Empresa alemã adquiriu um novo terreno para aumentar a produção. O ano passado, a colheita rendeu cerca de meia tonelada de folhas frescas o que deu origem a 100 quilos de chá.
Foi pela mão da alemã Nina Gruntkowski que nasceu a primeira plantação de chá em Portugal continental. Numa primeira fase plantou 200 plantas no jardim de casa no Porto até as transportar para a Quinta de Fornelo, em Vila do Conde, onde tem atualmente 12 mil plantas de chá camélia. Um chá português artesanal de inspiração japonesa que já conquistou apreciadores em todo o mundo.
Natural de Frankfurt, Nina Gruntkowski foi jornalista numa rádio alemã e conheceu vários países até que aos 32 anos viajou para Portugal para fazer um programa de rádio sobre a região do Douro. Apaixonou-se então pelo produtor de vinhos Dirk Niepoort e passou a saltitar entre Portugal e Alemanha. Isto, até perceber que já não era viável andar lá e cá, pelo que começou a reduzir as viagens entre os dois países.
A antiga jornalista conta ao ECO que gostava da profissão, mas sempre sonhou em “produzir alguma coisa que permanecesse mais tempo do que um programa de rádio”. “Adorei o jornalismo, mas sabia que um dia ia dedicar-me a um projeto próprio, preferencialmente ligado à natureza”, sublinha.

Acabou por esquecer a ideia até 2011, altura que entrevistou um pequeno produtor de chá suíço, Peter Oppliger. Durante esse trabalho jornalístico, Nina Gruntkowski percebeu que a planta de chá, sendo uma espécie de camélia, seria era possível plantar em Portugal – não fosse o Litoral Norte “o paraíso das camélias”. Ficou tão entusiasmada com essa informação que “quase estragou a entrevista”.
O produtor suíço ofereceu-lhe uma planta de camellia sinensis e, mal chegou a Portugal, deixou-a durante o inverno no canto mais frio da casa para testar se ela não morria. “Na primavera seguinte, a planta estava cheia de flores felizes e tive a certeza de que era possível plantar chá. O sonho de produzir chá nasceu em Portugal”, recorda a empresária.
A empresária de origem alemã começou por cultivar em 2012 as primeiras 200 plantas de chá (camellia sinensis) no jardim de sua casa no Porto. Rapidamente percebeu que o clima era favorável para o cultivo de chá. Aliada à sua paixão, surgiu uma ideia de negócio.
Percebendo que a produção de chá é “muito complexa”, procurou produtores de chá verde no Japão. Em 2012 recebeu, pela primeira vez, a visita do casal Morimoto, do sul do Japão. Não só se apaixonaram também por Portugal, como abraçaram o projeto Camélia. Haruyo e Shigeru San têm mais de 40 anos de experiência e ajudaram-na com os conhecimentos no cultivo e produção de chá biológico. Este contacto resultou numa sinergia, já que os Morimoto aconselham Nina na plantação, ao passo que a produtora vende este chá japonês em Portugal e Espanha (além dos de outros quatro produtores).

Em 2014, Nina Gruntkowski decidiu mudar as plantas para a Quinta de Fornelo, perto de Vila do Conde, um terreno da família Niepoort. Para evitar o impacto das máquinas pesadas, limpou à mão todo o terreno da vinha abandonada. Nesse mesmo ano plantou as primeiras plantas de Chá Camélia na propriedade nortenha e dois anos depois de pequenas produções experimentais, em 2019, celebrou a primeira colheita das plantas que atingiram a maturidade para a produção de chá.
Meia tonelada de folhas para 100 kg de chá
A colheita das folhas é inteiramente manual, assim como a maioria do processo de transformação, inspirado nas antigas culturas de chá da Ásia. Acontece de abril a julho e todas as folhas são apanhadas uma a uma. No ano passado, a colheita rendeu cerca de meia tonelada de folhas frescas, o que deu origem a 100 quilos de chá — sendo que 90% é chá verde inspirado na cultura japonesa.
Desde o campo à apanha da folha e ao processo é tudo artesanal. E isso reflete-se num chá de alta qualidade.
“Desde o campo à apanha da folha e ao processo, é tudo artesanal. Isso reflete-se num chá de alta qualidade”, afirma a empreendedora. “Aqui mostramos como se faz chá real, desde o cuidado do campo até a um chá natural, sem pesticidas e sem adubos”, completa.
Numa manhã solarenga de abril, Rita Santos estava a pulverizar a plantação de chá com tisana de ortigas, uma ‘mezinha’ para afastar os piolhos e restantes insetos. Trabalha no Chá Camélias desde o outono de 2019, altura em que estava a cumprir um ano sabático. Começou na colheita de flores e fez parte da primeira grande colheita em 2020. Continua a trabalhar no campo, mas também dá uma ajuda no escritório, juntamente com Maria João Cunha.

Rita, que foi enfermeira durante 15 anos, confessa ao ECO que nem gostava de chá quando começou a trabalhar na quinta. Aquilo que a atraiu a este projeto foi “a forma como se trabalhava a terra”, de forma orgânica. O que começou por ser apenas uma experiência acabou por se tornar na sua ocupação principal.
A apanha é apenas a primeira de sete etapas. As folhas verdes são vaporizadas em água fervida durante alguns minutos para evitar que oxidem e fiquem castanhas. Depois, são colocadas numa panela japonesa para a primeira secagem, e posteriormente ficam algum tempo numa peneira gigante para arrefecerem. Passam então para a rolagem e secagem final, através de um processo de desidratação.
Erika Kobayashi trabalha as folhas com minúcia. Conheceu Nina Gruntkowski em 2014 numa exposição de cerâmica em Lisboa, onde a produtora estava a fazer uma degustação de chá. No primeiro instante descobriu que ambas partilhavam esta mesma paixão. Volvidos quatro anos, a brasileira com ascendência japonesa viajou até ao Norte para conhecer a plantação e assistir à primeira colheita. Em 2019 voltou para trabalhar como voluntária no Chá Camélia durante a apanha. Todos os anos regressa a Vila do Conde para fazer esse trabalho.
Erika Kobayashi, que há 15 anos faz cerimónias de chá em São Paulo, no Brasil, fica em Fornelo durante quatro meses, entre abril e julho, que é o período da apanha. Colhe as folhas, trabalha no processamento das várias etapas e, se for preciso, ainda dá uma ‘mãozinha’ no armazém.
“Todos os dias são diferentes e exigentes”, descreve Nina Gruntkowski. “Para fazermos um chá de alta qualidade, temos de pensar como se fosse a primeira vez, porque o processo nunca é igual. A qualidade e a humidade das folhas variam consoante as quantidades, ilustra. Da mesma folha consegue-se extrair chá verde, preto, amarelo e branco. Tudo depende do processo produtivo.
Maria João Cunha trabalha há dois anos na área administrativa no Chá Camélias, juntamente com Rita Santos. Mas também dá uma ajuda no campo quando é preciso. Sempre gostou muito de chá, mas não tinha a noção de que este setor é “todo um mundo”. “Acabamos por nos apaixonar, o que acaba por ser o reflexo da paixão que a Nina põe nisto e que acaba por nos contagiar”, refere.
Vem da infância essa paixão de Nina Gruntkowski pelo chá. As primeiras viagens que fez foram precisamente em busca de locais com boas lojas de chá. “Sempre fez parte da minha vida. Eu não me lembro de fazer compras de moda, mas sim de chá”, brinca a empresária.
O Chá Camélia já chega a 12 países europeus, mas também aos Estados Unidos, a Macau e a Singapura. Os chás são vendidos em lojas biológicas por toda a Europa e também em restaurantes de alta culinária. O mercado europeu absorve 50% da produção da Chá Camélias.
O mercado nacional absorve apenas 20% da produção. Em média, um português consome apenas quatro chávenas de chá por ano. Um consumo quase duas vezes inferior ao da maioria dos outros países europeus, de acordo com os dados citados pelo World Tea News.

O setor de chá em Portugal cresceu cerca de 2% em 2024 em relação ao ano anterior. principalmente devido ao crescimento do chá verde, de acordo com a mesma publicação. Um estudo da TGI da Marktest quantifica que, em 2023, mais de metade dos portugueses (58,6%) bebia chá, gastando entre três e cinco euros por mês na bebida.
Ao contrário da maioria dos restantes países do Velho Continente, o consumo em Portugal é dominado pelos chás de ervas, um segmento que representa cerca de 60% do mercado. O chá preto e o chá verde representam os restantes 40%.
Rentabilidade tarda uma década
Nina Gruntkowski atesta que “quem produz chá tem de ser apaixonado por aquilo que faz”, por ser “um trabalho muito duro e exigente” e um negócio que demora a gerar resultados. Na Ásia, exemplifica, uma grande plantação de chá só começa a ser rentável a partir do décimo ano. Após plantar a árvore é preciso esperar um mínimo de cinco anos até à primeira colheita – e de poucas folhas. Ano após ano, a produção de folhas aumenta. “O investimento em tempo é brutal”, ressalva.
A produtora alemã, que já vai na sétima colheita, sempre sonhou em criar um chá com terroir e caráter único. E garante que essa missão foi realizada com sucesso. “Temos peritos que já comprovaram que o nosso chá é único. O desafio agora é aumentar a produção para o projeto ser viável”, diz Nina Gruntkowski.
Temos peritos que já comprovaram que o nosso chá é único. O desafio agora é aumentar a produção para o projeto ser viável.
Há dois anos adquiriu um novo terreno com dois hectares em Vairão, perto da Quinta de Fornelo. A ideia é produzir o chá num contexto agroflorestal, no meio das árvores. “Depois queremos fazer a comparação entre o sabor de um chá que cresceu no ambiente mais natural de permacultura e o chá que nasceu em filas”.
“A nossa missão é chamar a atenção para uma agricultura natural, seja em pequena ou grande escala, com grande diversificação e respeitando a terra. O que é bom para as pessoas e para o planeta”, destaca Nina Gruntkowski. “Queremos contribuir para o meio ambiente e servir de exemplo para outras pessoas”, remata.
Além da produção de chá e da distribuição de chás importados, a empresa tem uma parceria de kombucha com a família Niepoort e um chá que fica em pipas de vinho do Porto, um blend assinado por Ljubomir Stanisic e Nina Gruntkowski, ou um chocolate branco com matcha (chá em pó da cerimónia japonesa) feito com a aveirense Feitoria do Cacao.
Paralelamente, a empresária realiza degustações e workshops de chá na plantação em Vila do Conde e noutros locais, dentro e fora de Portugal. “Viver apenas das folhas que produzo seria muito difícil”, desabafa. “Essas ideias surgiram ao longo do tempo porque somos criativos”, acrescenta.
“Transportámos o nosso chá para lojas na Europa, onde explicamos como é feita a produção, e recebemos pessoas de todo o mundo na nossa quinta, onde mostramos como se produz chá”, explica. A degustar uma chávena de chá da colheita da semana anterior, o palato confirma: “será um ano muito bom”.
Em paralelo, participa em vários eventos na Europa com o objetivo de “valorizar este produto fantástico que foi banalizado pelos ingleses, pela invenção da saqueta de chá – as folhas entram na fábrica completamente mortas, sem alma, sem sabor e com pouco benefícios“, lamenta.
Ao contrário das saquetas, as folhas da quinta de Fornelo permitem fazer várias infusões. 50 gramas de chá podem custar entre 14,50 e 35 euros, dependendo da altura da colheita. A da primavera é a mais valiosa.

A também alemã Elke Wernex viajou pelo mundo para conhecer diferentes produtores de chá de países como Japão, Nepal e Sri Lanka. Em 2019 visitou o Chá Camélias e ficou impressionada por todo o trabalho ser feito manualmente. A partir de 2021 começou a trabalhar na Quinta de Fornelo na altura da apanha – fica entre um a três meses, mediante a disponibilidade.
É muito bom ver que outras pessoas, por todo o mundo, estão muito interessadas no que estamos a fazer aqui.
Tem uma loja na Alemanha em que vende os chás que Nina Gruntkowski produz em Portugal. Conta ao ECO que, em conjunto, “promovem os chás portugueses na Europa” ao “marcaram presença em grandes festivais, como os de Berlim e Praga”. “É muito bom ver que outras pessoas, por todo o mundo, estão muito interessadas no que estamos a fazer aqui”, frisa.
Elke Wernex atesta que o Chá Camélia é “único” e justifica que o terroir é um grande aliado. “Nunca fomos treinados por ninguém, por isso tudo o que fazemos vem da nossa paixão e do nosso conhecimento. E é por isso que é realmente único”, realça Elke Wernex.
“O chá é mais que uma bebida. É uma filosofia de vida”, salienta Nina Gruntkowski. No mundo frenético em que vivemos, o “chá convida a sentar, ao contrário do café, que convida a acelerar”, compara a empresária de origem alemã.
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Chá de Vila do Conde chega às bocas do mundo
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