicações, uma vez que o mercado de telecomunicações português tem múltiplos operadores e bastante dinâmico. Temos produção de energia verde, já não é só aquela coisa bonita, é de facto um fator diferenciador. Temos uma qualidade de vida extraordinária. Temos custos competitivos no que diz respeito à energia elétrica, Portugal continua a ser dos países da Europa que tem o custo mais baixo da energia elétrica. Não temos riscos geográficos. Os sismos que nós temos são perfeitamente acomodáveis. Não temos tsunamis. Não temos inundações. E temos mão-de-obra super bem qualificada.
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“Portugal acordou para os ‘data centers’ com a Operação Influencer”
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